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Artigo
TV pública e o trabalho da TV Cultura
Por Jorge da Cunha Lima
10/10/2006

Próxima dos 40 anos, a TV Cultura pode orgulhar-se de ter lançado o conceito de televisão pública e a prática correspondente.

A partir de uma programação de qualidade, voltada para o cidadão e não para o consumidor, a Cultura, no decorrer de quatro décadas, pode afirmar que o gosto é uma questão de oferta e não de demanda. E isso é uma questão fundamental.

O trabalho da televisão comercial sempre foi de buscar uma Audiência Universal: "todo o público, o tempo todo, ao mesmo tempo". Para tanto assumiu o pensamento do Ibope: quem define a qualidade da programação é a audiência. Com isso baixou o nível para atingir a todos. Veja-se o padrão da programação dos domingos. E isso porque, como afirma Eugenio Bucci: "O produto da televisão comercial não é a programação, mas a audiência". Produto que ela vende a preço de ouro.

Já o trabalho da televisão pública busca o Universo de Audiência, que implica na segmentação do público, tornando-o mais capaz de compreender. Com essa segmentação a televisão pública tem mais oportunidade de oferecer o que à sociedade precisa: uma televisão aberta, gratuita e de qualidade que produza paradigmas diversos dos da televisão comercial.

Assim, a programação educativa da Cultura não se resume a uma duplicação do currículo escolar, mas a uma programação educativa que envolve uma formação complementar, como os programas de línguas estrangeiras, o Professor Pasquale, o Café Filosófico, os Grandes Cursos Cultura, o Vestibulando e tantos outros. A programação cultural privilegia os produtos artísticos não consagrados no mercado comercial das artes, mas que tem um grande valor de identidade, apesar da pouca divulgação. A programação informativa, que denominamos jornalismo público é questão de honra para a Cultura. Um jornalismo que busca a compreensão do acontecimento e não o espetáculo da notícia. Já, a programação infantil, premiada em todo mundo e, sobretudo, pelo reconhecimento unânime das crianças brasileiras, é um exemplo de criatividade a serviço do conhecimento.

No Brasil, ao contrário da Europa, a televisão nasceu comercial e assim prosperou, bafejada pelo mercado e, posteriormente, pela ditadura militar, que necessitava de uma uniformização do gosto e da consciência nacionais.

Ao contrário, a televisão pública surgiu bem depois da comercial, como concessão de televisão educativa. Tal televisão nasceu manietada pela legislação da ditadura que, além de restringir o espectro de sua programação a aulas e conferências, proibia qualquer destinação de recursos, além das verbas públicas, até mesmo doações. Inicialmente a televisão de concessão educativa foi essencialmente escolar. Muito depressa, pelo espírito que norteou sua independência editorial e administrativa, a principal delas, TV Cultura de São Paulo tornou-se uma televisão cultural e informativa, com grande produção voltada para a programação infantil.

Em 88, com grande lucidez, a Constituição dividiu as águas, falando da complementaridade das televisões estatal, pública e privada. Há quase duas décadas a TV Cultura vem promovendo essa prática e esse conceito. Apesar de óbvio, tal conceito ainda não foi completamente assimilado por poderes públicos que insistem em manter estruturas jurídico-institucionais dependentes em quase todas as televisões estaduais. Mesmo na Europa a idéia é de difícil assimilação, pois os governos nacionais não abdicam da gestão de suas televisões, que melhor estariam administradas por conselhos representativos da sociedade, como é o caso da televisão Cultura e, por exceção, na Europa, da BBC.

Outro trabalho relevante da TV Cultura nos últimos anos em favor da televisão pública tem sido sua luta pela sobrevivência e evolução. O universo televisivo exige recursos abundantes, a televisão comercial que o diga. Tecnologia exige recursos enormes, sobretudo nesta fase de migração para a produção digital e logo mais, para a transmissão digital. Conteúdo próprio ou terceirizado exige, além de quadros criativos, verbas específicas para a produção. Jornalismo, dramaturgia infantil e programação adulta noturna são produções especialmente custosas. A verba pública dada pelo governo de São Paulo, ainda que seja a maior do país, comparativamente às outras televisões estaduais, é insuficiente. Acrescente-se a isso os constantes contingenciamentos do orçamento estadual, devidos à política de ajuste fiscal do estado. A Cultura inovou, ao arriscar, desde a gestão Muylaert, ampliada na minha gestão e consumada na do Mario Mendonça, uma política de busca de recursos próprios para complementar o orçamento público. Isso foi feito, sucessivamente a partir de apoios culturais, serviços prestados a terceiros, venda de produtos e subprodutos televisivos e de publicidade. Na verdade a televisão pública deve ser financiada pela sociedade, tanto o setor público quanto o privado, mas a única satisfação que ela deve é à própria sociedade, enfim, aos telespectadores. E para que essa satisfação, realizada pela programação, não seja uma opção subjetiva de nenhum iluminado, a TV Cultura tem um conselho curador que fiscaliza a fidelidade da programação à missão da instituição. Tanto o dinheiro estatal quanto o dinheiro proveniente da sociedade atrás da publicidade, não podem impor seus interesses políticos ou mercadológicos à programação da TV Cultura.

E essa tem sido a marca da TV Cultura na consolidação da televisão pública no Brasil. Desde a sua fundação em 67, nascedouro da televisão educativa no Brasil, até mesmo durante o acirramento da ditadura depois do AI5 e, finalmente nesta quadra histórica, na qual o monetarismo prevalece sobre o humanismo, a TV Cultura é fiel à sua missão: "Promover a formação crítica do telespectador para a cidadania a partir de sua programação educativa, cultural e informativa".

Jorge da Cunha Lima é presidente do Conselho Curador da TV Cultura e presidente da Abepec-Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais.