Próxima dos 40 anos, a TV Cultura pode orgulhar-se de ter lançado o conceito de televisão pública e a prática correspondente.
A partir de uma programação de qualidade, voltada
para o cidadão e não para o consumidor, a Cultura, no decorrer de
quatro décadas, pode afirmar que o gosto é uma questão de oferta e não
de demanda. E isso é uma questão fundamental.
O trabalho da televisão comercial sempre foi de
buscar uma Audiência Universal: "todo o público, o tempo todo, ao mesmo
tempo". Para tanto assumiu o pensamento do Ibope: quem define a
qualidade da programação é a audiência. Com isso baixou o nível para
atingir a todos. Veja-se o padrão da programação dos domingos. E isso
porque, como afirma Eugenio Bucci: "O produto da televisão comercial
não é a programação, mas a audiência". Produto que ela vende a preço de
ouro.
Já o trabalho da televisão pública busca o Universo
de Audiência, que implica na segmentação do público, tornando-o mais
capaz de compreender. Com essa segmentação a televisão pública tem mais
oportunidade de oferecer o que à sociedade precisa: uma televisão
aberta, gratuita e de qualidade que produza paradigmas diversos dos da
televisão comercial.
Assim, a programação educativa da Cultura não se
resume a uma duplicação do currículo escolar, mas a uma programação
educativa que envolve uma formação complementar, como os programas de
línguas estrangeiras, o Professor Pasquale, o Café Filosófico, os
Grandes Cursos Cultura, o Vestibulando e tantos outros. A programação
cultural privilegia os produtos artísticos não consagrados no mercado
comercial das artes, mas que tem um grande valor de identidade, apesar
da pouca divulgação. A programação informativa, que denominamos
jornalismo público é questão de honra para a Cultura. Um jornalismo que
busca a compreensão do acontecimento e não o espetáculo da notícia. Já,
a programação infantil, premiada em todo mundo e, sobretudo, pelo
reconhecimento unânime das crianças brasileiras, é um exemplo de
criatividade a serviço do conhecimento.
No Brasil, ao contrário da Europa, a televisão nasceu comercial e assim
prosperou, bafejada pelo mercado e, posteriormente, pela ditadura
militar, que necessitava de uma uniformização do gosto e da consciência
nacionais.
Ao contrário, a televisão pública surgiu bem depois
da comercial, como concessão de televisão educativa. Tal televisão
nasceu manietada pela legislação da ditadura que, além de restringir o
espectro de sua programação a aulas e conferências, proibia qualquer
destinação de recursos, além das verbas públicas, até mesmo doações.
Inicialmente a televisão de concessão educativa foi essencialmente
escolar. Muito depressa, pelo espírito que norteou sua independência
editorial e administrativa, a principal delas, TV Cultura de São Paulo
tornou-se uma televisão cultural e informativa, com grande produção
voltada para a programação infantil.
Em 88, com grande lucidez, a Constituição dividiu as
águas, falando da complementaridade das televisões estatal, pública e
privada. Há quase duas décadas a TV Cultura vem promovendo essa prática
e esse conceito. Apesar de óbvio, tal conceito ainda não foi
completamente assimilado por poderes públicos que insistem em manter
estruturas jurídico-institucionais dependentes em quase todas as
televisões estaduais. Mesmo na Europa a idéia é de difícil assimilação,
pois os governos nacionais não abdicam da gestão de suas televisões,
que melhor estariam administradas por conselhos representativos da
sociedade, como é o caso da televisão Cultura e, por exceção, na
Europa, da BBC.
Outro trabalho relevante da TV Cultura nos últimos
anos em favor da televisão pública tem sido sua luta pela sobrevivência
e evolução. O universo televisivo exige recursos abundantes, a
televisão comercial que o diga. Tecnologia exige recursos enormes,
sobretudo nesta fase de migração para a produção digital e logo mais,
para a transmissão digital. Conteúdo próprio ou terceirizado exige,
além de quadros criativos, verbas específicas para a produção.
Jornalismo, dramaturgia infantil e programação adulta noturna são
produções especialmente custosas. A verba pública dada pelo governo de
São Paulo, ainda que seja a maior do país, comparativamente às outras
televisões estaduais, é insuficiente. Acrescente-se a isso os
constantes contingenciamentos do orçamento estadual, devidos à política
de ajuste fiscal do estado. A Cultura inovou, ao arriscar, desde a
gestão Muylaert, ampliada na minha gestão e consumada na do Mario
Mendonça, uma política de busca de recursos próprios para complementar
o orçamento público. Isso foi feito, sucessivamente a partir de apoios
culturais, serviços prestados a terceiros, venda de produtos e
subprodutos televisivos e de publicidade. Na verdade a televisão
pública deve ser financiada pela sociedade, tanto o setor público
quanto o privado, mas a única satisfação que ela deve é à própria
sociedade, enfim, aos telespectadores. E para que essa satisfação,
realizada pela programação, não seja uma opção subjetiva de nenhum
iluminado, a TV Cultura tem um conselho curador que fiscaliza a
fidelidade da programação à missão da instituição. Tanto o dinheiro
estatal quanto o dinheiro proveniente da sociedade atrás da
publicidade, não podem impor seus interesses políticos ou
mercadológicos à programação da TV Cultura.
E essa tem sido a marca da TV Cultura na
consolidação da televisão pública no Brasil. Desde a sua fundação em
67, nascedouro da televisão educativa no Brasil, até mesmo durante o
acirramento da ditadura depois do AI5 e, finalmente nesta quadra
histórica, na qual o monetarismo prevalece sobre o humanismo, a TV
Cultura é fiel à sua missão: "Promover a formação crítica do
telespectador para a cidadania a partir de sua programação educativa,
cultural e informativa".
Jorge da Cunha Lima é
presidente do Conselho Curador da TV Cultura e presidente da
Abepec-Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e
Culturais.
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