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Entrevistas
André Roberto Martin

Livre-docente em Geografia Política e professor da Universidade de São Paulo, o pesquisador André Martin fala sobre a proposta de um novo mapa político brasileiro.

Aline Naoe
10/11/2011

Contrário às propostas de criação de novos estados, o geógrafo André Martin, da Universidade de São Paulo, comenta sua visão sobre um novo mapa político para o Brasil, com estados mais fortes e com maior representatividade no Congresso. 

Nas discussões sobre a criação de novas unidades federativas no país, que poderá deixar o Brasil com mais sete estados e quatro territórios, o geógrafo André Roberto Martin se destaca, não só por suas críticas aos interesses envolvidos em tais propostas, como pela defesa - na contramão de todos os projetos até hoje apresentados ao Congresso - da fusão dos estados, reduzindo para 14 seu número. Para o pesquisador especialista em Geografia Regional e Política, é preciso dar aos estados maior representatividade e reduzir o desequilíbrio entre eles. Martin concluiu doutorado em Geografia Humana na Universidade de São Paulo (USP), onde hoje é livre-docente, defendendo a tese “As fronteiras internas e a questão regional do Brasil”, em que propôs um novo mapa político para o país. Desde então, Martin desafia cientistas políticos e economistas a encontrar uma solução para as desigualdades regionais e para a disparidade de representação política dos estados sem promover mudanças no território.

 

ComCiência – Em sua visão, quais os principais problemas do atual mapa político brasileiro? 

André Martin – Acredito que o maior problema do mapa político brasileiro hoje seja a distorção entre estados e regiões. Para um estado, é interessante a existência de várias regiões, pois traz a possibilidade de cooperação. O fato de haver, num mesmo território, várias regiões geográficas é interessante para os estados. E é por isso que justamente aqueles estados com maior extensão territorial, maior diversidade regional, têm um elemento favorável. Só que é o inverso do ponto de vista da região, ou seja, uma região não pode ser retalhada em muitos estados porque perde força. Para ficar mais claro, a África, por exemplo, tem muitos estados e isso a enfraquece enquanto região. A América do Norte tem poucos estados, isso a fortalece. Os Estados Unidos têm várias regiões, isso fortalece os estados. Se usarmos essa ideia, vamos verificar que um dos problemas no Brasil é justamente que as regiões mais desenvolvidas têm poucos estados e as subdesenvolvidas têm muitos. Comparando a Amazônia, ou o Nordeste com Sudeste e Sul, temos 17 estados no Norte e Nordeste contra seis no Centro Sul, então, isso cria um problema de poder político, da representação política estar dissociada da representação econômica. O centro econômico está sub-representado e a periferia econômica está sobrerrepresentada. Esse me parece ser o maior problema, o que a divisão do Pará só agravaria. 

ComCiência – O senhor defende uma redefinição territorial do Brasil, fundindo estados e alterando a atual configuração das macrorregiões do país (resultando em 14 estados e a criação de três territórios federais). Que vantagens essa mudança poderia proporcionar ao país? 

André Martin – Em primeiro lugar, fortaleceria as regiões mais frágeis, o Norte e o Nordeste, e levaria a um maior equilíbrio nacional. O objetivo da fusão de estados é combater os desequilíbrios regionais e conseguir uma federação mais equilibrada, no sentido da diminuição da desproporção entre os grandes e os pequenos estados, já que os micro-estados - pequenos e frágeis economicamente -, seriam fundidos com os estados maiores. O foco da minha análise se concentra na história de Pernambuco e do Nordeste. Pernambuco, quando era a principal capitania no período colonial, era um território muito maior. Então, a capitania geral de Pernambuco (com a polaridade de Recife e Olinda) abrangia uma área muito extensa, indo do que hoje é o Ceará até o sul da Bahia. No entanto, a medida que havia revoltas no Recife, o governo metropolitano punia essas revoltas e retalhava o território pernambucano. Assim, Pernambuco encolheu, perdeu território, poder e ficou atrasado.

Eu proponho uma espécie de resgate dessa antiga capitania geral para que haja no Nordeste um estado que realmente tenha densidade urbana, econômica e demográfica, capaz de sustentar um auto-governo de fato, que seja um polo. Afinal, qual é o princípio do federalismo? Justamente o self government, o auto-governo das comunidades. Essa ideia vai na direção de duas noções: uma democrática, no sentido de evitar a concentração de todo o poder no centro nacional; e a segunda, em favor da diversidade, para preservar as diferenças culturais que são consideradas interessantes. Nos países unitários não é assim, a capital espalha um padrão homogêneo por todo o território nacional. Então, é muito importante lembrarmos que a ideia de Federação nasce justamente para proteger a União contra inimigos externos. Foi isso que fez com que as 13 colônias se unissem, para garantir a independência contra os poderes metropolitanos europeus. 

ComCiência –  A proposta de fusão dos estados foi desenvolvida durante seu doutorado, na década de 1980. Os argumentos da tese se mantêm até hoje? 

André Martin – Sim, os mesmos argumentos são mantidos. Inclusive, nesse tempo todo, claro que aprendi muitas outras coisas, mas continuo firme com a seguinte questão: eu desafio quem consiga solucionar o problema das desigualdades regionais, da diferença de representação na Câmara, no Congresso Nacional, no Senado e resolver o problema das disparidades econômicas e das distorções da representação política sem mexer no território. Esse é meu desafio a cientistas políticos e economistas: uma resposta sem mexer no território.

ComCiência – O senhor acredita que essa redefinição poderia ajudar a reduzir ou até mesmo solucionar conflitos relacionados à disputa de terras no Brasil? 

