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Reportagem
É tempo de ganhar dinheiro
Por André Gardini
10/08/2006
Um evento como a Copa do Mundo é uma grande oportunidade para as empresas garantirem bons negócios. Aliar algum produto a um esporte tão tradicional, como o futebol, é uma estratégia usada pelas maiores corporações do mundo. Estima-se que 32 milhões de telespectadores assistiram à Copa da Alemanha pela televisão, configurando um ótimo canal de estímulo ao consumo. O clima de festa é responsável pelo aquecimento de diversos setores da economia como confecção, brinquedos, turismo, eletrodomésticos, construção civil e bebidas. Nesse cenário, o futebol deixa de ser somente lazer e se torna um negócio, em que tem grande peso os interesses das empresas.

O mundial de futebol na Alemanha foi o evento esportivo mais lucrativo da história das copas. Calcula-se que a FIFA arrecadou US$ 2,5 bilhões com patrocínios, produtos de merchandising e ingressos. Desse total, US$ 1,7 bilhão vieram da venda de direitos de transmissão à TVs. Esse valor é 25% maior que o pago em direitos de transmissão na última copa, no Japão, que já tinha sido o maior da história. Nesse quadro de investimentos, a Europa desembolsou 65% do valor, cerca de US$ 1,1 bilhão. Em seguida está a América do Sul e a Ásia. A Rede Globo, por exemplo, pagou US$ 450 milhões pelo direito de transmissão exclusiva das copas de 2002 e 2006 para o Brasil.

Marcelo Weishaupt Proni, pesquisador do Instituto de Economia da Unicamp, autor do livro A metamorfose do futebol (Campinas, SP. Unicamp 2000) discorre sobre os aspectos que envolvem esse evento e fazem do futebol um espetáculo, que ele chama de “futebol-empresa”. “Procuro entender a Copa do Mundo como um evento marcante no avanço da complexidade da transformação do futebol como um grande negócio”. Proni alerta que o futebol-empresa faz parte de um mercado muito específico, praticamente fechado. “A Fifa controla e estabelece as regras do jogo que se estrutura a partir da competição esportiva. Um mercado cuja capitalização e rentabilidade é regulamentada pela própria Fifa”, afirma.

Com esse poder de controlar as transações financeiras bilionárias, as grandes corporações transnacionais não perdem tempo e tornam-se sócias da Fifa.

Para o período de 2007 a 2014, a Fifa já estabeleceu seus parceiros comerciais e a garantia de que nos próximos eventos esportivos terá o lucro garantido. Esse período inclui a Copa Mundial Feminina sub-20 da Fifa, a Copa Mundial de Beach Soccer, a Copa Mundial de Clubes da Fifa, a Copa das Confederações (2009 e 2013) e as duas próximas Copas do Mundo, em 2010 na África do Sul e 2014 na América do Sul.

África 2010. Lucros? Com certeza!

Faltando quase quatro anos para a Copa da África, alguns contratos milionários já estão garantidos. A informação disponível no site da Fifa sobre o programa de patrocínio 2007-2014, mostra as estratégias comerciais para os próximos oito anos. A Federação classifica os futuros parceiros em três categorias: são seis sócios da Fifa, de seis a oito patrocinadores da Copa do Mundo e de quatro a seis promotores nacionais. Os sócios são os gigantes transnacionais como a Adidas (material esportivo), Hyundai (indústria de automóveis), Sony (indústria de eletro-eletrônicos), Coca-Cola (alimentos), Visa International (mercado financeiro) e Emirates Airline (aviação). As empresas que se enquadram na categoria de sócio, desfrutam do maior nível de associação, isso significa que possuem direitos especiais sobre todos os eventos esportivos da Fifa.


