Algumas
aranhas desenvolvem mecanismos para localizar suas presas. Formigas
deixam rastros químicos por onde passam. As colméias têm uma única
fêmea alimentada por milhares de abelhas operárias. O homem age
racionalmente. Essas frases indicam alguns tipos de comportamento que,
por definição, é o conjunto de ações que o animal realiza ou deixa de
realizar. Ao longo da história, o homem tem tentado compreender o
comportamento dos animais com o objetivo de entender seu próprio modo
de agir.
Uma
das primeiras linhas de estudo sobre o comportamento animal foi o
behaviorismo, que se originou com Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936), na
Rússia, e com John Broadus Watson (1878-1958), nos Estados Unidos.
Watson é considerado o "pai" do behaviorismo, tendo publicado em 1913
um artigo ("Psychology as the behaviorist views it") que é tido como
o “manifesto behaviorista”. Nesse texto, Watson enfatizava que o objeto
de estudo da psicologia seria o "comportamento" e não mais a "mente", e
propunha que esta fosse uma ciência empírica, capaz de formular
generalizações amplas sobre o comportamento humano, com experimentos
passíveis de réplica em qualquer laboratório. Inicialmente bem recebido
pela comunidade acadêmica, Watson foi aos poucos perdendo
credibilidade, pois deixava de lado o estudo da subjetividade.
Outro
importante nome dentro dessa corrente de estudo do comportamento é o de
Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). Foi ele quem sugeriu a divisão
entre "behaviorismo metodológico" (nas bases de Watson, ignorando
fenômenos como a consciência, os sentimentos e os estados mentais) e o
"behaviorismo radical", proposto pelo próprio Skinner e caracterizado
pela ênfase no comportamento como interação entre o sujeito e o
ambiente. Na opinião de Sergio Dias Cirino, professor de psicologia da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e de seu aluno Rodrigo
Miranda, há muita confusão entre essas duas vertentes, sendo que grande
parte das críticas feitas ao behaviorismo radical se refere, na
verdade, ao aspecto metodológico. “Atualmente o behaviorismo radical é
bastante respeitado, principalmente, pela eficácia dos tratamentos
terapêuticos baseados nele”, afirmam.
Cirino
explica que, nos dias de hoje, o behaviorismo está passando por uma
mudança de ênfase em seus estudos. “Até as últimas décadas do século
XX, enfatizava a pesquisa experimental em laboratórios. Mais
recentemente, estudos interpretativos sobre o comportamento verbal têm
sido levados a cabo e mudado o cenário da produção científica
behaviorista. Estudos comparativos entre as propostas de Skinner e de
outros teóricos para o estudo da linguagem têm se apresentado como
promissores”, diz. Para os pesquisadores da UFMG, um dos maiores
conflitos do behaviorismo foi com o lingüista Noam Chomsky e suas concepções acerca da aquisição e produção da linguagem. “Chomsky fez duras críticas ao livro Comportamento verbal,
de Skinner (1957). Para Chomsky, a linguagem é considerada inata no
sujeito e para Skinner é um comportamento aprendido nas múltiplas
interações do sujeito com a comunidade dos falantes”.
Os
temas behavioristas continuam sendo ensinados como parte da psicologia
experimental na maioria dos cursos de graduação em psicologia no
Brasil, e também vêm sendo incorporados como ferramenta de análise
complementar nas áreas de administração de empresas, letras, economia,
meio ambiente, sociologia, educação, entre outros. O debate com a
linguagem permanece como o mais relevante dentro dessa linha.
Embora
o behaviorismo tenha nascido e se desenvolvido na área de estudos
psicológicos com animais, os últimos artigos de Skinner mostram que ele
levava em consideração uma seleção evolutiva do comportamento. Isso
enfraquece uma dicotomia simplista geralmente observada quando se
contrapõe o behaviorismo à etologia, disciplina que estuda o
comportamento animal numa perspectiva biológica.
Pode-se considerar que a etologia tenha surgido com Charles Darwin (1809-1882), especialmente com o capítulo ‘Instinto’ de A origem das espécies
(1859), no qual Darwin já indicava as principais estratégias de
observação e interpretação do comportamento animal, sob a ótica
evolucionista. Oficialmente, contudo, a etologia foi fundada pelo
alemão Karl von Frisch (1886-1982), o austríaco Konrad Lorenz
(1903-1989) e o holandês Nikolaas Tinbergen (1907-1988) que, em 1973,
ganharam o Prêmio Nobel de Medicina, por suas descobertas sobre a
organização de padrões de comportamento individuais e sociais.