André Martin – Existe uma questão territorial que envolve a distribuição da terra e a organização política territorial. E é exatamente por isso que a tese da fusão de estados encontra tanta resistência no Brasil. Porque como o país ainda é dominado politicamente pelo “agrarismo”, pelas classes latifundiárias, o que acontece é que elas preferem retalhar politicamente o território e manter o predomínio do latifúndio. A própria ideia de dividir o Pará reproduz o padrão latifundiário em mais dois novos estados. Se você faz o movimento inverso, ou seja, de fusão territorial, há a possibilidade de quebrar a hegemonia do latifúndio, do agrarismo no país. 

ComCiência – Qual sua opinião sobre a história das divisões territoriais no país, desde as primeiras organizações, como as capitanias hereditárias, até agora, com as propostas de criação de novos estados? 

André Martin – Todas as propostas que estão no Congresso repetem o padrão das capitanias, das sesmarias. Ainda estamos na época colonial, porque, nesse período, a divisão territorial era um loteamento para ocupação de um espaço vazio. Ainda hoje existe essa mentalidade colonial. E o fio condutor que junta as duas pontas é a permanência do latifúndio. Imagine, como eu proponho na minha tese, que Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte se fundissem. O que isso representaria? Primeiro, as oligarquias rurais teriam que disputar entre si a hegemonia política, e, portanto, os vários clãs que dominam a política desses estados teriam que negociar politicamente. Ou seja, haveria uma competição entre as elites. O contrário acontece do ponto de vista dos trabalhadores, porque sendo a cana-de-açúcar a maior fonte de renda dos quatro estados, os sindicatos dos cortadores de cana desse grande Pernambuco teriam uma força política tremenda. Nesse território unificado, a força da classe trabalhadora seria muito maior. Ora, isso deixa muito claro, que a estratégia de dominação dos senhores de terra é exatamente a velha fórmula do dividir para dominar. No quadro atual, ocorrem negociações pulverizadas, pois são quatro sindicatos de cortadores de cana que têm que enfrentar quatro polícias militares diferentes e quatro poderes judiciários. Então, para as oligarquias é uma festa, porque elas distribuem seus poderes pelos estados. Uma grande família oligárquica do Rio Grande do Norte, por exemplo, tem filhos que são desembargadores na Paraíba e assim sucessivamente, ou seja, eles não ficam inteiramente restritos à fronteira do estado. Em compensação, os trabalhadores estão todos confinados a pequenos territórios, submetidos ao controle daquelas famílias importantes, continuamos no coronelismo. 

ComCiência – Para o senhor, quais consequências as propostas que tramitam no Congresso podem acarretar, caso aprovadas? 

André Martin – Em primeiro lugar, um tumulto no Congresso. Isso aumenta o número de congressistas ou mantém o mesmo teto de 513 deputados? Como fica isso? Teria que ampliar a Câmara? Mas em função de quê, do número de habitantes? E no Senado? No Senado não, pois o número é fixo, são três senadores por estado. Conclusão: esse retalhamento do Norte e do Nordeste vai dar no Senado um poder cada vez maior aos senhores de terra. Com isso, a reforma agrária não será aprovada nunca. Por que a reforma agrária no Brasil está emperrada até hoje? Exatamente por isso. Porque é uma proposta que deveria nascer no Congresso e é impossível. E aí está a grande distorção porque, apesar de tudo, a modernização vai levando à urbanização e, portanto, a população dos estados do Centro Sul cresce. Não cresce o número de deputados, mas deveria – quanto maior a população, maior deveria ser o número de representantes. Mas e no Senado? Ali não tem jeito, porque são três por estado. O número de deputados não acompanha a evolução demográfica. Tanto é que São Paulo tem um teto de representação de 70 deputados e isso significa dizer que esse estado é o mais sub-representado de todos no Congresso. Ou seja, o poder está sendo retirado de quem? Exatamente da classe operária que está concentrada no estado industrial mais avançado. Além disso, a instalação de uma nova unidade político-administrativa, um novo estado, tem custos enormes. Um novo Judiciário, Legislativo, Secretarias... Todo um aparato que custa bem caro. 

ComCiência – A fusão dos estados também representaria gastos à administração pública?

André Martin – Pelo contrário, representaria economia. Se essa ideia da fusão se efetivasse, seriam concentrados os recursos nas atividades fim, ao passo que, do jeito que está, há desperdício dos recursos em burocracia. 

ComCiência – Como o senhor se coloca em relação ao que está acontecendo no Pará, onde as discussões sobre a divisão do estado já culminaram na decisão sobre um plebiscito? 

André Martin – Será a primeira vez que vai haver um plebiscito sobre isso e eu considero um avanço, pois pela primeira vez a população é convocada a se manifestar sobre um problema territorial. E eu suspeito que vai ganhar a unidade. O Pará é um estado muito rico em minérios. Essas duas propostas de divisão são, na verdade, províncias minerais. Está evidente que as elites locais querem controlar os recursos minerais e essa divisão facilitaria esse controle. O dinheiro não iria mais para Belém, ficaria em cada um desses novos estados. Uma coisa que nunca ninguém discute: há um elogio recorrente em relação ao estado novo acerca do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Isso não é muito válido, pois se ele era um estado inexistente, sem atividade econômica, é claro que após um loteamento e o início da produção econômica, o PIB vai crescer. Mas e o prejuízo do estado-mãe? Isso ninguém fala? No caso específico do Pará, a situação é dramática, porque Belém é uma cidade com muita pobreza. O disparate é esse, um estado tão rico em termos minerais e com uma população tão pobre na periferia. Os separatistas vão aprofundar essa distorção.