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Reportagem
Mercado imobiliário vive bom momento
Por Patrícia Mariuzzo
10/06/2007

Economia estável e medidas do PAC geram otimismo no setor

Os financiamentos imobiliários do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) atingiram R$ 9,5 milhões em 2006. O crescimento  foi de 95,5% em relação à 2005, segundo levantamento da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário (Abecip ). No primeiro quadrimestre de 2007 o volume de empréstimos do SBPE superou em cerca de 90% o volume alocado ao mercado nos 12 meses anteriores. A companhia de financiamento hipotecário Brazilian Mortgages, especializada em operações financeiras voltadas para construtoras e incorporadoras, anunciou no mês passado sua entrada no mercado de crédito a pessoas físicas. Acreditando no bom momento da economia brasileira, a empresa lançou um programa de financiamento de imóveis voltados para a classe baixa, com prazos que chegam a 30 anos. São sinais de que o mercado imobiliário brasileiro vive um bom momento graças à economia estável. Os prognósticos ficaram ainda mais otimistas após a divulgação das medidas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em janeiro de 2007.

Entre 2005 e 2006, o valor do crédito imobiliário cresceu mais de R$ 6 bilhões. Este ano espera-se um novo acréscimo de R$ 4,6 bilhões que deverá elevar o volume global de crédito para algo em torno de R$ 21 bilhões. “Nos últimos anos, uma série de mudanças institucionais, a queda na taxa de juros e o crescimento da renda propiciaram um aumento considerável na oferta de crédito no país, permitindo traçar uma trajetória mais favorável para a habitação”, acredita Fernando Garcia, economista da Fundação Getúlio Vargas, que coordenou um estudo sobre crédito imobiliário no Brasil. Segundo ele, o investimento das famílias em habitação até 2010 deve representar 5,3% do PIB, sendo que o crédito atenderá 27% desses investimentos. Em artigo publicado no Portal Exame, Roberto Perroni, diretor superintendente da Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário menciona que, em três anos, clientes da incorporadora saíram de apartamentos de R$ 350 mil para imóveis de R$ 800 mil. “A renda desses clientes dobrou? Certamente que não”, diz ele. “O que ocorreu foi uma mudança no mercado com a queda das taxas de juros e, principalmente, o alongamento dos prazos de pagamento, que passou de 36 meses para até 30 anos”, completa.

O diretor executivo do Sindicato da Habitação, Celso Petrucci é cauteloso em dizer que o Brasil está vivendo um boom imobiliário. “O que na realidade aconteceu é que o Brasil ficou praticamente sem crédito imobiliário por quinze anos aproximadamente. Após 2002, e principalmente a partir de 2004, os financiamentos imobiliários passaram a ser vantajosos para os bancos privados, pois são operações de longo prazo, que fidelizam os clientes e que têm garantia real”, acredita. A estabilidade econômica é fundamental para o crédito imobiliário na medida em que dá segurança a quem toma crédito e também a quem concede. De acordo com José Pereira Gonçalves, superintendente da Abecip, outro ponto importante que permitiu chegar ao contexto atual foram os aprimoramentos na legislação brasileira, com a edição da lei 10.931/2004, voltada para o fomento do mercado imobiliário. “Esta lei regulamentou o conceito de patrimônio de afetação que dá segurança aos compradores que adquirem imóveis durante a fase de construção”, diz ele. O patrimônio de afetação consiste na adoção de um patrimônio próprio para cada empreendimento, separado das demais operações da incorporadora ou construtora. Com a nova regra, todas as dívidas, de natureza tributária, trabalhista e junto a instituições financeiras, ficam restritas ao empreendimento em construção, não tendo qualquer relação com outros compromissos e dívidas assumidos pela empresa.

Isso evita o que o mercado apelidou de “efeito bicicleta” ou “pedalada”: situação das empresas em dificuldade econômica que desviam recursos de um novo empreendimento para um anterior e assim sucessivamente. O exemplo não tão recente, mas ainda vivo para os cerca de 40 mil clientes prejudicados, é o da construtora Encol, cuja falência deixou mais de 700 empreendimentos imobiliários inacabados. A mesma lei cria também a figura do incontroverso: nas demandas judiciais os valores que não estão sendo questionados devem continuar a ser pagos. “Isso deu maior segurança aos agentes financeiros e possibilitou que o retorno das operações se constituisse em importante fonte de recursos para novas operações”, explica Gonçalves.

Mola para o crescimento econômico

Além do evidente crescimento do número de pessoas morando em casas próprias, o aquecimento do mercado imobiliário tem forte impacto no crescimento da economia. As estimativas do estudo da FGV apontam que esse incremento traria diretamente uma mudança de patamar do PIB brasileiro de 1%, equivalente a R$ 24,3 bilhões. O número de ocupados no país se elevaria em cerca de 9%, o que representaria a criação de mais de 740 mil novos postos de trabalhos. No próprio setor, os efeitos seriam mais expressivos: o PIB da construção teria um crescimento de 22 pontos percentuais e o nível de ocupação do setor cresceria 13%. Ainda segundo esse estudo, em razão do incremento de investimentos em edificações residenciais, os setores industriais mais beneficiados serão os de cimento, cujas vendas devem crescer mais de R$ 2 bilhões, vergalhões, com crescimento de R$ 1,4 bilhão, tintas e vernizes (R$ 1,3 bilhão) e tubos e conexões (R$ 1,2 bilhão).

