Não
épropriamente algo que se comemore, mas há vinte
e cinco anos
um clínico, em Los Angeles, percebeu que estava na
presença
de nova doença; quase que imediatamente outros
médicos
em Nova York confirmaram que se tratava de algo não descrito
ainda e, a partir daí, foi sendo claramente delineado o que
conhecemos hoje como infecção pelo
vírus HIV, na
verdade dois vírus (HIV – 1 e HIV – 2),
da
imunodeficiência humana que na fase mais adiantada leva
à
Aids. Curioso comentar que nesta época onde a
ciência
básica é tão produtiva quem descobriu
a Aids
foram cientistas clínicos. Nós nunca acreditamos
muito
na dicotomia que se põe entre ciência
básica e
aplicada: ciência é uma só, a
capacidade de fazer
perguntas e utilizar o método científico para
respondê-las.
Durante
esses
vinte e cinco anos aprendemos muito sobre o funcionamento do nosso
sistema imune, o alvo primordial do vírus HIV –
provavelmente muito mais do que poderíamos se não
tivéssemos que lidar com esta peste. O vírus foi
com
brevidade identificado: da definição da
doença,
em 1981, até as publicações
confirmatórias,
em 1984, decorreram apenas três anos. O teste para saber se
alguém está infectado por ele é do
mesmo ano e,
inclusive nos países em desenvolvimento, como o nosso,
já
estava disponível quando terminava 1985, ficando
obrigatório
para triagem de doadores de sangue logo a seguir (1986), no
território nacional. Em muito poucos eventos o progresso
aconteceu, rapidamente: se essa doença fosse disseminada no
século XIX ou na primeira metade do século XX
seria um
desastre bastante maior, já que naquele tempo não
dispúnhamos das ferramentas científicas que
felizmente
temos atualmente.
Contudo,
todo
esse conhecimento não se refletiu bem no controle da
epidemia.
Sim, foram desenvolvidos muito medicamentos eficientes que permitem
que pessoas acometidas tenham vida produtiva e de boa qualidade,
desde que contem com atenção médica
apropriada.
Existem
pelo
menos quatro grupos de fármacos usados nesse tratamento: os
inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa, os
inibidores não nucleosídeos da mesma enzima, os
inibidores da protease viral e os inibidores de fusão.
Aguardamos o desenvolvimento clínico dos inibidores da
integrase. Nenhum tipo de remédio, no entanto, erradica o
vírus: eles dificultam a proliferação,
provavelmente de maneira duradoura desde que haja aderência
à
prescrição. A resistência é
provocada por
tratamentos interrompidos e irregulares. A idéia de fazer
feriados de medicamentos não se mostrou efetiva e,
seguramente, só deve ser levada avante em contexto de
pesquisa, não como rotina.
E a
vacina? Aqui
é mais complicado. A enfermidade é parcialmente
influenciada pelo nosso sistema imune: é isto que explica o
fato de que a Aids–doença só aparece,
habitualmente,
cinco a dez anos depois da contaminação. O
problema é
que esse sistema perde-se com o tempo. Vacinas são
excelentes
quando a infecção natural imuniza – foi
assim que
Edward Jenner percebeu a capacidade da vacina da varíola. Se
a
infecção natural não imuniza,
é
complicado desenvolver vacina. As mais recentes tentativas querem
fazer, não uma vacina que evite a
contaminação,
mas sim uma que mantenha a supressão viral, que é
possível por maior tempo.
As
profecias
apocalípticas que alguns fizeram quanto à
doença
proliferar de maneira incontrolada no mundo não se
cumpriram.
A doença é controlável com
educação
e mudança de comportamento, e isto é
até
possível em países pobres, como Uganda e Senegal,
dois
dos raros sucessos nesse aspecto na África. Em
compensação,
a doença está expandindo-se de maneira alarmente
na
Ásia, a partir de Mianmar, uma ditadura obtusa e cleptocrata
de dar inveja aos antigos ditadores da América Latina. O
Brasil orgulha-se, justamente, de ter desenvolvido
ações
lógicas e integradas contra a Aids, sendo que nosso programa
de saúde pública relacionado com tal problema
é
realmente muito bom. Caro, mas custo/efetivo: é melhor
gastar
nele do que tratando as complicações da
doença.
Poderíamos
ser mais efetivos na educação, mas mudar
comportamento
é muito difícil – e acreditamos que
conseguimos
progressos nessa área.
Que
é que
se pode esperar no futuro? Provavelmente vai haver
adaptação
e a longo prazo do homem ao HIV: genes dão
proteção
contra essa infecção e é
viável imaginar
que aconteça na espécie humana,
gerações e
gerações sucessivas, o que ocorreu no hospedeiro
natural, o chimpanzé, onde o HIV dá pouca
morbidade.
Esperemos que muito antes disto descubra-se algum tipo de tratamento
que erradique o vírus ou uma vacina que proteja contra ele.
No
momento o que precisa ser feito é executar, nos
países
afetados, programas como o que o Brasil desenvolveu. Com
financiamento internacional isto é cabível, desde
que
os países ricos de fato contribuam para o fundo de Aids,
tuberculose e malária da Organização
das Nações
Unidas.
Vicente Amato
Neto é médico infectologista, professor
emérito
da Faculdade de Medicina da USP e Jacyr
Pasternak, médico infectologista, é doutor em
medicina
pela Unicamp.
Este artigo
foi publicado originalmente em 01/12/2005, no jornal Folha de S. Paulo.
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