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Reportagem
Ver para crer ou crer para ver? O que as ilusões de ótica dizem sobre nossa percepção
Por Maria Marta Avancini
10/11/2013
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É comum acreditar no que vemos, tomando nossa percepção visual como verdade. Mas até que ponto ela traduz o mundo como ele realmente é? Essa é a questão fundamental que envolve os estudos sobre as ilusões de ótica.

Tudo o que vemos, cheiramos, ouvimos, sentimos ou pensamos é resultado da atividade dos neurônios em nosso cérebro. As células nervosas reúnem as informações obtidas por meio dos sentidos, da atividade intelectual e da memória, criando uma grande simulação do mundo ao nosso redor. No entanto, nem sempre essa simulação corresponde à realidade tal como ela é mensurada e definida pelos instrumentos da ciência física. Quando isso ocorre – ou seja, quando a percepção deixa de corresponder à realidade – surge uma ilusão.

A ilusão de ótica exemplifica esse tipo de dissociação entre percepção e realidade; no caso, entre a percepção de uma figura e suas características físicas reais, tais como são definidas e medidas pela física. São situações que “enganam” o sistema visual, fazendo-nos ver coisas que não existem ou nos induzindo a vê-las de maneira errônea. E, quando enfocamos as ilusões, elas ganham especial importância, pois mais de 80% de nossa percepção do mundo é oriunda da visão, aponta a bióloga Elisa Suganuma, em sua dissertação de mestrado em ciências da saúde, defendida na Universidade de Brasília em 2011.

 

Compreendendo a visão

As imagens são formadas na retina e são essencialmente bidimensionais, correspondendo a padrões de formas claras ou escuras. Mas enxergamos objetos e percebemos o mundo tridimensionalmente. A visão final se dá por meio da percepção, a qual consiste numa interpretação das características dos objetos a partir de informações sensoriais captadas.

A retina captura ondas eletromagnéticas (fótons) dos objetos por meio dos fotorreceptores. Essa energia é convertida em impulsos elétricos e transmitida para o cérebro, onde as informações recebidas são interpretadas e comparadas com experiências anteriores. É assim que as imagens recebem um significado, uma interpretação, e é criada uma figura percebida conscientemente. Esse processo, descrito pela bióloga Suganuma, nem sempre equivale ao mundo real. Há aspectos que podem ser omitidos, acrescentados ou adulterados. Ou seja, a percepção está sujeita a erros e, quando isso ocorre, são formadas as ilusões, que podem ser de vários tipos.

Há ilusões de movimento, ilusões criadas pela relação entre tamanho e distância de objetos, ilusões que dão a impressão de terceira dimensão (a perspectiva é o exemplo clássico), ilusões de cor e as de contorno ilusório, entre outras. Muitas são pesquisadas há bastante tempo, pois ajudam a compreender o funcionamento dos neurônios e do cérebro. Apesar disso, não há uma compreensão integral, por parte dos cientistas, sobre as causas e os processos envolvidos na produção de algumas ilusões de ótica.

 

Estudando as ilusões

A ilusão de Müller-Lyer, criada pelo psiquiatra alemão Franz Müller-Lyer em 1889, foi estudada por Suganuma durante o mestrado – que investigou se macacos-prego têm esse tipo de ilusão – e tem sido objeto de pesquisas ao longo dos últimos 150 anos por psicólogos e fisiologistas. Perceba na figura, mostrada abaixo: os dois segmentos de reta têm o mesmo tamanho, mas, por causa da posição das setas (para fora ou para dentro), tem-se a impressão de que uma delas é maior do que a outra.

Existem dois tipos de respostas para tentar explicar esta ilusão, teorias cognitivas e teorias fisiológicas. As primeiras atribuem a ilusão à má aplicação dos conhecimentos e estratégias, enquanto as segundas defendem que as ilusões são consequência de perturbações nos canais de informação ou nas unidades funcionais que manipulam sinais no sistema visual. No entanto, nenhuma explica completamente como a ilusão ocorre.

Aquela que explica a ilusão pela via cognitiva recebeu suporte de estudos no campo da neurologia realizados na década passada, que demonstraram, por meio da análise de imagens por ressonância magnética, a ativação do córtex occipital lateral e o córtex parietal posterior na construção da percepção da ilusão. De acordo com essas pesquisas, as duas áreas interagem na produção da ilusão de ótica. A primeira seria ativada por meio do reflexo do processamento de integração da figura, o que resulta do agrupamento dos segmentos de reta que a compõem. Essa região do córtex occipital lateral também pode estar envolvida na formação da representação do comprimento dos estímulos (as retas). Já o córtex parietal posterior seria ativado pelo processamento da representação espacial desses estímulos. A limitação dessa abordagem, porém, é não explicar como pessoas cegas ou com baixa visão são suscetíveis à ilusão de Müller-Lyer em testes táteis.

