Supletivos de 1º e 2º graus, auxiliar de administração de empresas, corte e costura, secretariado moderno, mecânica geral e até mesmo de mecânica de automóveis:
estes eram alguns dos cursos oferecidos pelo Instituto Universal Brasileiro
via correspondência. Os anúncios, que apareciam com frequência em gibis e
revistas populares, eram parte de uma iniciativa de oferecer educação para
os brasileiros que não podiam frequentar a escola regular. Essa seria uma
iniciativa pioneira da primeira geração da educação à distância (EaD)
no Brasil. “O presente, caracteriza-se pelo uso de tecnologias interativas,
que priorizam os processos de comunicação, permitindo assim a interação remota
entre os diversos agentes do processo ensino-aprendizagem”, explica Patrícia
Lupion Torres da Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUC-PR).
No
entanto, de acordo com os pesquisadores Patrícia e João Vianney,
da Universidade de Brasília (UnB), no capítulo “Um olhar sobre os números
da educação a distância no ensino superior brasileiro”1, a história da
educação a distância (EaD) no Brasil começa logo
no início do século XX – em 1904 –, quando as instituições
privadas ofereciam cursos técnicos por correspondência, na chamada 1ª geração da EaD brasileira. Antes de chegar no Brasil, a novidade já havia
sido testada na Suécia, Estados Unidos, Inglaterra e Canadá.
Anúncio de oferta de cursos rápidos por correspondência: diplomas eram vistos com desconfiança. Crédito: Reprodução
“Os
primeiros 80 anos da educação a distância no Brasil se desenvolveram ao ritmo
de um compasso lento, tendo em vista a incipiência das políticas, no campo
educacional, aliás, predominantemente extensionistas
e, depois, supletivas, no campo educacional”, explica Patrícia Torres. Ela
lembra, por exemplo, que o primeiro modelo se caracterizou por um processo
solitário de estudo, realizado por meio de livros impressos autoexplicativos
de linguagem simples. Segundo a pesquisadora, os primeiros passos firmes da
EaD foram através do rádio e acabaram por ganhar corpo em
1960, com a chegada dos recursos oferecidos pela televisão. Era o início da
segunda geração.
A
revolução computacional caracterizou a entrada na terceira fase dos estudos
feitos a distância, com a utilização das novas tecnologias de informação e
comunicação (TICs), especialmente da internet. Segundo
Terezinha Saraiva, coordenadora de Programas Sociais da Fundação Cesgranrio e uma estudiosa sobre educação a distância no país,
o surgimento e disseminação dos meios de comunicação de massa foi paradigmático
para a EaD no Brasil. “Considero como marco inicial,
a criação, por Roquette Pinto, entre 1922 e 1925,
da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro e de um plano sistemático de utilização
educacional de radiodifusão, como forma de ampliar o acesso à educação”, conta.
A rádio, criada em 1923 por um grupo de cientistas,
foi a primeira voltada para a divulgação da cultura e ciência. Depois, segundo a pesquisadora, vieram uma série
de empreendimentos de sucesso, como os projetos Minerva, Saci, Logos e o Telecurso
(veja quadro abaixo).
Inovador no início, o ensino a distância levava educação
para recantos das cidades onde habitavam os que tinham poucas chances de ir
para os bancos escolares. Mesmo assim, Patrícia Torres lembra que os diplomas
recebidos por aqueles que faziam cursos por correspondência, rádio e TV eram
vistos com desconfiança. “Nessa época, a EaD era
vista como uma educação de segunda categoria, assim havia muitas restrições
aos certificados emitidos”.
Linha
do Tempo - EaD no Brasil
|
1904
|
Cursos por correspondência.
|
1922-25
|
Rádio Sociedade Educativa do Rio de Janeiro,
por Edgard Roquette-Pinto
|
1939
|
Cursos livres de iniciação profissional
– Instituto Monitor
|
1939
|
A Marinha utiliza ensino por correspondência
|
1941
|
Criação do Instituto Universal Brasileiro
|
1942
|
Reforma Capanema. Primeira legislação que
reconhecia a validade dos estudos feitos a distância
|
1965
|
Início das TVs educativas, gerando os telecursos
|
1967-74
|
Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)
inicia o Projeto Saci. –utilização de satélite doméstico para transmitir
imagens
|
1969
|
Televisão Educativa do Maranhão: ofereceu
ensino de 5ª a 8ª séries
|
1970
|
Projeto Minerva, transmitido pelo rádio
MEC (ex-rádio Roquette
Pinto): milhares de pessoas realizaram estudos básicos
|
1973
|
Projeto Logos – de capacitação de professores
leigos. Utilizava material impresso, organizado em módulos de ensino
|
1976
|
Sistema Nacional de Teleducação
– mantido pelo Senac
|
1978
|
Telecurso 2º Grau – parceria entre a Fundação
Padre Anchieta
e a Fundação
Roberto Marinho
|
1979
|
Cursos livres na UnB - parceria com a The Open University
|
1989
|
Universidade Federal de Lavras: primeira
universidade a oferecer cursos de pós-graduação a distância
|
1990-91
|
Programa Salto para o Futuro. Educação continuada
para professores, por meio da transmissão de TV via satélite
|
1994
|
Primeiro vestibular para uma licenciatura
a distância, pela Universidade Federal do Mato Grosso. Início do curso
aconteceu em 1995
|
1995
|
Criação do LED-UFSC, laboratório que criou
a metodologia e os sistemas para os primeiros cursos de especialização
e de mestrado com uso de internet e videoconferência, deflagrando a
universidade virtual no país.
