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Artigo
Ciclo eleitoral de 2006 vai definir os rumos da América Latina
Por Emir Sader
10/04/2006
O ano de 2006 começou para a América Latina, com a eleição de Evo Morales para a presidência da Bolívia, o acontecimento mais importante da história desse país e um dos mais importantes do continente no ano. O longo ciclo de dez eleições presidenciais na região segue com a eleição de Michele Bachelet como primeira mulher presidente do Chile, determinando o quarto mandato seguido da aliança entre os socialistas e os democrata-cristãos.

Se a eleição da Costa Rica, em fevereiro de 2006, não apresentou novidade, a do México, em julho, em turno único, promete ser das mais importantes do ano, junto com a brasileira. Depois de ter tido sua vitória literalmente roubada – segundo confissão nas memórias do ex-presidente Miguel de la Madrid, do PRI (Partido Revolucionário Institucional) – em 1988, com Cuahutemoc Cardenas, o PRD (Partido da Revolução Democrática) é de novo favorito para eleger o presidente do México.

O ex-governador do Distrito Federal mexicano, Andrés Manoel Lopez Obrador, está em primeiro lugar nas pesquisas, na frente de um ex-ministro do presidente Vicente Fox, do PAN (Partido de Ação Nacional), e do mesmo candidato do PRI que concorreu na eleição anterior. Caso ganhe Lopez Obrador, se ampliará o campo de alianças para a integração latino-americana. Mesmo sem sair do Tratado de Livre-comércio da América do Norte, o hoje candidato do PRD se aproximaria do Mercosul e dos outros projetos de integração continental, aumentando ainda mais o isolamento dos Estados Unidos na América Latina.

Na Colômbia, depois de conseguir uma reforma eleitoral que introduziu a reeleição, o conservador Álvaro Uribe é favorito para seguir no governo, com o apoio irrestrito do governo de Bush. Com isso, se intensifica a guerra contra as organizações guerrilheiras, embora a oposição a seu governo tenha crescido, a ponto de ele ter perdido um plebiscito e de, nas eleições municipais, os candidatos opositores tenham vencido, inclusive na capital, Bogotá.

Eleições determinantes

No Peru, um candidato nacionalista surpreende e supera os votos de uma candidata empresarial, conservadora, que liderava as pesquisas, para a eleição presidencial, cujo primeiro turno foi ontem (9 de abril de 2006). Na Nicarágua, os sandinistas têm uma nova oportunidade de retornar ao governo, seja na versão oficial de Daniel Ortega, seja na dissidente do prefeito de Manágua, Herty Lewites.

A eleição equatoriana, de outubro, é uma incógnita. Depois de eleito com o apoio do movimento camponês e indígena daquele país, Lúcio Gutierrez assinou acordos com o governo estadunidense que feriam diretamente sua própria plataforma eleitoral. Não demorou para que esses movimentos rompessem com o governo, pagando no entanto o preço de não haver construído sua própria alternativa, dividindo-se e mantendo alguns setores minoritários no governo. O quadro eleitoral ainda não está desenhado, mas os partidos tradicionais, que tiveram depostos seus últimos três presidentes eleitos por mobilizações sociais, podem voltar ao governo.

No Brasil se decide muito do futuro da América Latina. A política externa brasileira colocou o país como eixo de uma ampla aliança, que vai de Cuba e da Venezuela por um lado, até a Argentina e o Uruguai, incorporando agora certamente a Bolívia. A continuidade dessa política permitirá, agora com um campo mais amplo de ação – incluindo a Bolívia e eventualmente o México e o Peru – consolidar o único espaço de integração em escala internacional com autonomia em relação aos Estados Unidos. Um eventual retorno da aliança tucano-pefelista representará, não apenas uma possível desarticulação dessa aliança ampla, com a desaparição do seu eixo, como significará, para os estadunidenses, a conquista de um aliado importante, que romperá seu isolamento, depois que o fracasso do governo de Vicente Fox demoliu a aposta que faziam no ex-gerente geral da Coca-Cola como seu principal aliado no continente.

As declarações de FHC, saindo de reuniões em Washington, com próceres do governo dos Estados Unidos, criticando a Venezuela, soam como música aos ouvidos do governo Bush e revelam o papel que essa aliança direitista teria num eventual retorno ao governo, no plano internacional. Os alvos principais da política externa seriam os ataques à Venezuela, à Cuba e à Bolívia, para isolá-los, assim como à Argentina – onde Nestor Kirchner tem boa chance de se reeleger, em abril de 2007, fechando o ciclo eleitoral aberto em dezembro de 2005, o mesmo acontecendo com Hugo Chávez, em dezembro de 2006.

O certo é que a América Latina será outra depois desse ciclo eleitoral, mais integrada e progressista ou dividida e conservadora, com o fortalecimento do governo Bush no continente. É um ano longo, que começou em dezembro de 2005 e segue até abril de 2007, em que as eleições do México e – principalmente – do Brasil serão as mais decisivas.

Emir Sader é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas desta universidade.

* Este artigo foi publicado originalmente na Agência Carta Maior.