A explicação fisiológica, por sua vez, atribui a percepção de que uma reta é maior do que a outra ao fato de que as setas atrairiam o olho para além da reta, dando a impressão de que uma é maior e a outra é menor.

A imagem a seguir é uma ilusão de movimento conhecida por “cobras rotativas”, criada por Akiyoshi Kitaoka, professor de psicologia da Universidade de Ritsumeikan, no Japão.

Quando olhamos para a imagem, temos a impressão que estão girando. No entanto, o que se mexe são nossos olhos. Uma pesquisa realizada por Jorge Otero-Millan, Stephen Macknik e Susana Martinez-Conde, publicada no Journal of Neuroscience , demonstrou que essa ilusão ocorre por causa de movimentos minúsculos do olho e piscadas que criam a impressão de que as formas geométricas “dançam”.

Estudos anteriores haviam indicado que esse tipo de ilusão era consequência de movimentos lentos dos olhos. No entanto, um novo estudo, realizado com oito voluntários, contraria essa conclusão ao demonstrar que movimentos rápidos e, por vezes, microscópicos, geram a percepção de movimento. Os voluntários tinham de levantar um botão quando as formas pareciam se mover e apertá-lo quando elas pareciam estar paradas. Pouco antes da percepção de movimento, eles piscavam e os olhos se movimentavam.

Em outras palavras, as teorias cognitivas e fisiológicas não se apresentam como totalmente satisfatórias para explicar as ilusões de ótica, o que leva à conclusão de que essas envolvem a combinação de vários mecanismos, ainda não totalmente explicados, aponta a bióloga Suganuma .

 

Para além dos humanos

As ilusões de ótica não ocorrem apenas em humanos. Várias pesquisas realizadas com macacos, gatos e pombos, por exemplo, sugerem que esses animais estão suscetíveis ao fenômeno. Um estudo realizado por David Miller e publicado no livro The wisdom of the eye, sobre as respostas de pombos à ilusão de Müller-Lyer demonstra isso.

As aves receberam treinamento para escolher uma reta com comprimento constante (7mm) por meio de estímulos transmitidos por um retroprojetor. Após um treinamento – em que os animais eram gratificados ao responderem ao segmento de reta de 7mm – os pombos só responderam ao segmento desse tamanho. Houve um pico de respostas semelhantes quando foram apresentados a segmentos de reta com setas para fora. Já a resposta às retas com setas para dentro foi diferente: não houve um pico de resposta. Aumentando crescentemente até o valor de 13mm, os pesquisadores concluíram que a reta de 13mm com as setas voltadas para dentro era percebida pelas aves como sendo do mesmo comprimento da reta de 7mm.

Suganuma , que estudou a reação de macacos-prego à ilusão de Müller-Lyer, demonstrou que esses animais também são suscetíveis ao fenômeno. Em seu estudo, eles foram treinados para escolher um segmento de reta maior, independentemente da orientação das setas. Nos testes, os animais escolheram aqueles com as setas para fora – o que evidencia sua suscetibilidade à ilusão de ótica.

 

Desvendando as ilusões

Estudar como os animais reagem frente às ilusões de ótica tem como finalidade ajudar os cientistas a descobrirem como funciona o cérebro humano. No estudo da reação dos pombos à ilusão de ótica, o pesquisador defendeu que haveria uma possível aplicação para a sobrevivência dos animais. Dependendo da orientação, o segmento de reta pode induzir ao medo – a reta com as setas para fora pode ser confundida com um animal grande, ameaçador; a configuração para dentro, com um animal pequeno, encolhido. Por isso, os animais dariam preferência à reta com as setas para dentro. Desse modo, as ilusões de ótica podem ter desempenhado um papel na evolução das espécies, ao ajudar os animais a identificar presas e predadores.

Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, publicado em setembro na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, da Academia de Ciências dos Estados Unidos, demonstrou que um grupo de neurônios da região do córtex visual (localizado na parte de trás do cérebro), conhecida como V4, fica mais ativo diante de uma ilusão de ótica. O estudo, coordenado por Alexander Maier, professor de psicologia na Universidade de Vanderbilt, foi realizado com macacos e utilizou o quadrado de Kaniza (imagem abaixo).

Quando defrontados com a imagem, os pesquisadores observaram maior atividade desse grupo de neurônios; quando os animais se viam diante de uma imagem com os cortes dos círculos voltados para fora, a atividade neuronal era normal. Segundo Maier, o efeito causado pela imagem no cérebro é semelhante ao de uma alucinação, num processo em que o órgão atua como um detetive em função das pistas identificadas, mas chega a uma conclusão errada.