REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
De volta às aulas - Carlos Vogt
Reportagens
Diminui índice de crianças e jovens fora da escola
Romulo Orlandini
População urbana aprofunda desigualdades entre escolas do campo e da cidade
Rodrigo Cunha
Analfabetismo no Brasil evidencia desigualdades sociais históricas
Aline Naoe
Políticas de informatização das escolas são suficientes para o acesso ao conhecimento?
Maria Teresa Manfredo
Censo da Educação Superior 2010: números requerem análise cautelosa
Cristiane Kämpf
Artigos
Cotas nas universidades: um grande debate público
Cleber Santos Vieira
Educação básica: as políticas educacionais no período de 2003-2010
Marcelo Soares Pereira da Silva
Escolas dos diferentes ou escolas das diferenças?
Maria Teresa Eglér Mantoan
O coração da educação e a educação do coração
Por Juan Martín López Calva / Tradução Simone Pallone e Milagros Varguez
Pesquisando com a mobilidade ubíqua em redes sociais da internet: um case com o Twitter
Edméa Santos
Resenha
A redenção por meio da educação
Marta Avancini
Entrevista
Vera Masagão Ribeiro
Entrevistado por Monique Lopes e Romulo Orlandini
Poema
Convivência
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Resenhas
A redenção por meio da educação
O filme Escritores da liberdade trata das dificuldades em sala de aula e remete à tão almejada educação transformadora, capaz de amplificar o potencial de cada estudante.
Marta Avancini
07/02/2012

Uma jovem e bela professora chega à escola para o primeiro dia de aula. Seu olhar transmite a confiança e a determinação, típicas de pessoas cujas existências são guiadas por um ideal. A professora é Erin Grunwell, interpretada por Hillary Swank, numa das cenas iniciais do filme Escritores da liberdade (dirigido por Richard LaGravenese.). O caminhar firme, o sorriso contido e a postura ereta de Erin dão o tom do que está por vir. Lançado em 2007, o filme se baseia numa história real, que se tornou um livro (Diário dos escritores da liberdade, de Erin Grunwell) e criou uma fundação, voltada para a difusão de metodologias alternativas de ensino-aprendizagem, comandada pela própria Erin.

Com bons atores e um roteiro bem estruturado, o drama integra uma linhagem de produções hollywoodianas que evocam o poder transformador da educação – algo já visto em Sociedade dos poetas mortos (1990) e no clássico Ao mestre com carinho (1966). Ao mesmo tempo, evidencia o papel central que o professor desempenha na mudança de mentalidades e na formação individual, processo este que exige dedicação, perseverança e uma enorme capacidade de superar as dificuldades que surgem ao longo do caminho.

Docente em início de carreira, Erin é filha de um ativista de direitos humanos, o que a leva a optar por um posto de professora de língua inglesa e literatura na escola Woodrow Wilson. Localizada em Long Beach, na grande Los Angeles, a instituição participa de um programa de reintegração voluntária de adolescentes em conflito com a lei, que desagrada a direção e os docentes antigos, que atribuem à iniciativa a causa da decadência do colégio nos rankings das avaliações oficiais.

A Wilson é um microcosmo de Long Beach: um verdadeiro caldeirão de conflitos etnorraciais em plena ebulição onde hispânicos, negros, asiáticos e brancos disputam território e respeito. A sala 203, onde Erin é a titular, reproduz o mapa dos conflitos que assolam as ruas. Como descreve Eva (April L. Hernandez), uma das alunas recém-saídas de um reformatório, a escola é como a cidade e a cidade é como a prisão: divide-se conforme as tribos.

O entusiasmo de Erin em seu primeiro dia como professora se contrapõe à resistência dos alunos. Eles chegam à sala de aula de rosto fechado, explicitando a insatisfação por terem de compartilhar aquele espaço físico com os membros das gangues adversárias. Sentam-se em grupos, repetindo a divisão territorial das gangues. Não se olham; encaram-se ameaçadoramente, numa tensão que, a qualquer momento, pode eclodir em violência – como, de fato, chega a ocorrer.

Para esses adolescentes, frequentar a escola não é uma escolha sustentada na crença de um futuro melhor. Ao contrário, é uma obrigação ou, na melhor das hipóteses, um passaporte para sair do reformatório. Novamente, a história de Eva ilustra a experiência de seu grupo: por ela, não frequentaria a escola, mas lhe parece melhor do que ir para o reformatório militar, opção apresentada por seu conselheiro.

Este enredo ecoa uma escola real, por vezes vista no noticiário, remetendo à reflexão sobre os sentidos dessa instituição na contemporaneidade. De um lado, a pressão por mais formação enquanto pré-requisito para a plena inclusão e exercício da cidadania. De outro, a realidade de uma instituição engessada em metodologias, práticas e conceitos desconectados de um mundo globalizado, em que os encontros e desencontros entre indivíduos e culturas se dão no ritmo da informação online, (teoricamente) acessível a qualquer um.

Inevitável, então, o questionamento: qual o lugar e o significado da escola para esses e tantos outros adolescentes? Ao retratar, de maneira tão pungente, o descompasso entre esses dois universos – a escola e a vida real –, Escritores da liberdade explicita a falência da escola convencional, transmissiva, que tem muito pouco a lhes dizer e a ensinar. Uma escola que não os enxerga como seres humanos dignos de serem ouvidos, nem como pessoas capazes de aprender.

Nesse sentido, a obra reedita tensões culturais e existenciais frente a uma estrutura de ensino enrijecida, como ocorria, por exemplo, em Sociedade dos poetas mortos. Na obra de 1990, Robin Williams interpreta o professor John Keating que, assim como Erin Grunwell, segue na contracorrente, superando a desconfiança dos alunos, a falta de apoio dos superiores e as barreiras impostas por um sistema de ensino enrijecido.

Nos dois filmes, a chave do sucesso – além da persistência – são as metodologias de ensino pouco convencionais que se sustentam na valorização do potencial individual, no desenvolvimento da autonomia, no respeito e no diálogo. À medida que os adolescentes se sentem ouvidos, estabelece-se um campo de criatividade, favorável à aprendizagem. Dessa maneira, Escritores da liberdade entra num terreno previsível, reforçando o senso comum do “professor herói” que, graças à sua própria força, consegue cumprir sua missão: fazer com que os alunos aprendam – uma vitória antevista pelo espectador desde o início do filme.

Nesse sentido, Escritores da liberdade em muito se parece aos outros filmes que abordam o tema das dificuldades em sala de aula. O que muda é o contexto, mas o enredo e o desfecho são semelhantes, remetendo àquela dimensão tão almejada da educação transformadora, capaz de canalizar e amplificar o potencial de cada pessoa. Nesses filmes, a educação só se efetiva na medida em que o professor, imbuído de seus valores e convicções, se mostra capaz de transitar pelas brechas do sistema. Assim, a valorização do educador, reiterada ao longo da trama é, por um lado, algo positivo, que fortalece a esperança por uma escola melhor; contudo, indiretamente, reforça a crença que a educação transformadora é uma exceção, viável somente nos contextos em que “professores heróis” se dispõem a enfrentar as adversidades.

Fica, então, a sensação de que o status quo permanece intocado. Afinal, será que é somente por meio do heroísmo de professores que remam contra a corrente que a educação, tal como ela deve ser, se efetiva?