“A
contribuição de Lorenz foi mais teórica, pois ele forneceu um esquema
de conceitos básicos para explicar o comportamento instintivo e
aprendido dos animais. Já Tinbergen mostrou que era possível fazer
trabalhos de campo, na natureza, sobre o comportamento animal”, afirma
o psicólogo César Ades, professor da Universidade de São Paulo (USP) e
membro Comitê Internacional de etólogos. Ele explica que a etologia
foi, de um lado, bem acolhida por ressaltar a importância dos
comportamentos instintivos, a determinação genética do comportamento e
sua adaptação ecológica. De outro, recebeu críticas fortes, sobretudo
as de Daniel Sanford Lehrman (1919-1972), por exagerar na ênfase sobre
o instintivo, não levando suficientemente em conta os determinantes aprendidos do comportamento.
“O
debate instintivo/aprendido permanece até hoje, mas acredito que houve
um progresso enorme: hoje em dia, nenhum psicólogo negaria o papel das
tendências herdadas e da origem evolutiva do comportamento e nenhum
biólogo negaria que o comportamento decorre em parte da influência de
fatores ambientais e da aprendizagem”, analisa Ades.
Para
ele, os principais conflitos com a etologia se dão nas interfaces com
as ciências sociais (com linhas da antropologia que rejeitam a
comparação com animais e o pensamento biológico no caso humano) e
também com certas tendências da psicologia. No interior da área, as
divergências são poucas: “não surgem polêmicas sobre a importância de
estudos de campo, de laboratório, estudos aplicados ou teóricos”,
afirma Ades. Hoje, a etologia está inserida nos cursos de biologia,
medicina veterinária, zootecnia e psicologia, indicando sua natureza
multidisciplinar.
O
pensamento etológico inspirou o surgimento de outras vertentes de
estudo hoje independentes, como a sociobiologia. Seu principal
representante, o biólogo norte-americano Edward O. Wilson (1929- ),
propunha uma síntese entre biologia e sociologia, antes estudadas
separadamente. A publicação de seu livro sociobiologia: a nova síntese,
em 1975, suscitou grande controvérsia porque o autor assume que tanto
homens quanto animais, vivendo em grupo, apresentam comportamentos
comuns. Segundo a bióloga e antropóloga Gláucia Oliveira da Silva (ver artigo nesta edição),
os sociobiólogos partem do princípio de que o modo de vida gregário é
vantajoso para a adaptação dos seres ao meio ambiente. “Eles acreditam
que cada indivíduo aja dentro de sua sociedade de forma a aumentar suas
chances de sobrevivência e reprodução, bem como a de seus parentes mais
próximos”, diz ela no livro O que é sociobiologia, de 1993.
Elementos da sociobiologia
Instituições como casamento, guerra e religião são vistos pela
sociobiologia como produto de um condicionamento genético ou como parte
de um processo adaptativo de certa população. Silva cita o exemplo
usado pelos sociobiólogos que compara costumes da Índia pré-colonial e
algumas espécies de aves e mamíferos: a prática feminina do casamento
com homens das camadas mais ricas (hipergamia); infanticídio feminino
nas castas mais altas; o fato dos machos grandes e maiores acasalarem
com mais freqüência do que os menores e mais fracos. Para Eduardo
Ottoni, do Departamento de Psicologia Experimental da USP, a
sociobiologia é uma decorrência da aplicação do pensamento
neodarwinista ao estudo do comportamento social. “O principal problema
está na ênfase total nos genes como unidades de seleção, e não nos
indivíduos, o que pode sugerir certo determinismo genético”, diz ele.
Um dos sociobiólogos que sofreu críticas na linha do determinismo genético foi Richard Dawkins, autor do livro O gene egoísta.
Para Dawkins, a capacidade que os animais têm de fazer avaliações como
a disputa por comida ou território é determinada geneticamente. As
escolhas feitas no processo de acasalamento, por exemplo, não são
conscientes, elas seguem ordens dadas pelo código genético do animal,
código que foi construído ao longo do processo da seleção natural.
Para
além das críticas que acusam os sociobiólogos de desumanizar o
comportamento humano, um dos méritos desta abordagem foi questionar,
por exemplo, o antropocentrismo vigente nas ciências sociais e afirmar
que o homem também é regido por leis biológicas. De acordo com Ottoni,
a sociobiologia também produziu ramificações teóricas que buscam
entender o comportamento e a cognição numa perspectiva evolucionista,
entre elas a ecologia comportamental e a psicologia evolucionista.
