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Reportagem
Acesso à informação e gestão de saúde
Por Germana Barata
10/03/2008

Até 2015, 191 países aceitaram reunir esforços para promover o desenvolvimento e erradicar a pobreza. Para tanto, devem cumprir as Metas do Milênio, dentre as quais estão melhorias nas condições de saúde de suas populações, a exemplo da redução da propagação da Aids e da mortalidade infantil e materna, além da melhora do acesso a medicamentos, à água potável e saneamento básico. Atingir as metas, no entanto, exigiu um esforço para desenvolver indicadores capazes de retratar e comparar as condições de saúde de países tão desiguais. O Brasil se mobilizou e investiu, desde 1995, em informação para saúde. Hoje o desafio é mudar a cultura de gestores do setor a usufruírem do enorme volume de informações disponíveis e, assim, melhorarem a saúde dos brasileiros. “Há defasagem entre indicadores e sua utilidade”, lamenta Cláudia Travassos, pesquisadora do Laboratório de Informações em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Avaliar as condições de saúde de uma nação não é tarefa fácil. A construção de indicadores sofistica-se com o passar do tempo e com o surgimento de novas demandas e agravos do corpo. Tradicionalmente, o raio-X da saúde de uma população era dado pela mortalidade e sobrevivência. Porém, avanços no tratamento de doenças infecciosas, as vacinações em massa, a descoberta de cura de inúmeras patologias e a ampliação dos sistemas sanitários permitiram aumentar a longevidade e qualidade de vida dos pacientes, portanto, modificando as dimensões do estado de saúde. Os indicadores para saúde hoje disponíveis retratam a necessidade de ações intersetoriais e, portanto, abrangem dados sobre as condições ambientais, educacionais, culturais e socioeconômicos e podem ser tão específicos quanto as inúmeras doenças causadoras de perdas humanas.

A Rede Interagencial de Informações para Saúde (Ripsa), fruto de uma parceria entre a Organização Panamericana da Saúde (Opas) e o Ministério da Saúde, por exemplo, conta com 114 indicadores divididos em seis categorias: demográficos, socioeconômicos, mortalidade, morbidade/fatores de risco, recursos e cobertura. O Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, outra base de dados de saúde, trabalha com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) Municipal e outros 124 indicadores georreferenciados de população, educação, habitação, longevidade, renda, desigualdade social e características físicas do território. Ambas as bases de informação surgiram em resposta às Metas do Milênio, na década de 1990. Travassos acredita que a Ripsa foi o marco mais importante na melhoria de indicadores para saúde no país. “Mas ainda falta o gestor formular claramente as questões que quer responder e há problemas de atualização e modernização dos bancos de dados, além de um cuidado cotidiano de manutenção dessas informações”, enfatiza.

Os indicadores precisam ser acessíveis, confiáveis, fáceis de serem calculados, analisados e interpretados por seus usuários, relevantes e permitir a comparação da efetividade de alguns sistemas entre si, como os existentes em municípios e estados brasileiros.

Desenvolvimento humano sob a lupa

No início do ano os jornais anunciaram na primeira página que o Brasil passou a fazer parte do restrito grupo das nações com alto índice de desenvolvimento humano, graças a mudanças no seu IDH que atingiu 0,80 (em uma escala que vai de 0 a 1). Criado em 1990 pela Organização das Nações Unidas (ONU), o índice visa comparar a qualidade de vida de populações distintas a partir de dados de expectativa de vida, alfabetização adulta, taxa de matrícula na escola e na universidade e o Produto Interno Bruto (PIB) per capita . Parte desse bom resultado é fruto da melhoria dos indicadores de saúde, como a expectativa de vida, que subiu, e a queda na mortalidade infantil. O IDH, no entanto, reflete progressos de um país em nível macro, embora suas limitações escondam a enorme heterogeneidade existente entre e dentro das regiões, estados e municípios.

Uma tentativa de ver de perto as diferenças internas do país é usar o IDH Municipal (IDH-M). Ele indica, por exemplo, que a região Nordeste ainda é a mais pobre do país, com IDH-M inferiores a 0, 7 na maioria dos estados. Em relação aos municípios, 21 dos que registram IDH abaixo de 0,5, ou seja, com baixo desenvolvimento humano, 19 estão no Nordeste e os outros dois pertencem ao Amazonas. O resultado apresentado por esse índice define o orçamento que será repassado para cada município, como forma compensatória. Dentro de municípios menores a qualidade e a confiabilidade dos indicadores piora bastante. “Um exemplo disso é a taxa de mortalidade ser bastante instável nestas localidades, já que poucos óbitos têm chance de ocorrer em um curto período de tempo. Além disso, os indicadores provenientes de dados das pesquisas amostrais de base populacional realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são raramente disponíveis no âmbito do município”, explica Silvia Porto, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), em artigo publicado em 2007, que avalia uma metodologia de alocação de recursos financeiros do setor de saúde.

Rozana Mesquita Ciconelli, da Escola Paulista de Medicina (da Unifesp) afirma por sua vez que: “não basta saber o quanto cada país aloca no setor saúde como percentual de seu PIB, o mais importante é quão eficientemente esses recursos têm sido empregados”. A afirmação, exposta no artigo "Indicadores de saúde no Brasil: um processo em construção", corrobora com informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão de que “o Brasil gasta três vezes mais que a China per capita na área de saúde, mas tem indicadores semelhantes de mortalidade infantil e expectativa de vida”.

O investimento em informação de qualidade no país é recente, data de 1995, e hoje traduz-se em acesso facilitado a indicadores que geram dados que definem para onde vão os investimentos, quem são os grupos mais atingidos e quais as estratégias necessárias para melhorar a saúde. Sua disponibilidade na internet fomenta pesquisas na área de saúde pública, mas ainda há grandes deficiências de informação. Um exemplo são os dados das tradicionais taxas de mortalidade, que começaram a fazer parte de um sistema universal no país a partir da década de 1970. Segundo João Batista Risi Jr, coordenador da Ripsa na Opas, “cerca de 10% dos óbitos no país não são captados pelo sistema”, afirma, exemplificando com o caso de crianças que morrem no interior e são enterradas sem terem sido sequer registradas. Com base nessa informação é possível inferir o quanto é preciso evoluir nesse cenário. No caso brasileiro a situação é mais delicada por se tratar de um sistema federativo, onde “as coisas acontecem de maneira mais lenta”, diz Risi Jr, no qual o sistema de saúde depende de decisões e informações municipais, estaduais e federal.

Ao que tudo indica, os municípios terão que se modernizar e investir em informação de qualidade para serem capazes de abarcar mais verbas para a saúde. No final do ano passado, o ministro da saúde José Gomes Temporão anunciou que está em formação um fundo com recursos para os estados e municípios que tiverem um desempenho acima da média no cumprimento das metas a ser atingidas. “Não é uma competição entre estados. Cada estado terá como base o próprio desempenho, mas terá que demonstrar que está tendo desempenho superior e  por que deve ser premiado”, afirmou Temporão em notícia divulgada pelo Ministério da Saúde.

Leia mais:

- Epidemiologia e indicadores de saúde, artigo de Darli Antônio Soares e colegas.
- Estudo da tendência secular de indicadores de saúde como estratégia de investigação epidemiológica, artigo publicado na Revista de Saúde Pública em 2000.