Essa semana, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin criticou a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), principal financiadora de pesquisa do Estado, por investir em “projetos acadêmicos sem nenhuma relevância”, ou seja, sem utilidade prática. Sua fala se referia a sua crença de que poucos são os investimentos em estudos, por exemplo, contra o zika vírus ou vacinas contra a dengue. A informação foi veiculada pelo Radar On-line da revista Veja.
O site da Fapesp, porém, aponta que a instituição acaba de fechar um acordo com o Medical Research Council, do Reino Unido, para financiar pesquisas sobre o zika vírus. Além disso, estão abertas chamadas de propostas para projetos com esse mesmo foco. Uma pesquisa rápida no site dessa agência e também de outras fomentadoras, como a Finep, demonstram que investimentos na área de ciência aplicada, ou útil, segundo o governador, estão acontecendo.
Esse fato trouxe à tona o debate sobre a utilidade do conhecimento científico. A ciência é útil – mas isso não significa que tenha aplicabilidade direta e imediata, já que está continuamente se transformando e evoluindo. Cada vez que uma pergunta é respondida, uma nova surge e, assim, a ciência avança. Momentos como “Eureka!” ou “É isso!”, normalmente associados à atividade científica, são extremamente raros, e invariavelmente geram mais euforia por incentivarem novas perguntas desafiadoras do que um fim em si mesmo.
O público em geral acaba sabendo pouco sobre o truncado caminho percorrido até o resultado obtido por uma pesquisa. “A sociedade entende o benefício, mas não o processo que está por trás dele, porque é realmente mais complexo”, comenta Anselmo Moriscot, professor titular do Departamento de Anatomia da USP. Qualquer atividade investigatória pressupõe um processo longo de observação, de busca de trabalhos desenvolvidos por outros grupos de pesquisa, de erros e acertos, e de adaptações metodológicas que proporcionem o estudo dos fenômenos, sejam eles sociais ou biológicos.
A maior parte dos estudos atuais são indissociáveis de trabalhos desenvolvidos anteriormente, tendo como base pesquisas que pareciam “sem objetivo claro”, cujo foco era o conhecimento pelo conhecimento. “A pergunta pode estar relacionada a uma doença que aflige a população, entretanto, primeiramente deve-se conhecer o processo. Nunca imaginei que os trabalhos que desenvolvíamos relacionados ao diabetes pudessem mostrar que essa doença também gera o hipotireoidismo. Isso mostra que os objetivos iniciais acabam sendo transformados e ampliados com as descobertas ao longo da pesquisa”, pontua Maria Tereza Nunes, professora titular do Departamento de Fisiologia e Biofísica da USP.
Aplicações pouco visíveis da ciência básica
Não faltam exemplos de pesquisa básica que resultaram em aplicações muito importantes ao longo da história. “Talvez um exemplo mais radical seja a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein. Essa teoria demorou 20 anos para ser aceita pelos físicos. Hoje, todos os satélites que existem, o GPS que usamos no carro, são possíveis graças a ela”, exemplifica Moriscot.
Por volta de 1830, Michael Faraday estudava as propriedades eletromagnéticas, induzido por trabalhos anteriores sobre as características da corrente elétrica. Seus estudos influenciaram o estabelecimento da moderna teoria sobre ondas eletromagnéticas, presentes em todos os aparelhos eletrônicos atualmente.
Os estudos por Gregor Mendel sobre a aparência das ervilhas, por volta de 1860, foram a base para a compreensão dos fundamentos da genética e da hereditariedade.
Ferramentas originalmente desenhadas para melhor compreender a estrutura de compostos químicos, como a ressonância nuclear magnética, deram origem à ressonância magnética por imagem, o que substituiu o uso da radioatividade em exames ósseos e de tecidos internos, hoje essenciais para diagnósticos médicos. Ainda na área de saúde, o primeiro antibiótico de que se tem registro, a penicilina, foi isolada em 1938, com base nos estudos dedicados à bactéria Staphylococcus aureus por Alexander Fleming.
Outro caso clássico envolveu o bioquímico Herbert W. Boyer e o geneticista Stanley Cohen no estudo do DNA recombinante. Buscando entender melhor o processo de reprodução das bactérias, os cientistas descobriram que fragmentos de DNA isolados de bactérias, ou mesmo de outras espécies, como animais, poderiam ser ligados ao material genético de bactérias (conhecido como plasmídeos), induzindo-as a produzir uma proteína funcional desse organismo “hospedeiro”. Essa foi a base da biotecnologia que culminou com a produção em larga escala da insulina humana (sintética) pela empresa Genentech, fundada em 1976 pelo próprio Boyer e pelo empresário Robert A. Swanson.
A ciência básica é a base
Quando se estuda ciência na escola, ouve-se ou lê notícias sobre ela, há a impressão de que esse é um mundo repleto de respostas. Mas, na verdade, é exatamente o oposto. É um mundo repleto de perguntas.
Para obter novos medicamentos e tratamentos contra doenças é preciso entender primeiro: o que é a célula? Como ela se divide? Qual a maquinaria interna que comanda o seu funcionamento? Começar a história pelo final leva a lacunas que deverão, em algum momento, ser preenchidas. Completar lacunas é função da ciência básica.
“Quando se dá uma medicação para população sabe-se que 75% dela responde, mas 25% não, o que nos dá uma dica de que há individualidades ainda desconhecidas e que precisam ser esclarecidas com mais estudos. A gente sabe que uma célula está sob a influência de uma série de hormônios que atuam no mesmo momento, mas não como sua ação é orquestrada para gerar determinados resultados. Entender esse processo é fundamental para alçar voos maiores e chegar ao produto final”, esclarece Nunes.
A sociedade percebe que a pesquisa é fundamental para a evolução do conhecimento e que ela traz benefícios. Entretanto, para corroborar e incentivar os financiamentos governamentais, ela precisa entender o que os cientistas fazem e como o conhecimento é produzido. “A área básica tem que ter respaldo para não acabar sendo coisa de filósofo grego, ou seja, mundos totalmente diferentes”, ressalta Moriscot.
Uma forma de trazer a ciência básica para o público em geral é melhorar o acesso a cursos, tanto presenciais quanto à distância, que fomentem a curiosidade sobre temas científicos. Além disso, o acesso à cultura, como exposições, teatro, mostras de cinema, feiras de ciência ou cursos de especialização para professores também permitem a proximidade com esse mundo aparentemente distante. “Promover cursos e treinamento para a população permite que o indivíduo não veja as reportagens sobre ciência apenas como entretenimento, mas como um trajeto importante para a formação do conhecimento”, enfatiza Moriscot.
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