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O bestiário do imposto e da inflação - Carlos Vogt
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Câmbio, juros, tributos e a difícil arte de domar o dragão
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Inflação em alta no mundo todo acende o sinal de alerta
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O panorama da inflação nos anos 80 e as medidas adotadas pelos diferentes governos
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Embora necessária, reforma tributária ainda está distante do consenso
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A força dos países emergentes na economia mundial
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Os limites das metas de inflação
Luiz Gonzaga Belluzzo
Qual é o problema com os impostos no Brasil?
Ramón García Fernández e Pedro Caldas Chadarevian
Financeirização e crescimento econômico: o caso do Brasil
Miguel Bruno
Taxa de câmbio e desenvolvimento econômico no Brasil pós-crise
Pedro Rossi
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Excêntrica sabedoria
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Entrevista
Fabrício Augusto de Oliveira
Entrevistado por Por Simone Pallone / Foto do entrevistado na capa: Brasília Confidencial.
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Entrevistas
Fabrício Augusto de Oliveira
O economista fala sobre inflação e impostos, temas que preocupam os brasileiros, seja qual for sua renda, e aponta caminhos para ações do governo.

Por Simone Pallone / Foto do entrevistado na capa: Brasília Confidencial.
09/05/2011
Fabrício Augusto de Oliveira é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas, onde foi professor até 1998. Também lecionou na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, na Universidade Federal de Minas Gerais e na Universidade Federal do Espírito Santo e foi secretário adjunto-geral da Secretaria da Fazenda de Minas Gerais no governo Itamar Franco, em 1999. Publicou vários livros sobre economia brasileira e finanças públicas. É também autor de vários artigos publicados em revistas nacionais e internacionais dessas áreas. Nesta entrevista, o atual professor da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, de Belo Horizonte (MG), e consultor na área de economia do setor público para órgãos nacionais e internacionais, expõe suas impressões sobre o processo inflacionário que volta a preocupar o governo e cidadãos brasileiros, que ainda trazem na memória o período de hiperinflação da década de 1980. Ele comenta também como a política fiscal adotada no Brasil atinge os diferentes setores e classes sociais, comparando-a com a de outros países que têm características semelhantes às do Brasil.

ComCiência – No início do mês, o ministro da Fazenda Guido Mantega anunciou que o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) poderá encostar em 6,5% em 2011, mas que não passará disso. Esse é o teto da meta fixada para 2011. É um bom índice para um país que pretende crescer, que quer aumentar o volume de exportações e que compete com outros países emergentes no mercado externo?

Fabrício Augusto de Oliveira – Tudo indica que a preocupação do governo parece ter se deslocado do problema do câmbio, que continua sério, para o da inflação, que ainda vem se mantendo numa trajetória de crescimento. O temor de que ela continue nessa marcha não é infundado, pois são várias as forças que têm pressionado o nível de preços: o aquecimento do consumo, devido à expansão do emprego, da renda e do crédito; a elevação dos preços das commodities no mercado internacional; e, entre outras causas, o intenso fluxo de capitais externos, que termina ampliando o crédito e elevando os preços dos ativos da economia. Isso, num contexto de insuficiente expansão da capacidade de oferta, de manutenção das taxas internas de juros em níveis estratosféricos e de precárias condições da infraestrutura econômica, que ampliam consideravelmente o custo-país. Este, principalmente, prejudica a competitividade da produção nacional no mercado externo e as exportações brasileiras. Um índice de inflação de 6,5% no ano é temerário porque, no limite superior do centro da meta de 4,5% fixada para 2011, ele se torna bem mais sensível a saltos para patamares mais elevados, no caso de alguma dessas variáveis fugir de controle, ao mesmo tempo em que fortalece o poder das empresas de reajustarem seus preços, repondo e justificando as demandas por reindexação dos contratos e salários da economia.

ComCiência – É importante essa priorização em manter a inflação sob controle?