|
1995
|
Lançamento da TV Escola
|
1996
|
Reconhecimento da validade da EaD para todos os níveis de ensino. Criação da Secretaria
de Educação a Distância – Seed
|
1999
|
O MEC inicia o processo de Credenciamento
de IES para EaD.
|
2005
|
Decreto 5.622
estabelece momentos
presenciais para avaliação
|
Fonte: Torres & Vianney, 201; Saraiva: Educação a distância no Brasil: lições de história.
Legislação
O cenário começaria a mudar na década de 1970, quando
a Universidade de Brasília (UnB) firmou convênio com a inglesa Open University para a oferta
de cursos livres. Mais de 20 cursos foram abertos em 1979, sendo que seis
eram traduzidos do inglês. Aos poucos, os métodos de transmissão de conhecimento
foram se diversificando, como tele-educação via satélite, polos semipresenciais,
universidade virtual, vídeo-educação e unidades centrais.
Mesmo assim, apesar das diversas iniciativas por todo
o país, a educação a distância demorou para engrenar enquanto lei. Foi somente
em 1996, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que a EaD entrou para as políticas públicas. Até então, a única
aproximação era por meio de um decreto-lei de 1942, conhecido como Reforma
Capanema, que validava diplomas de ensino secundários obtidos sem frequentar
um estabelecimento escolar.
Em 2005, a legislação foi revista, com a inclusão
que citava: “a educação a distância organiza-se segundo metodologia, gestão
e avaliação peculiares” – e obriga alguns momentos presenciais para os cursos.
A exigência reflete a própria sina da EaD de ser
comparada com a educação regular.
Sérgio de Aguiar Monsanto, professor do Departamento
de Física da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) aponta que o método
também tem suas dificuldades no dia a dia. “A disciplina que leciono na Universidade
Aberta do Brasil - UAB é física experimental e, embora existisse a possibilidade
de utilizar bons sites com simuladores, não concordo com uma disciplina experimental
realizada com simuladores. Por isso montei uma equipe com mais cinco professores
que, junto comigo, também se deslocam até os polos e realizam as aulas práticas”,
disse.
Baixo acesso escolar
Quando nos retemos nos dados do início do século passado,
vemos uma desalentadora situação educacional brasileira: segundo o IBGE, no
estudo “Estatísticas do século XX", o país
iniciou o século XX com 65,1% da população (com mais de 15 anos de idade)
analfabeta. Em 1940, havia somente 3,3 milhões de estudantes nos níveis primários
e secundários, equivalentes aos atuais ensinos fundamental e médio. O número representava 21% dos 15,5 milhões de
brasileiros que tinham, na época, entre 5 e 19 anos. De 1940 até 1960 o número
subiria de 21% para 31%, para quase dobrar na década seguinte (58%).
As diversas iniciativas de educação a distância eram
tentativas de mudar o cenário. Para Terezinha Saraiva, a EaD sempre foi concebida com uma visão reducionista. Ela acredita
que não sãos os meios de transmissão que fazem a educação, mas sim a troca
de conteúdo. “A educação a distância só se realiza, quando um processo
de utilização garante, mais do que recepção e até troca de mensagens, uma
verdadeira comunicação bilateral nitidamente educativa”, afirma.
Dados de 2010 do Ministério da Educação (MEC) apontam
que atualmente a educação a distância soma 426.241 matrículas de licenciatura,
268.173 de bacharelado e 235.765 matrículas em cursos tecnológicos. Informa
ainda que a média de idade dos cursos a distância é de 33 anos – enquanto
os estudantes dos cursos regulares estão na faixa dos 24 anos. Para os mais
velhos, explica Terezinha Saraiva, a EaD pode ajudar
a solucionar alguns problemas que afetam a educação no Brasil, como a enorme
extensão territorial e professores sem qualificação. Ela explica que as vantagens
vão além. “Considero que a EaD tem enorme importância
para a educação brasileira pela existência de milhões de jovens e adultos
que não concluíram, na idade certa, seus estudos de educação básica”, diz
a pesquisadora.
O último Censo, realizado em 2010, indica que 96,9%
das crianças e jovens entre 7 e 14 anos estão na escola. Pelas estatísticas,
o futuro educacional deles, no que concerne ao ingresso, parece estar razoavelmente
resolvido. A EaD é um raro caso em que as apostas
para o futuro – educação e alta tecnologia – ajudaria também a consertar erros
do passado.
Nota
1 - Torres, P.L. & Vianney,
J. “Um olhar sobre os números da educação a distância no ensino superior brasileiro”.
In: Romilda Teodora Ens; Marilda Aparecida Behrens. Políticas de formação do professor: caminhos
e perspectivas. Curitiba: Champagnat, 2011.
|