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Reportagem
Nem tão responsáveis assim
Por Luiza Bragion
10/11/2006

Muitas empresas têm visto no cenário da biodiversidade e nos conceitos de desenvolvimento sustentável uma oportunidade de negócio. A incorporação de modelos sustentáveis de uso e exploração dos recursos pode ser um diferencial capaz de gerar vantagens competitivas. Desse modo, companhias têm procurado integrar os princípios e práticas do desenvolvimento sustentável em seu contexto de negócio, conciliando as dimensões econômica, social e ambiental da sustentabilidade no aproveitamento do potencial da biodiversidade.

No Brasil, país com a maior diversidade biológica do mundo e uma das mais ameaçadas do planeta, algumas empresas têm adotado essa prática como um diferencial que gera vantagens competitivas. Esse foi um dos pontos abordados na dissertação de mestrado da bióloga Ana Flávia Ferro, defendida junto ao Instituto de Geociências da Unicamp, em fevereiro deste ano.

Em quatro empresas nacionais analisadas, Ybios, Natura, Orsa Florestal e Centroflora, a incorporação do desenvolvimento sustentável no uso da biodiversidade é uma tendência cada vez mais forte, principalmente em setores altamente ligados à matéria-prima advinda da biodiversidade, como fitoterápicos, cosméticos e manejo florestal.

Segundo a pesquisadora, a Natura é um dos exemplos mais claros dessa forma de atuação no mercado, que relaciona a imagem da empresa com a sustentabilidade. Líder do mercado brasileiro de cosméticos, a empresa responde por 18,9% desse setor e suas vendas cresceram 117% nos últimos três anos. Com o lançamento da linha Ekos, em 2000, a empresa entrou no mercado dos chamados “produtos naturais”. A linha é o carro-chefe no mercado europeu e praticamente dobrou o faturamento da empresa, em 2004.

Segundo Ana Ferro, o estudo comprovou que a incorporação do desenvolvimento sustentável está inserida na política de responsabilidade sócio-ambiental das empresas: “como exemplo, a sustentabilidade é prevista até mesmo em contratos de propriedade intelectual, como é o caso da Ybios. Assim, a idéia de que a preservação ambiental incorre em custos maiores de produção é coisa do passado”, garante a pesquisadora.

No entanto, nas estratégias empresariais apontadas acima nem tudo são flores. O termo Greenwash tem sido constantemente utilizado de maneira pejorativa por ambientalistas para designar atitudes de “responsabilidade ambiental” promovidas por empresas e que, na verdade, não passam de ações de marketing. Com efeito, a vertiginosa multiplicação das iniciativas empresariais, que confundem o articulado leque que abrange marketing social, filantropia, investimento social privado, responsabilidade social empresarial e sustentabilidade corporativa, sugere o caráter incipiente de um processo, que, na pior das hipóteses, se manifestará como mero greenwash (“vamos dar uma pintadinha de verde na organização”). As empresas buscam vincular sua imagem à noção de responsabilidade social. A nova postura da empresa cidadã baseada no resgate de princípios éticos e morais passou a ter natureza estratégica.

Greenwash pode trazer sucesso ou fracasso para empresas

O estudioso Kenny Bruno (autor de Greenwash: the reality behind corporate environmentalism, 1996), cita a Monsanto como uma das maiores praticantes de greenwashing. A empresa tenta passar para o consumidor a idéia de organização filantrópica, interessada na proteção do meio ambiente e preocupada com a fome no mundo. A realidade é muito diferente. Na sua campanha, a Monsanto não propõe a compra de seus produtos. Ao contrário, seus anúncios são produzidos em tons educativos, simulando transparência e uma linguagem longe de ser agressiva. No final do texto publicitário, a surpresa para os leitores: um convite para visitar sites de seus maiores críticos como o Greenpeace, Friends of the Earth e Food for Our Future. Tais grupos, como se sabe, são opostos à biotecnologia, e portanto, às atividades principais da Monsanto. Mas por que gastar milhões de dólares para informar o público sobre as idéias contrárias às da empresa? Como admitem os empresários, a estratégia é uma reação aos órgãos críticos, acusados pela companhia de divulgarem informações falsas. Tais anúncios são claros exemplos de Greenwash. Ou seja, proporcionam uma imagem verde e ecologista a um produto, técnica atualmente constantemente empregada pelas multinacionais. É o que se chama de “lavar a imagem da empresa”, geralmente após outras estratégias de marketing, já fracassadas.

