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Entrevistado por Carolina Cantarino. Foto: Eduardo César/Pesquisa Fapesp
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Resenhas
Como o futebol explica o mundo
Jornalista usa o futebol como metáfora para tentar explicar o fracasso da globalização na redução das desigualdades sociais
Patrícia Mariuzzo
09/08/2006 No começo dos anos 90 a globalização era celebrada como a grande promessa para diminuir as desigualdades sociais e levar a prosperidade econômica a todos os recantos do planeta. Apenas dez anos bastaram para mostrar que a integração de indivíduos, instituições e Estados Nacionais através das tecnologias da informação e a eliminação de barreiras comerciais não seriam o bastante para solucionar ou, ao menos, amenizar questões como o anti-semitismo, a corrupção, o fanatismo religioso ou as guerras étnicas. Em Como o futebol explica o mundo. Um olhar inesperado sobre a globalização, o jornalista norte-americano Franklin Foer tenta encontrar as razões desse fracasso usando o futebol como metáfora.

O autor viajou pelo mundo para conhecer clubes, entrevistar jogadores, dirigentes e, é claro, assistir jogos. O resultado deste trabalho, não tão difícil para um autor que se declara fã incondicional de futebol, é um livro sobre a interação entre cultura, política e futebol, capaz de atrair tanto os aficionados quanto os leitores menos entusiasmados com o esporte. Ao longo dos dez capítulos, quase crônicas, Foer conclui que a globalização não reduziu as culturas futebolísticas regionais como temiam os críticos do fenômeno, mas, ao contrário, as pessoas se apegaram ainda mais às rivalidades, às identidades e às crenças locais. Evidentemente houve mudanças. Parte delas está na alquimia cultural resultante da escalação de técnicos que tem sob seu comando, num mesmo time, jogadores de todas as partes do mundo. E, se na visão da arquibancada pode-se ver, vez por outra, um espetáculo, vendo mais de perto como fez o jornalista, temos o contraste cultural e a dificuldade de adaptação vivida pelo jogador nigeriano Edward Anyamkyegh contratado pelo Karpaty Lviv, time da Ucrânia.

O caso do time inglês Chelsea também confirma em parte as críticas dos opositores da globalização de que o capitalismo das multinacionais priva as instituições de seu caráter local e destitui as classes mais baixas do que eles mais gostam. Se nos anos 80 o time era sinônimo de hooliganismo, na década de 90, ele passou a ser identificado com o cosmopolitismo. Foi o primeiro time inglês a montar um time sem nenhum jogador inglês. As medidas tomadas para conter os hooligans atraíram um novo tipo de torcedor, mais abastado, além do público feminino. Segundo o autor, esta clientela acabou com a atmosfera de classe operária turbulenta durante os jogos do time. Como um dos primeiros chefes de torcidas organizadas de hooligans ingleses, surgidas em meados da década de 60, Alan Garrison sente falta justamente dessa atmosfera. Em seus depoimentos para Foer ele demonstra claramente a nostalgia pelos tempos em que podia exprimir livremente seu talento para a violência em dias de jogos do Chelsea.

O foco do livro, entretanto, não são as mudanças, mas as permanências, isto é, questões incômodas que a globalização não conseguiu alterar. Por exemplo, por que algumas nações permaneceram pobres embora tenham sido alvo de tanto investimento estrangeiro? A metáfora aqui assume a forma dos cartolas do futebol e, sobre este assunto, é de terras brasileiras que o autor fala. Para Foer o futebol no Brasil é um exemplo de como as facetas negativas da globalização podem encobrir as boas. É um relato de como a corrupção supera a liberalização. Por causa da cartolagem, o capital externo não conseguiu transformar o futebol brasileiro numa NBA do esporte global. Citando como exemplo a administração de Eurico Miranda à frente do Vasco da Gama, do Rio de Janeiro e o fracasso da Lei Pelé, o jornalista atribui a sobrevivência dos cartolas ao fato dos clubes brasileiros permanecerem como entidades amadoras e sem fins lucrativos, cujas contas não estão sujeitas à fiscalização pública. Isso possibilitou a dirigentes de grandes clubes como Flamengo, Cruzeiro e Palmeiras o mau uso de maciços investimentos estrangeiros que eles receberam nos anos 90, mantendo os times em precária situação financeira.

Boa parte do texto é dedicada às ligações entre política e futebol. Uma questão mais recente abordada no livro é a manipulação de resultados no campeonato italiano, uma das maiores crises do futebol internacional que resultou até agora no rebaixamento para a segunda divisão de quatro grandes times italianos: Lazio, Fiorentina, Juventus e Milan. Foer acredita que um dos motivos da corrupção envolvendo os árbitros na Itália liga-se, em primeiro lugar, ao estilo de futebol daquele país que amplia o papel do juiz no resultado do jogo. Argumento frágil, pelo menos para o leitor brasileiro que acompanhou o escândalo que acabou com a expulsão dos ex-juízes da Federação Paulista de Futebol, Edilson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon. Eles confessaram ter tentado fraudar jogos em troca de dinheiro em 2005. Por causa desse papel de destaque, políticos e empresários, chamados de novos oligarcas, se esforçam para influenciar desde a escolha dos juízes para os campeonatos até a sua atuação em campo. É o caso da família Agnelli, proprietária da Fiat, cuja influência beneficia o Juventus e do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, proprietário do Milan.

Ainda explorando a interação de futebol e política, a relação entre a violência étnica e as agressões praticadas pelas torcidas organizadas na Sérvia é um exemplo. A partir das fileiras de torcedores do Estrela Vermelha de Belgrado, time de maior sucesso na Sérvia, um aliado de Slobodan Milosevic, chamado Arkan criou e armou uma organização paramilitar. Eles comporiam as tropas de choque do ditador à frente da limpeza étnica comandada pelo então presidente sérvio durante a Guerra dos Bálcãs, em 1990. Na verdade a violência da torcida sérvia é mais uma forma de expressão do ódio racial presente naquela sociedade e levado às últimas conseqüências na guerra. Neste sentido é a questão étnica que explica a violência no futebol, e não o contrário. O esporte é um fenômeno mundial, mas é também um espelho, ora das virtudes, ora dos problemas, da sociedade de onde emerge. Ao ler o livro deve-se ter o cuidado de estabelecer um limite de alcance desse fenômeno. Ele pode ilustrar a questão étnica, a judaica, as guerras culturais, o racismo, mas certamente não pode esgotar esses temas.

Como o futebol explica o mundo - Um olhar inesperado sobre a globalização
Franklin Foer
Jorge Zahar Editor, 2005
220 p.