Um
besouro não tóxico imita outro besouro impalatável (tóxico ou com gosto
ruim) e esta semelhança em morfologia, coloração e comportamento
aumenta as chances de sobrevivência do mímico ao confundir seus
possíveis predadores. O trecho descrito poderia ser o resultado de um
estudo de ecologia comportamental. Enquanto o behaviorismo lida com
questões causais e mecanicistas de um comportamento, a ecologia
comportamental busca os porquês, a história evolutiva e o significado
adaptativo do comportamentos dos animais. Surgida na década de 70, essa
abordagem usa testes de campo ou manipulação experimental para entender
como determinado comportamento aumenta as chances de um indivíduo
sobreviver e deixar descendentes. Num outro exemplo, uma certa espécie
de formigas constrói ninhos em árvores usando um fio de seda produzida
pelas larvas da colônia. Essas formigas tecelãs fazem, além do ninho
principal, ninhos satélites na mesma planta ou em plantas próximas.
“Este comportamento aumenta as chances de sobrevivência do patrimônio
genético. Se a colônia ficasse concentrada num só ninho, ela poderia
ser totalmente extinta por inimigos naturais das formigas”, explica
Kléber Del-Claro, biólogo da Universidade Federal de Uberlândia e autor
de um estudo sobre formigas tecelãs no cerrado brasileiro.
Já
a psicologia evolucionista busca entender as capacidades cognitivas
humanas da mesma maneira que entendemos a evolução de características
anatômicas ou fisiológicas. O termo foi introduzido por Leda Cosmides e
John Tooby em 1992. Segundo o pesquisador da USP Eduardo Ottoni, um
conceito fundamental desta recente linha de pesquisa é o do “ambiente
de adaptação evolutiva” da espécie. “Os humanos não evoluíram num
ambiente igual ao que vivemos hoje. Tudo o que aconteceu depois do
período neolítico (os últimos 10 mil anos) é muito recente em termos
evolutivos para deixar marcas profundas na nossa natureza”, esclarece
Ottoni. Segundo ele, esta “natureza humana” teria sido forjada no
contexto dos grupos de caçadores-coletores, num tipo de vida semelhante
ao de grupos remanescentes como os índios yanomami.
A
agressividade humana é um dos temas estudados por psicólogos
evolucionistas. Ottoni conta que estes psicólogos mostram, por exemplo,
que o homicídio é, via de regra, uma prática de homens jovens, que
assassino e vítima em geral se conhecem, que o homicídio de mulheres é
um subproduto da violência doméstica, usada, por sua vez, como uma
forma de controle. Para chegar a essas conclusões, pesquisadores como
os canadenses Martin Daly e Margo Wilson, que recentemente realizaram
palestras no Brasil, lançam mão de dados demográficos para testar
hipóteses evolucionistas.
A
visão evolucionista se debruçou também sobre a questão da diferença
entre os sexos e as conseqüências disso na escolha dos parceiros.
Homens e mulheres adotariam diferentes estratégias reprodutivas: os
primeiros tentando sempre aumentar o número de parceiras sexuais com
objetivo de aumentar as chances de seu sucesso reprodutivo; as mulheres
adotando, por sua vez, uma postura mais seletiva, com investimento mais
qualitativo. “A partir daí, é previsível que homens sejam menos fiéis
que mulheres, e que cada gênero selecione seus parceiros segundo
critérios diferentes”, sintetiza Ottoni. “Os estudos da área mostram
padrões que independem da época ou cultura: homens escolhendo parceiras
mais jovens e saudáveis, mulheres preferindo os melhores provedores”,
completa.
As
críticas à psicologia evolucionista vêm principalmente de teóricos
culturalistas. Conforme explica Ottoni, para eles nossa cognição é
modelada pelo contexto cultural em tal medida que as determinações
biológicas se tornam irrelevantes. Como a cultura é quase
ilimitadamente plástica, ilimitadas seriam também as nossas formas de
pensar e agir sobre o mundo. “Eu diria que o modelo mais equilibrado
sobre estas relações é oferecido pelos autores que defendem a idéia de
coevolução genético-cultural, que tem uma visão dos dois sistemas de
transmissão de informação como interdependentes”, afirma.
A
despeito das concordâncias ou das discrepâncias históricas ligadas ao
estudo do comportamento, as condutas sociais das espécies continuarão
despertando o interesse dos teóricos. Afinal, assim como os homens, os
chimpanzés têm capacidade de simbolização, demonstrando com isso,
possuir uma 'cultura rudimentar' que inclui uso de ferramentas,
invenção e transmissão de técnicas. Formigas demonstram cuidados com a
prole, têm creches e utilizam calendários. Para ficar só em dois
exemplos.
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