Segundo Bruno, normalmente as companhias, especialmente as petroleiras, praticam greenwashing por meio de propagandas, associando a sua logomarca a belezas naturais ou imagens ambientais, embora os seus produtos estejam relacionados com a poluição. O estudioso acusa a British Petroleum de adotar o slogan da Rainforest Action Network (Rede de Ação pelas Florestas Tropicais), Beyond Oil (“para além do petróleo”), que foi criado para uma campanha de energia alternativa. O autor suspeita das intenções da empresa e observa que menos de um por cento dos investimentos são em energia renováveis.

No Brasil, dentre as medidas adotadas pelo governo federal para desacelerar o processo de degradação da floresta amazônica, está a criação e o fortalecimento de diferentes modelos de unidades de conservação, dentre as quais se incluem as reservas extrativistas (Resex). As Resex surgiram como uma alternativa de atenuar o problema fundiário de concentração de terra, promover a exploração dos recursos naturais de forma sustentável e de conservar a biodiversidade no território amazônico. O manejo sustentável e o uso de práticas corretas de exploração da biodiversidade, incluindo questões como adoção de “selos verdes”, acesso legal à biodiversidade e partição de benefícios com a comunidade local – detentora do conhecimento tradicional –, permitem agregar um sobrepreço aos produtos gerados com essas variáveis. Muitas vezes, a certificação é utilizada apenas como estratégia de marketing e não como ferramenta para melhorar a gestão florestal.

A ética no comportamento empresarial

As empresas, entendidas como unidades fundamentais no contexto global, são cada vez mais desafiadas a aplicar princípios éticos e a responsabilizar-se por atos relacionados direta ou indiretamente com os problemas da sociedade. Em casos como esses, elas não podem se limitar a uma visão rígida e estreita de seus interesses particulares, e sim desenvolver critérios específicos fazendo jus à sua realidade, isto é, considerando não somente fatores econômicos, mas também os contextos políticos, os impactos sociais e ambientais e vários outros aspectos associados às suas atividades. Com base nessas considerações práticas, surge, cada vez mais, e com maior apelo, a ênfase no conceito de ética empresarial.

Mas até que ponto é viável que uma empresa adote ações "ambientalmente corretas" em detrimento da maximização dos lucros? Para Yuri Trafane, pesquisador e professor de marketing empresarial da Escola Superior de Administração e Marketing e Comunicação (Esamc), isso é pouco provável: “As ações ambientalmente corretas estão sendo e serão tomadas em função da maximização dos lucros, uma vez que as empresas que não se alinham com as demandas de seus consumidores e da sociedade em que vivem são punidas direta ou indiretamente. A lógica do sistema em que vivemos é egoísta e as pessoas só melhoram se percebem o risco de reveses individuais ao não melhorar. Tenho a esperança de que um dia tenhamos uma posição diferente, mas não acredito que meus netos vejam este novo mundo. A maior parte das movimentações é motivada por aspectos econômicos”, garante Trafane.

O pesquisador em estratégia empresarial explica que a tendência de usar a preocupação com o meio ambiente para se promover é a lógica do sistema atual: “O mercado exige, as empresas respondem. Acho isso ótimo. Na medida em que a sociedade amadurece e aprende a demandar responsabilidade das empresas, todos ganham. O que poderia me incomodar em uma empresa ganha mais dinheiro porque faz a coisa certa? Neste aspecto temos que ser práticos. Se ela faz isso porque acredita ou porque aprendeu a respeitar o chicote da sociedade não importa. A lógica do sistema é essa, escancarada em nosso cotidiano”, afirma o professor.

Garantir que as ações sejam efetivas e não se restrinjam à propaganda. Esse é o grande desafio, contra a prática do Greenwash. “A sociedade deve fiscalizar, a imprensa deve denunciar e os consumidores devem punir com o seu poder de consumo aqueles que mentirem”, conclui Trafane.