Resenhas |
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Como o futebol explica o mundo |
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Jornalista usa o futebol como metáfora para tentar explicar o fracasso da globalização na redução das desigualdades sociais |
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Patrícia Mariuzzo |
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09/08/2006
No começo dos anos 90 a globalização era celebrada
como a grande promessa para diminuir as desigualdades sociais e levar a
prosperidade econômica a todos os recantos do planeta. Apenas dez
anos bastaram para mostrar que a integração de
indivíduos, instituições e Estados Nacionais
através das tecnologias da informação e a
eliminação de barreiras comerciais não seriam o
bastante para solucionar ou, ao menos, amenizar questões como o
anti-semitismo, a corrupção, o fanatismo religioso ou as
guerras étnicas. Em Como o futebol explica o mundo. Um olhar
inesperado sobre a globalização, o jornalista
norte-americano Franklin Foer tenta encontrar as razões desse
fracasso usando o futebol como metáfora.
O autor viajou pelo mundo para conhecer clubes, entrevistar jogadores,
dirigentes e, é claro, assistir jogos. O resultado deste
trabalho, não tão difícil para um autor que se
declara fã incondicional de futebol, é um livro sobre a
interação entre cultura, política e futebol, capaz
de atrair tanto os aficionados quanto os leitores menos entusiasmados
com o esporte. Ao longo dos dez capítulos, quase crônicas,
Foer conclui que a globalização não reduziu as
culturas futebolísticas regionais como temiam os críticos
do fenômeno, mas, ao contrário, as pessoas se apegaram
ainda mais às rivalidades, às identidades e às
crenças locais. Evidentemente houve mudanças. Parte delas
está na alquimia cultural resultante da escalação
de técnicos que tem sob seu comando, num mesmo time, jogadores
de todas as partes do mundo. E, se na visão da arquibancada
pode-se ver, vez por outra, um espetáculo, vendo mais de perto
como fez o jornalista, temos o contraste cultural e a dificuldade de
adaptação vivida pelo jogador nigeriano Edward Anyamkyegh
contratado pelo Karpaty Lviv, time da Ucrânia.
O caso do time inglês Chelsea também confirma em parte as
críticas dos opositores da globalização de que o
capitalismo das multinacionais priva as instituições de
seu caráter local e destitui as classes mais baixas do que eles
mais gostam. Se nos anos 80 o time era sinônimo de hooliganismo,
na década de 90, ele passou a ser identificado com o
cosmopolitismo. Foi o primeiro time inglês a montar um time sem
nenhum jogador inglês. As medidas tomadas para conter os
hooligans atraíram um novo tipo de torcedor, mais abastado,
além do público feminino. Segundo o autor, esta clientela
acabou com a atmosfera de classe operária turbulenta durante os
jogos do time. Como um dos primeiros chefes de torcidas organizadas de
hooligans ingleses, surgidas em meados da década de 60, Alan
Garrison sente falta justamente dessa atmosfera. Em seus depoimentos
para Foer ele demonstra claramente a nostalgia pelos tempos em que
podia exprimir livremente seu talento para a violência em dias de
jogos do Chelsea.
O foco do livro, entretanto, não são as mudanças,
mas as permanências, isto é, questões
incômodas que a globalização não conseguiu
alterar. Por exemplo, por que algumas nações permaneceram
pobres embora tenham sido alvo de tanto investimento estrangeiro? A
metáfora aqui assume a forma dos cartolas do futebol e, sobre
este assunto, é de terras brasileiras que o autor fala. Para
Foer o futebol no Brasil é um exemplo de como as facetas
negativas da globalização podem encobrir as boas.
É um relato de como a corrupção supera a
liberalização. Por causa da cartolagem, o capital externo
não conseguiu transformar o futebol brasileiro numa NBA do
esporte global. Citando como exemplo a administração de
Eurico Miranda à frente do Vasco da Gama, do Rio de Janeiro e o
fracasso da Lei Pelé, o jornalista atribui a sobrevivência
dos cartolas ao fato dos clubes brasileiros permanecerem como entidades
amadoras e sem fins lucrativos, cujas contas não estão
sujeitas à fiscalização pública. Isso
possibilitou a dirigentes de grandes clubes como Flamengo, Cruzeiro e
Palmeiras o mau uso de maciços investimentos estrangeiros que
eles receberam nos anos 90, mantendo os times em precária
situação financeira.
Boa parte do texto é dedicada às ligações
entre política e futebol. Uma questão mais recente
abordada no livro é a manipulação de resultados no
campeonato italiano, uma das maiores crises do futebol internacional
que resultou até agora no rebaixamento para a segunda
divisão de quatro grandes times italianos: Lazio, Fiorentina,
Juventus e Milan. Foer acredita que um dos motivos da
corrupção envolvendo os árbitros na Itália
liga-se, em primeiro lugar, ao estilo de futebol daquele país
que amplia o papel do juiz no resultado do jogo. Argumento
frágil, pelo menos para o leitor brasileiro que acompanhou o
escândalo que acabou com a expulsão dos ex-juízes
da Federação Paulista de Futebol, Edilson Pereira de
Carvalho e Paulo José Danelon. Eles confessaram ter tentado
fraudar jogos em troca de dinheiro em 2005. Por causa desse papel de
destaque, políticos e empresários, chamados de novos
oligarcas, se esforçam para influenciar desde a escolha dos
juízes para os campeonatos até a sua
atuação em campo. É o caso da família
Agnelli, proprietária da Fiat, cuja influência beneficia o
Juventus e do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi,
proprietário do Milan.
Ainda explorando a interação de futebol e
política, a relação entre a violência
étnica e as agressões praticadas pelas torcidas
organizadas na Sérvia é um exemplo. A partir das fileiras
de torcedores do Estrela Vermelha de Belgrado, time de maior sucesso na
Sérvia, um aliado de Slobodan Milosevic, chamado Arkan criou e
armou uma organização paramilitar. Eles comporiam as
tropas de choque do ditador à frente da limpeza étnica
comandada pelo então presidente sérvio durante a Guerra
dos Bálcãs, em 1990. Na verdade a violência da
torcida sérvia é mais uma forma de expressão do
ódio racial presente naquela sociedade e levado às
últimas conseqüências na guerra. Neste sentido
é a questão étnica que explica a violência
no futebol, e não o contrário. O esporte é um
fenômeno mundial, mas é também um espelho, ora das
virtudes, ora dos problemas, da sociedade de onde emerge. Ao ler o
livro deve-se ter o cuidado de estabelecer um limite de alcance desse
fenômeno. Ele pode ilustrar a questão étnica, a
judaica, as guerras culturais, o racismo, mas certamente não
pode esgotar esses temas.
Como o futebol explica o mundo - Um olhar inesperado sobre a
globalização
Franklin Foer
Jorge Zahar Editor, 2005
220 p.
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