As últimas copas do Mundo foram realizadas em países com alto poder de consumo.
2006 Alemanha. 2002 Coréia e Japão. 1998 França. 1994 EUA
fonte: Fifa

Um dos sócios, a Visa International, deixou seu concorrente, a Mastercard, para trás, ao fechar um contrato de US$ 200 milhões com a Fifa. Agora, além de ser o cartão de crédito oficial da federação até 2014, terá preferência na publicidade nos estádios. Já entre os patrocinadores, o que mais se destaca é a parceria com a empresa de alimentos Mc Donald’s. Antes mesmo de acabar a Copa do Mundo na Alemanha, a empresa norte-americana fechou contrato como patrocinadora da Copa do Mundo da Fifa até 2014. A Fifa não divulgou o valor do contrato, mas a empresa terá a exclusividade na categoria de alimentos fast food, direito ao uso das marcas oficiais do evento (tanto da copa do mundo como na Copa das Confederações em 2009 e 2013), além do marketing e dos painéis de publicidade nos estádios.

Cada vez mais se nota a presença de grandes canais de comunicação, instituições financeiras, grandes empresas de material esportivo, alimentos etc, nesses eventos. “A valorização desse negócio nos últimos 20 anos, desde a copa de 1986, no México, cresceu muito, pois há uma pressão cada vez maior para favorecer os interesses privados e particulares para alterar as regras do jogo e abrir mais as chances de valorização”, lembra Proni. Os gastos com a construção de estádios de futebol, com os transportes, modernização da linha ferroviária, hotéis, restaurantes, entre outras coisas, geram um impacto positivo do ponto de vista econômico. “Essas obras ajudam a alavancar a economia e criam empregos diretos e indiretos, alguns são temporários mas outros permanecem”, afirma. “No caso alemão, o turismo é uma grande oportunidade de marketing para a promoção de algumas cidades”, completa.

Vários estudos procuram mapear o impacto econômico de uma copa do mundo. Um exemplo é a dissertação de Anderson Gurgel Campos “O futebol no campo econômico: construção jornalística da Copa do Mundo de 2002 como negócio”, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O autor trabalha com a idéia de consumo e com a Copa do Mundo como um produto. “Elemento fundamental na cadeia produtiva, o consumo é extremamente importante no cenário atual do mundo dos esportes”, afirma. Para ele, há uma mudança de caminho brusco que explica a relação entre o futebol e o consumo, que pode ser mais bem entendido se observada a parceria do esporte com as empresas de telecomunicações. “A mudança de paradigma passa pela expansão do esporte enquanto base de consumo, sobre a qual são edificadas diversas estratégias para a venda de produtos, inclusive a partir de ídolos”, pontua Campos.

Ídolos e mercadorias na vitrine

O uso dos ídolos esportivos é uma estratégia de aumento da venda de produtos e serviços. O Banco Santander Banespa, por exemplo, com a intenção de passar a mensagem de “melhor banco do mundo”, investiu cerca de US$ 100 milhões em propagandas ao reunir alguns dos melhores jogadores do mundo como Kaká, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Robinho em uma única peça publicitária.

No artigo “A fabricação dos ídolos esportivos” - publicado na Revista da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) n° 23 - de Fátima Maria Pilotto, é discutido o poder que os meios de comunicação tem de explorar a imagem dos ídolos como mercadoria.

Ela explica que o processo de fabricação ocorre em todas as instâncias da mídia e envolve a publicação de artigos, fotografias, textos publicitários, narração de jogos e comentários de especialistas. De acordo com Pilotto, não é apenas o talento que transforma um jogador em ídolo, mas as publicações de reportagens e notícias que falam não apenas de seu desempenho em competições, mas de sua vida particular como seus gostos, seus bens materiais, sua intimidade. “Outras dimensões desses sujeitos são igualmente postas em destaque para associá-las ao seu talento e é tudo isto que interfere na sua fabricação como ídolo”.

O uso dos ídolos pelo marketing é um grande negócio. Transformar atletas em mercadorias se tornou uma prática freqüente, amplamente divulgada pela mídia. De acordo com Pilotto, os ídolos esportivos se tornam verdadeiras vitrines que expõem algumas mercadorias caras e raras. Em 1999, “foi publicado no jornal uma fotografia de Ronaldinho fazendo um sinal de ligação telefônica com uma das mãos. Esse simples fato foi suficiente para o jornal estimular a Embratel a contratá-lo como garoto propaganda para 'fazer um 21'”, conclui Pilotto.