10/12/2016
Um inusitado
projeto pediu para que
pessoas do mundo todo enviassem vídeos em que contassem sua vida em um dia,
mais especificamente dia 24 de julho de 2010. O retorno a esse apelo veio na
forma de nada menos que 4500 horas de imagens registradas por pessoas de
mais de 190 nacionalidades. Trata-se
de Life in a day, documentário
produzido a partir da parceria entre a plataforma de compartilhamento de vídeos YouTube, o
diretor Kevin Macdonald (de “O último rei
da Escócia”), e os produtores Ridley e Tony Scott.
Pensado a
partir de uma ideia simples – “conte-nos um dia de sua vida e faça parte de nosso filme”, Life in a day é também um filme simples,
mas que é capaz de levantar algumas reflexões. A começar pela escolha aleatória
da data. A proposta do filme e a pontuação de uma data a esmo nos leva a
refletir sobre a nossa vida nessa data, sobre o que fizemos nesse dia. Na grande
maioria dos casos, possivelmente chegaremos à conclusão de que este foi um dia absolutamente normal.
Porém, se pararmos para pensar mais profundamente, para muitas outras pessoas
em várias partes do mundo, essa data pode ter sido uma ocasião especial, cada
uma à sua forma – desde a renovação de votos de casamento até a “simples”
sobrevivência a mais um dia em condições humanitárias e emocionalmente
difíceis. Isso nos leva a refletir sobre a forma na qual devemos encarar a vida
todos os dias: inertes e monótonos ou agradecidos pela existência a cada volta
da Terra em torno de si?
Editado em ordem cronológica, do início ao fim do dia
24, Life in a day mostra pessoas
acordando, escovando os dentes, tomando café da manhã, saindo de casa para o
trabalho, fazendo o almoço etc., conseguindo captar o que de mais forte há na
vida das pessoas: o cotidiano. Fazendo, assim, com que nos identifiquemos com
ao menos algumas das situações, nos aproximando das emoções transmitidas. Por
ser tão simples e não contar com uma história, à primeira vista o filme pode
parecer apenas um compilado de vídeos do YouTube, intercalados com trailers de
bons dramas que jamais chegaremos a ver. São cenas simples do cotidiano
intercaladas com passagens que se sobressaem (como a do jovem que anuncia sua
homossexualidade pelo telefone para a sua avó, ou a cena que se passa em um lar
desorganizado e mostra o hábito de um pai viúvo e seu o filho pequeno de saudar
a imagem da falecida esposa/mãe às manhãs), e personagens que são retomados em mais
de um momento, como Okhwan Yoon, coreano que já passou por mais de 190 países
em sua grande viagem pelo mundo a bordo de sua bicicleta.
Essa aparência à primeira vista vai caindo por terra à
medida que montagem, edição e trilha sonora se juntam para transmitir o ritmo
da evolução natural do dia, mais lento durante as primeiras horas do dia ou
após o almoço, por exemplo. Além disso, durante o desenvolvimento do filme,
algumas curtas e interessantes antologias, como os trechos dedicados a
nascimentos ou às respostas para as perguntas propostas pelos produtores (O que
você ama? Do que tem medo? O que tem nos bolsos?), são mostradas e impedem que
o espectador encare o filme como um mero compilado aleatório de vídeos.
A montagem bem-feita de Joe Walker merece aplausos em
determinados instantes, como a parte em que brincadeiras de soldados
norte-americanos em atividade são seguidas por registros de um homem afegão
empenhado em desmistificar a fama negativa de seu país; imagens essas que, por
sua vez, são alternadas com a preparação de uma mulher para uma
videoconferência com o marido, um soldado em atividade e distante devido à
guerra. Essa bem-sucedida montagem passa uma das mensagens do filme: mesmo em
diferentes culturas e costumes, somos humanos e podemos partilhar de um mesmo
contexto, somos todos pessoas diferentes, mas unidos pela humanidade. Em sua
primeira aparição, o ciclista coreano contribui também para a transmissão dessa
mensagem, ao se apresentar dizendo que nasceu na Coreia, não importa se na do
Sul ou na do Norte, e que está viajando o mundo descobrindo novas culturas e
engrandecendo a si mesmo enquanto pessoa.
O filme recebeu diversas críticas. Uma delas é a
construção de um filme homogêneo, que pouco explora a heterogeneidade de um material tão vasto e a
diversidade de enfoques que poderiam ter sido dados para o efeito que as
grandes questões da vida possam, de fato, ter sobre diferentes culturas. Para
muitos, essas críticas se somam ao acabamento impecável e polido, que
descaracteriza um pouco o amadorismo da proposta, resultando em um filme
profissional com estética amadorística forjada, que mais se assemelha a um grande
comercial da raça humana.
A partir
dessas críticas e retomando as reflexões iniciais levantadas, fica claro que o
diretor, em vez de tentar apresentar e questionar as diferenças que dividem a
humanidade, escolheu o caminho mais palatável: fazer uma obra que exalta os
sentimentos mais belos, harmonizando pessoas, raças, etnias, e credos
distintos, para mostrar que, antes de qualquer coisa, somos humanos em busca de
uma vida digna e nada mais forte que o nosso dia a dia para tentar reproduzir o
que somos. Após nos depararmos com cenas que despertam tipos diferentes de
emoções, temos como desfecho uma declaração emocionada que traduz Life in a day na epifania de que, na
maioria das vezes, nada de
especial precisa acontecer para fazer com que um determinado dia valha a
pena, pois viver é conseguir ver a beleza nas pequenas coisas e nos pequenos
momentos do cotidiano.
Título
Original: Life in a day
Ano de
Produção: 2011
Duração: 95min
Direção:
Kevin Macdonald
Disponível em: https://youtu.be/JaFVr_cJJIY
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