07/02/2012
Uma jovem e bela professora chega à escola para o primeiro
dia de aula. Seu olhar transmite a confiança e a determinação, típicas de
pessoas cujas existências são guiadas por um ideal. A professora é Erin Grunwell,
interpretada por Hillary Swank, numa das cenas iniciais do filme Escritores da liberdade
(dirigido por Richard LaGravenese.).
O caminhar firme, o sorriso contido e a postura ereta de Erin dão o tom do que
está por vir. Lançado em 2007, o filme se baseia numa história real, que se
tornou um livro (Diário dos escritores da
liberdade, de Erin Grunwell)
e criou uma fundação, voltada para a difusão de
metodologias alternativas de ensino-aprendizagem,
comandada pela própria Erin.
Com bons atores e um roteiro bem estruturado, o drama
integra uma linhagem de produções hollywoodianas que evocam o poder
transformador da educação – algo já visto em Sociedade dos poetas mortos (1990) e no clássico Ao mestre com carinho (1966). Ao mesmo
tempo, evidencia o papel central que o professor desempenha na mudança de
mentalidades e na formação individual, processo este que exige dedicação,
perseverança e uma enorme capacidade de superar as dificuldades que surgem ao
longo do caminho.
Docente em início de carreira, Erin é filha de um ativista
de direitos humanos, o que a leva a optar por um posto de professora de língua
inglesa e literatura na escola Woodrow Wilson. Localizada em Long Beach, na grande
Los Angeles, a instituição participa de um programa de reintegração voluntária
de adolescentes em conflito com a lei, que desagrada a direção e os docentes
antigos, que atribuem à iniciativa a causa da decadência do colégio nos rankings das avaliações oficiais.
A Wilson é um microcosmo de Long Beach: um verdadeiro
caldeirão de conflitos etnorraciais em plena ebulição onde hispânicos, negros,
asiáticos e brancos disputam território e respeito. A sala 203, onde Erin é a titular, reproduz o
mapa dos conflitos que assolam as ruas. Como descreve Eva (April L. Hernandez),
uma das alunas recém-saídas de um reformatório, a escola é como a cidade e a
cidade é como a prisão: divide-se conforme as tribos.
O entusiasmo de Erin em seu primeiro dia como professora se
contrapõe à resistência dos alunos. Eles chegam à sala de aula de rosto fechado,
explicitando a insatisfação por terem de compartilhar aquele espaço físico com
os membros das gangues adversárias. Sentam-se em grupos, repetindo a divisão
territorial das gangues. Não se olham; encaram-se ameaçadoramente, numa tensão
que, a qualquer momento, pode eclodir em violência – como, de fato, chega a
ocorrer.
Para esses adolescentes, frequentar a escola não é uma escolha
sustentada na crença de um futuro melhor. Ao contrário, é uma obrigação ou, na
melhor das hipóteses, um passaporte para sair do reformatório. Novamente, a
história de Eva ilustra a experiência de seu grupo: por ela, não frequentaria a
escola, mas lhe parece melhor do que ir para o reformatório militar, opção apresentada
por seu conselheiro.
Este enredo ecoa uma escola real, por vezes vista no
noticiário, remetendo à reflexão sobre os sentidos dessa instituição na
contemporaneidade. De um lado, a pressão por mais formação enquanto
pré-requisito para a plena inclusão e exercício da cidadania. De outro, a
realidade de uma instituição engessada em metodologias, práticas e conceitos
desconectados de um mundo globalizado, em que os encontros e desencontros entre
indivíduos e culturas se dão no ritmo da informação online, (teoricamente)
acessível a qualquer um.
Inevitável, então, o questionamento: qual o lugar e o
significado da escola para esses e tantos outros adolescentes? Ao retratar, de
maneira tão pungente, o descompasso entre esses dois universos – a escola e a
vida real –, Escritores da liberdade explicita
a falência da escola convencional, transmissiva, que tem muito pouco a lhes
dizer e a ensinar. Uma escola que não os enxerga como seres humanos dignos de
serem ouvidos, nem como pessoas capazes de aprender.
Nesse sentido, a obra reedita tensões culturais e
existenciais frente a uma estrutura de ensino enrijecida, como ocorria, por
exemplo, em Sociedade dos poetas mortos.
Na obra de 1990, Robin Williams interpreta o professor John Keating que, assim
como Erin Grunwell, segue na contracorrente, superando a desconfiança dos alunos,
a falta de apoio dos superiores e as barreiras impostas por um sistema de
ensino enrijecido.
Nos dois filmes, a chave do sucesso – além da persistência –
são as metodologias de ensino pouco convencionais que se sustentam na valorização
do potencial individual, no desenvolvimento da autonomia, no respeito e no
diálogo. À medida que os adolescentes se sentem ouvidos, estabelece-se um campo
de criatividade, favorável à aprendizagem. Dessa maneira, Escritores da liberdade entra num terreno previsível, reforçando o
senso comum do “professor herói” que, graças à sua própria força, consegue
cumprir sua missão: fazer com que os alunos aprendam – uma vitória antevista
pelo espectador desde o início do filme.
Nesse sentido, Escritores
da liberdade em muito se parece aos outros filmes que abordam o tema das
dificuldades em sala de aula. O que muda é o contexto, mas o enredo e o
desfecho são semelhantes, remetendo àquela dimensão tão almejada da educação
transformadora, capaz de canalizar e amplificar o potencial de cada pessoa. Nesses
filmes, a educação só se efetiva na medida em que o professor, imbuído de seus
valores e convicções, se mostra capaz de transitar pelas brechas do sistema. Assim,
a valorização do educador, reiterada ao longo da trama é, por um lado, algo
positivo, que fortalece a esperança por uma escola melhor; contudo,
indiretamente, reforça a crença que a educação transformadora é uma exceção,
viável somente nos contextos em que “professores heróis” se dispõem a enfrentar
as adversidades.
Fica, então, a sensação de que o status quo permanece intocado. Afinal, será que é somente por meio
do heroísmo de professores que remam contra a corrente que a educação, tal como
ela deve ser, se efetiva?
|