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Artigo
Os vinte e cinco anos da Aids
Por Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternack
10/05/2006

Não épropriamente algo que se comemore, mas há vinte e cinco anos um clínico, em Los Angeles, percebeu que estava na presença de nova doença; quase que imediatamente outros médicos em Nova York confirmaram que se tratava de algo não descrito ainda e, a partir daí, foi sendo claramente delineado o que conhecemos hoje como infecção pelo vírus HIV, na verdade dois vírus (HIV – 1 e HIV – 2), da imunodeficiência humana que na fase mais adiantada leva à Aids. Curioso comentar que nesta época onde a ciência básica é tão produtiva quem descobriu a Aids foram cientistas clínicos. Nós nunca acreditamos muito na dicotomia que se põe entre ciência básica e aplicada: ciência é uma só, a capacidade de fazer perguntas e utilizar o método científico para respondê-las.

Durante esses vinte e cinco anos aprendemos muito sobre o funcionamento do nosso sistema imune, o alvo primordial do vírus HIV – provavelmente muito mais do que poderíamos se não tivéssemos que lidar com esta peste. O vírus foi com brevidade identificado: da definição da doença, em 1981, até as publicações confirmatórias, em 1984, decorreram apenas três anos. O teste para saber se alguém está infectado por ele é do mesmo ano e, inclusive nos países em desenvolvimento, como o nosso, já estava disponível quando terminava 1985, ficando obrigatório para triagem de doadores de sangue logo a seguir (1986), no território nacional. Em muito poucos eventos o progresso aconteceu, rapidamente: se essa doença fosse disseminada no século XIX ou na primeira metade do século XX seria um desastre bastante maior, já que naquele tempo não dispúnhamos das ferramentas científicas que felizmente temos atualmente.

Contudo, todo esse conhecimento não se refletiu bem no controle da epidemia. Sim, foram desenvolvidos muito medicamentos eficientes que permitem que pessoas acometidas tenham vida produtiva e de boa qualidade, desde que contem com atenção médica apropriada.

Existem pelo menos quatro grupos de fármacos usados nesse tratamento: os inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa, os inibidores não nucleosídeos da mesma enzima, os inibidores da protease viral e os inibidores de fusão. Aguardamos o desenvolvimento clínico dos inibidores da integrase. Nenhum tipo de remédio, no entanto, erradica o vírus: eles dificultam a proliferação, provavelmente de maneira duradoura desde que haja aderência à prescrição. A resistência é provocada por tratamentos interrompidos e irregulares. A idéia de fazer feriados de medicamentos não se mostrou efetiva e, seguramente, só deve ser levada avante em contexto de pesquisa, não como rotina.

E a vacina? Aqui é mais complicado. A enfermidade é parcialmente influenciada pelo nosso sistema imune: é isto que explica o fato de que a Aids–doença só aparece, habitualmente, cinco a dez anos depois da contaminação. O problema é que esse sistema perde-se com o tempo. Vacinas são excelentes quando a infecção natural imuniza – foi assim que Edward Jenner percebeu a capacidade da vacina da varíola. Se a infecção natural não imuniza, é complicado desenvolver vacina. As mais recentes tentativas querem fazer, não uma vacina que evite a contaminação, mas sim uma que mantenha a supressão viral, que é possível por maior tempo.

As profecias apocalípticas que alguns fizeram quanto à doença proliferar de maneira incontrolada no mundo não se cumpriram. A doença é controlável com educação e mudança de comportamento, e isto é até possível em países pobres, como Uganda e Senegal, dois dos raros sucessos nesse aspecto na África. Em compensação, a doença está expandindo-se de maneira alarmente na Ásia, a partir de Mianmar, uma ditadura obtusa e cleptocrata de dar inveja aos antigos ditadores da América Latina. O Brasil orgulha-se, justamente, de ter desenvolvido ações lógicas e integradas contra a Aids, sendo que nosso programa de saúde pública relacionado com tal problema é realmente muito bom. Caro, mas custo/efetivo: é melhor gastar nele do que tratando as complicações da doença.

Poderíamos ser mais efetivos na educação, mas mudar comportamento é muito difícil – e acreditamos que conseguimos progressos nessa área.

Que é que se pode esperar no futuro? Provavelmente vai haver adaptação e a longo prazo do homem ao HIV: genes dão proteção contra essa infecção e é viável imaginar que aconteça na espécie humana, gerações e gerações sucessivas, o que ocorreu no hospedeiro natural, o chimpanzé, onde o HIV dá pouca morbidade. Esperemos que muito antes disto descubra-se algum tipo de tratamento que erradique o vírus ou uma vacina que proteja contra ele. No momento o que precisa ser feito é executar, nos países afetados, programas como o que o Brasil desenvolveu. Com financiamento internacional isto é cabível, desde que os países ricos de fato contribuam para o fundo de Aids, tuberculose e malária da Organização das Nações Unidas.


Vicente Amato Neto é médico infectologista, professor emérito da Faculdade de Medicina da USP e Jacyr Pasternak, médico infectologista, é doutor em medicina pela Unicamp.


Este artigo foi publicado originalmente em 01/12/2005, no jornal Folha de S. Paulo.