Oliveira – Quando elevada, a inflação desorganiza a economia, dificulta o cálculo empresarial dos custos e dos investimentos, penaliza os trabalhadores de renda fixa, que não conseguem proteger seus rendimentos da corrosão inflacionária, prejudica o abastecimento e mantém em estado de permanente sobressalto a população, pelas incertezas que passam a predominar sobre o futuro do país e também pelo temor do desemprego, do desabastecimento e da ação dos especuladores, que encontram a avenida pavimentada para se movimentarem com liberdade. Foi essa a situação vivida pelo Brasil na década de 1980 e até o lançamento do Plano Real, em 1994, com o qual se conseguiu extirpar o câncer inflacionário da economia. Num ambiente de estabilidade monetária, que representa uma condição necessária – embora não suficiente – para o crescimento sustentado, recupera-se o horizonte do cálculo empresarial para a realização dos investimentos, reorganiza-se a atividade produtiva e de abastecimento e protege-se o salário dos trabalhadores, essencial para manter fortalecida a demanda agregada, ao mesmo tempo em que se inibe a ação dos especuladores. Por isso, a estabilidade deve ser vista como um bem público essencial para a economia e a sociedade, sendo de responsabilidade do governo garantir sua manutenção.

ComCiência – Os indicadores variam de um estado para outro, além da variação de um índice para outro. Pelo IPCA, medido pelo IBGE, por exemplo, em março, Fortaleza apresentou o índice mais alto: 1,49%, enquanto Salvador apresentou 0,33%. A média para o país foi de 0,79%. A que se deve uma diferença tão grande? Que produtos têm sido responsáveis pelo aumento dos índices de inflação no país?

Oliveira – O índice de inflação é obtido por meio do cálculo da média dos níveis de preços dos produtos e serviços da economia, de acordo com critérios estabelecidos de sua representatividade na cesta de consumo da população. Assim como ela é diferente para grupos etários, grupos de renda e até mesmo para os indivíduos, já que essas “cestas” costumam ser distintas, o mesmo ocorre espacialmente, especialmente em países marcados por grandes heterogeneidades econômicas regionais, como é o caso do Brasil, que apresenta grande diversidade entre as estruturas produtivas, salariais, de renda, consumo e de investimentos de suas regiões, muitas fortemente dependentes de importações de outros estados/regiões para atenderem a demanda interna, que termina também onerada pelos custos de transportes. Existem, além disso, os fatores sazonais, climáticos e conjunturais que terminam afetando, de forma diferenciada, a inflação em cada uma dessas regiões. As pressões sobre os preços têm vindo de todos os lados. São pressões da demanda, devido ao aumento do emprego, da renda, do crédito, que eleva os preços dos produtos (notadamente alimentos) e dos serviços consumidos (especialmente devido ao crescimento da classe média), de custos (preços de commodities, juros, infraestrutura precária etc.) e também dos ativos da economia. Diante disso, a apreciação do câmbio tem ajudado a compensar essas pressões, amortecendo seus efeitos, embora tal fato esteja, gradativamente, recolocando a economia brasileira novamente numa perigosa trajetória de vulnerabilidade externa.

ComCiência – O Índice Nacional de Expectativa do Consumidor, da Confederação Nacional da Indústria, apresentou uma queda de 2,2% na comparação com o mês de março e encontra-se 0,5% abaixo do registrado em abril de 2010. A principal piora foi sobre a expectativa de inflação (os entrevistados temem um novo período de hiperinflação). A inflação apontada no último mês, no entanto, não cresceu nessa proporção. De onde vem essa sensação de aumento exagerado?

Oliveira – Essa sensação é um indicativo de que a “memória inflacionária” ainda continua presente no coração e na mente da população brasileira, apesar de decorridos 17 anos do lançamento do Plano Real, com o qual praticamente se pôs cobro ao imposto inflacionário. Pelo menos da população que vivenciou os anos 1980 e primeiros anos da década de 1990, quando o país viu-se permanentemente ameaçado pela instauração de um processo hiperinflacionário. O que é compreensível, dadas as consequências econômicas e sociais que este tende a provocar: desorganização da produção, do abastecimento, da intermediação financeira, desemprego, esgarçamento do tecido social e assim por diante. É isso que explica essa sensação exagerada sobre o aumento de preços que vem ocorrendo, como se se duvidasse da capacidade do Estado de contê-la. Sempre que a inflação começa a dar mostras de aceleração, a primeira preocupação que vem à mente do brasileiro é sobre a possibilidade de retorno daquela situação, que, tudo indica, deve-se, a todo custo, evitar. Por isso, a estabilidade monetária passou a ser vista, de fato, como um bem público essencial para a sociedade. E cabe ao Estado preservá-la, para que o futuro continue a ser visto com mais otimismo pelos cidadãos.

