Em setembro de
2016, o Google anunciou que uma de suas ferramentas mais utilizadas, o Tradutor,
passaria por uma grande mudança. A empresa de tecnologia trocou o motor
responsável pela ponte entre idiomas para um sistema chamado GNMT (Google
neural machine translation, ou máquina neural de tradução do Google, em
tradução livre). A estrutura de aprendizado, de ponta a ponta, consegue
assimilar milhões de exemplos, e teria como resultado uma melhoria bastante
significativa nas traduções.
Após a
verificação do desempenho da rede de aprendizado profundo, os pesquisadores da
companhia tentaram algo mais ousado. Se a rede neural consegue traduzir inglês
para coreano e inglês para japonês, e vice-versa, seria capaz de traduzir
diretamente do coreano para o japonês, sem passar pelo idioma inglês?
A resposta é
sim. As chamadas "traduções zero-shot” conseguiram fazer relações entre
palavras de dois idiomas que não estavam explicitamente unidas de nenhuma
forma. Sem nenhum tipo de “ponte” entre os idiomas. Como isso foi possível?
Provavelmente, a rede neural do Google trabalhou com conceitos humanos: padrão
e associação por contexto.
Os engenheiros
da empresa acreditam que é grande a possibilidade de as máquinas terem
desenvolvido uma linguagem interna capaz de representar os conceitos usados
para a tradução de cada palavra. O time do Google ainda afirma que foi
encontrado um padrão semelhante relacionado aos termos em cada um dos idiomas
processados por essa rede de computadores. Imagem criada pelo Google ilustra a tradução de
idiomas pelo seu sistema de inteligência artificial Singularidade tecnológica O avanço das
tecnologias de inteligência artificial como o descrito anteriormente é apenas um
dos motivos apontados para que cientistas acreditem que os avanços tecnológicos
vão ultrapassar os limites imaginados pelo homem. A ideia de que, em algum
ponto do futuro, a tecnologia poderá mudar nossa realidade é chamada de
singularidade tecnológica. Em seu artigo “Technological singularity”, o cientista da computação Vernor Vinge afirma que vários
campos podem atingir essa mudança tão disruptiva, o que seria mais uma razão
para acreditar que a singularidade deva ocorrer no futuro. O diretor de
educação da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), Avelino Zorzo, explica
que o termo foi emprestado da física e "se refere a um ponto em que os
avanços da tecnologia vão superar a capacidade humana de compreendê-los, dando
início a uma era pós-humana”. O pesquisador
e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
corrobora a visão de Vinge, e aponta que essa evolução em ritmo acelerado se
aplica a vários ramos do conhecimento, como: nanotecnologia, robótica e
genética. O alerta de Hawking Para alguns
pesquisadores, tratar a ascensão da inteligência artificial como “coisa de
ficção científica” pode ser o maior e, talvez, último erro da humanidade. A
afirmação soa sensacionalista, mas tem uma fonte respeitável: o físico teórico
e cosmólogo Stephen Hawking. Em um
artigo para o Independent, Hawking comenta o lançamento do filme Transcendence e chama a inteligência
artificial (IA) de um avanço arriscado. O longa estrelado por Johnny Deep e
dirigido por Christopher Nolan mostra a tentativa de criar uma consciência
online com resultados desastrosos. "A inteligência
artificial pode ser o maior evento na história da humanidade. E também pode ser
o último, a não ser que a humanidade aprenda a evitar os riscos. As
consequências podem ser negativas”, afirmou o famoso físico no artigo “Transcendence
looks at the implications of artificial intelligence – but are we taking AI
seriously enough? Hawking assina
o texto ao lado de outros notáveis, como o professor de ciências da computação
da Universidade da Califórnia, Stuart Russell; o professor de física do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), Max Tegmark, e do prêmio Nobel de
Física de 2014 e professor do MIT Frank Wilczek. O artigo ainda pede cautela
para o desenvolvimento de tecnologias que possam trazer a extinção da espécie
humana. O fato de uma
rede que imita o aprendizado humano funcionar é, ao mesmo tempo, fantástico e
assombroso. O que dizer de um mundo no qual os carros se dirigem sozinhos, o
DNA pode ser editado, robôs executam tarefas impossíveis para qualquer ser
humano, a comunicação é feita por meio de uma consciência coletiva e máquinas
conseguem se misturar a sistemas biológicos? O professor do
Departamento de Informática do Centro Técnico Científico da PUC-Rio
(CTC/PUC-Rio), Bruno Feijó, afirma que devemos ficar atentos aos perigos
apontados por Hawking. "A gente vive um momento de reflexão de alguns
questionamentos sobre a inteligência artificial. E não só por causa dos filmes.
A atenção que esse grupo dá ao tema tem relação com o estudo dos impactos que
isso implica, e seus riscos. Não seria exagero falar de risco de extinção, no
sentido de grandes impactos que podem acontecer na economia e em outras
situações”. Outra dúvida é
levantada no artigo de Vinge: é possível confinar uma máquina 100 vezes mais
inteligente que você? Para o cientista, a hipótese de “confinamento é
intrinsecamente impraticável”, argumenta. Isso porque as
máquinas com inteligência super-humana poderiam melhorar seu design
repetidamente, encontrando formas de “escapar” do domínio humano. Futuro indefinido Por outro
lado, o futurólogo sueco e mestre em ciência aplicada à economia, Magnus
Lindkvist afirma que pode ser uma armadilha pensar no futuro como um “ponto de
chegada” e esquecer que há participação das pessoas em processos e descobertas.
Segundo Lindkvist, a curva da evolução tecnológica pode ou não seguir crescendo
no mesmo ritmo, mas devemos nos acostumar com uma ideia de mundo descontínuo. "Hoje, se
você perguntar às pessoas sobre o futuro, há diversas narrativas similares:
robôs e impressoras 3D roubando nossos empregos, a ascensão do oriente e queda
do ocidente, mudanças climáticas. Em geral, há uma impressão de preocupação
quanto ao que está por vir”, explica o futurólogo. Para
Lindkvist, o futuro precisa ser observado pela perspectiva de megatendências,
com longas e lentas mudanças. Por este motivo, é possível apontar a evolução
tecnológica como uma liberação. O sueco comenta que as grandes mudanças
observadas até aqui aumentaram a expectativa de vida dos seres humanos, assim
como a quantidade de tempo livre para criar.
O físico
teórico e divulgador científico, Michio Kaku, acredita que a singularidade é
inevitável e, por este motivo, tem uma estratégia para preservar a vida humana.
Na série de TV Sci Fi Science, Kaku
sugere algo parecido com o roteiro do filme de Nolan: unir as consciências de
toda a humanidade em uma espécie de nuvem mundial. Desta forma, humanos e
máquinas se tornam um só. A solução proposta pelo coautor da teoria de campos
de cordas não chega a ser original. No fim das contas, a filosofia é: se não
pode vencê-los, junte-se a eles.
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