Ciente desses efeitos o governo deu especial atenção ao setor da habitação e da construção civil na elaboração do PAC. A infra-estrutura social, onde estão os investimentos para habitação e saneamento, deve receber a segunda maior parcela dos recursos, R$ 171 bilhões, ou 34% do total. A área de habitação é contemplada com a maior parte desse valor: R$ 106,3 milhões. De acordo com o Sindicato da Construção Paulista, Sinduscon-SP, se for cumprido, o PAC poderá fazer o setor crescer 7%. Antes do anúncio das medidas a previsão era de 4,9% de crescimento para este ano. De acordo com o professor da FGV, Fernando Garcia, há um conjunto de medidas cujos objetivos são a expansão do crédito, a melhora das condições de financiamento de longo prazo e do ambiente para o investidor privado.

O lançamento da Brazilian Mortgages provavelmente já se beneficiou dessas medidas. Entre as ações mais importantes estão aquelas que ampliam o crédito para habitação e saneamento e reduzem o custo dos empréstimos para infra-estrutura. Um exemplo é o aporte de R$ 5,2 bilhões à Caixa Econômica Federal para elevar sua capacidade de empréstimos. Para Garcia, mesmo analisando o PAC do ponto de vista de que é fundamentalmente um programa que incentiva e aumenta os investimentos, é preciso notar que seu sucesso depende da superação de alguns desafios importantes: a negociação política com o Congresso Nacional e as dificuldades de gestão. “Há uma enorme diferença entre contratação e desembolso dos recursos públicos. Em algumas áreas como saneamento e rodovias os orçamentos não têm sido cumpridos, ou por problemas de contingenciamento ou por dificuldades na aprovação e implantação dos projetos”, lembra.

Quem se beneficia?

De acordo com a Fundação João Pinheiro cerca de 90% do déficit de 7,9 milhões de moradias se concentra entre famílias com renda de até três salários mínimos. “Foi importante no PAC o destaque para o segmento de habitação social. Esse segmento só tem condições de acesso ao crédito com ajuda de subsídios e o PAC prevê que esta faixa da população será atendida”, comenta Gonçalves da Abecip. “O mercado está ofertando crédito para atender todas as camadas da população. Com recursos captados em contas de poupança estão sendo atendidas as pessoas com renda superior a oito salários mínimos. Abaixo desse nível de renda, a chamada habitação de interesse social, as operações são feitas com recursos do FGTS”, diz. Segundo ele, em 2007 as contratações com recursos do FGTS devem chegar aos R$ 8 bilhões. Para a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, CBIC, a verba destinada pelo PAC para a construção de novas moradias populares é insuficiente. De acordo com Paulo Simão, presidente da entidade, o preço médio do financiamento para novas habitações de interesse social, praticado nos últimos quatro anos, foi de aproximadamente R$ 18 mil por unidade e a parte real de financiamento no PAC corresponde a R$ 37 bilhões. “Para cumprir a meta de quatro milhões de novas moradias seriam necessários R$ 35 bilhões a mais do que o valor alocado para o programa”, afirma.

Especulando com a casa própria

A maior oferta de imóveis no mercado aliada ao bom momento econômico no país pode levantar dúvidas sobre a probabilidade de o Brasil criar a chamada bolha imobiliária como aconteceu nos Estados Unidos. O crédito imobiliário é um dos pilares que sustenta o estilo de vida norte-americano, baseado no consumo e na facilidade de contrair dívidas a juros baixos, que não chegam a 2%. A compra de imóveis é feita via hipoteca. Nesse modelo a propriedade fica penhorada em favor do credor como garantia de pagamento de dívida. Caso o empréstimo não seja pago, juntamente com todas as taxas e juros que ele inclui, o mutuador pode ficar com o imóvel. Contaminados pela bolha especulativa, tanto pessoas físicas como grandes especuladores contraíram dívidas dando como garantia imóveis supervalorizados, esperando ganhar dinheiro com futuras vendas. Isso pode ser ilustrado pelo descompasso entre os preços de aluguel e de compra de uma casa.

Segundo estudo do Center for Economic and Policy Research, a valorização no preço dos imóveis gerou aumento artificial de US$ 2,6 milhões no patrimônio dos proprietários americanos. Nesses casos o imóvel residencial é transformado num tipo de ativo financeiro.

O imóvel, como o nome diz, é um ativo que conjuga segurança com rentabilidade menor, mas constante, aliada a uma liquidez relativa, já que sempre haverá compradores dispostos a adquirir o chamado bem de raiz, imóvel, que passa de geração para geração. Em março deste ano, as bolsas de valores de todo mundo foram sacudidas com notícias sobre o aumento da inadimplência no mercado imobiliário norte-americano. Depois de anos seguidos de valorização dos imóveis, a Associação de Bancos de Financiamento Imobiliário informou que o atraso nos pagamentos das hipotecas chegou a 4,95% no último trimestre de 2006.