ComCiência – Como a política fiscal pode colaborar no combate às pressões inflacionárias e que setores ou mesmo classes socioeconômicas são os mais prejudicados pela inflação alta?

Oliveira – Não são significativos os espaços da política fiscal, na atualidade, para atuar tanto no combate à inflação como no estímulo ao crescimento econômico, já que os orçamentos públicos se encontram excessivamente engessados, oferecendo pouco raio de manobra para o governo viabilizar esses objetivos. Mas, apesar de pequenos, eles existem. Do lado dos gastos, o governo poderia, apesar do enrijecimento existente, estabelecer limites de expansão, em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) e à própria carga tributária, para os gastos correntes, liberando mais recursos para os investimentos em infraestrutura econômica, o que contribuiria para diminuir ou remover os gargalos que existem nessa área e reduzir o custo-país, com rebatimentos importantes sobre a inflação e sobre a competitividade da produção nacional. Do lado das receitas, seria necessário ousar – o que o governo tem evitado –, realizar uma reforma tributária mais abrangente que, entre outras mudanças, tivesse como objetivo desonerar a produção e os investimentos dos elevados impostos que sobre eles incidem na atualidade, o que teria impactos também positivos sobre a competitividade e a inflação. Isso poderia exigir, diante da manutenção da política de austeridade fiscal, uma mudança do atual modelo econômico, que continua priorizando os interesses do capital financeiro, o qual, como os demais, deveria também ser incluído entre os que arcam com o ônus da tributação. O fato, como dito anteriormente, é que a (alta) inflação, que na verdade nada mais é que um imposto que incide sobre a população em geral, termina prejudicando mais os setores que não dispõem de mecanismos para se protegerem dos efeitos deletérios por ela provocados sobre seus rendimentos, caso dos trabalhadores assalariados, enquanto os demais setores conseguem se colocar sob o guarda-chuva das aplicações financeiras, de preços e contratos reajustáveis e assim por diante. Por isso, a inflação pode ser vista como um imposto de grande perversidade social.

ComCiência – O brasileiro paga muitos impostos, em comparação a outros países, ou, pelo fato de haver vários impostos indiretos, a nossa percepção sobre impostos é distorcida?

Oliveira – Não há a menor dúvida de que a carga tributária brasileira é muito elevada: representando cerca de 35% do PIB, ocupa tranquilamente a primeira posição entre os países emergentes, e ganha, com folga, de muitas economias desenvolvidas, como os Estados Unidos e o Japão, para ficar com apenas dois bons exemplos. Mas há três problemas adicionais que não podem ser ignorados: primeiro, além de elevada, a carga tributária brasileira é altamente onerosa, pois o Estado não compensa ou ressarce a população pela cobrança de impostos com uma oferta adequada de serviços, como ocorre nos países em que é forte o welfare state, fazendo com essa seja duplamente penalizada; segundo, além de onerosa, a carga tributária é muito mal distribuída, lançando o maior ônus da tributação sobre os ombros mais fracos, ao cobrar mais impostos de quem tem menor renda e vice-versa, tornando-a, como consequência, uma antípoda tanto do ponto de vista social como do próprio crescimento econômico, dado o estreitamento do mercado interno que provoca; por fim, não bastasse isso, a predominância dos impostos indiretos em sua estrutura (o que podemos chamar de impostos “invisíveis”) dificulta a percepção da população sobre a cobrança dos impostos feitos pelo Estado e enfraquece a formação de uma “consciência tributária” que poderia conduzir ao fortalecimento das relações entre Estado e cidadão.