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O financiamento à inovação no Brasil
Solange Corder e Antônio Márcio Buainain
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Artigo
O financiamento à inovação no Brasil
Por Solange Corder e Antônio Márcio Buainain
10/07/2013

A inovação envolve, em geral, risco muito elevado. E em todos os países líderes e conhecidos pelo dinamismo inovador das empresas e sociedade, o Estado e a política pública têm uma participação relevante no sentido de estimular e viabilizar os esforços inovadores. Isto se dá por meio de vários instrumentos, entre os quais se destacam os investimentos e gastos na montagem da infraestrutura de ciência e tecnologia, cada vez mais custosa, e que é responsável pela geração do conhecimento necessário para alimentar o processo de inovação.

Também são extremamente importantes os mecanismos de mitigação dos riscos inevitáveis, por intrínsecos, à inovação, em particular daquelas inovações classificadas como “radicais”, que mudam, de forma profunda, o funcionamento de uma indústria e da sociedade. Quando empresas e instituições de ciência e tecnologia (ICTs) iniciam investimentos em determinadas pesquisas, a incerteza técnica tende a ser muito elevada, pois não há nenhuma garantia de que os resultados serão positivos e rentáveis. Caso os resultados venham a ser comercializáveis, ainda há que se enfrentar a incerteza do próprio mercado. Por isso, muitos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), quando de interesse da sociedade, precisam ser subvencionados, ou seja, o setor público aporta recursos para reduzir os custos envolvidos.

Outro mecanismo extremamente relevante é o financiamento de projetos cooperativos entre empresas e ICTs. No Brasil fala-se muito que poucas empresas brasileiras têm capacidade endógena para executar projetos de P&D, o que é verdade. Pelos dados da última Pintec ( IBGE/Pintec, 2008), das 41.300 empresas que declaram ter realizado inovações de produto e de processo entre 2006-2008, apenas 4.754 (11,5%) mantinham P&D interno, destacando-se as empresas do setor industrial. Mais que uma falha, isso revela um traço do modelo brasileiro, mais parecido ao europeu que ao americano. Ora, nessas condições, é fundamental investir na capacidade das ICTs para desenvolver tecnologia – além de gerar conhecimento e formar recursos humanos qualificados; mas é igualmente fundamental criar uma institucionalidade que permita a cooperação entre essa rede de instituições de ciência e tecnologia e as empresas, e promover, de forma ativa, essa cooperação. A Lei de Inovação é um marco importante nessa direção, mas não suficiente.

Finalmente, a inovação vai muito além das atividades de P&D, que representa apenas uma etapa de todo o processo. Depois que o departamento de P&D da empresa ou a ICT concluem o desenvolvimento do produto/tecnologia/processo inovador é preciso testá-lo em escala industrial, avaliar as condições de mercado, definir o modelo de negócio etc. Tudo isso, desde o P&D até a chegada do mercado, envolve riscos, pode demorar anos e requer recursos financeiros para bancar os gastos/investimentos enquanto a inovação potencial não se transforma em inovação de fato. Por isso, em todo o mundo, o sistema de crédito subsidiado oferecido por meio de instituições públicas é muito importante.

O Brasil conta, atualmente, com todos esses instrumentos para apoiar, financiar e incentivar a inovação. São instrumentos de crédito com taxas equalizadas de juros, de subvenção econômica e outras formas de apoio não reembolsável, como os projetos cooperativos entre empresas e ICTs, incentivos fiscais e recursos de participação societária em fundos de investimentos em empresas emergentes (FMIEE) e em fundos de participação (FIP).

Essa estrutura foi o resultado da política de ciência, tecnologia e inovação implantada no Brasil a partir de fins dos anos de 1990, que ampliou o volume de recursos por meio da criação dos fundos setoriais (FS) e de algumas iniciativas recentes do governo federal, com a criação do Programa de Sustentação do Investimento (PSI).

Inicialmente foram criados 11 fundos e posteriormente este número se elevou para 17, sendo 14 fundos setoriais para pesquisa; 1 fundo para infraestrutura de pesquisa; 1 fundo para interação universidade-empresa; 1 fundo regional que destina recursos para a Amazônia. Os recursos captados compõem o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e são gerenciados pela Finep - Agência Brasileira de Inovação (originalmente denominada Financiadora de Estudos e Projetos, que deu origem à sigla).

Em 2004, foram instituídas as “ações transversais” que, sem captação própria, passaram a absorver em torno de 50% dos recursos de cada fundo setorial. O objetivo foi corrigir o desequilíbrio setorial dos recursos vinculados a setores específicos e possibilitar a articular ações transversais de natureza mais estratégica e transformadora da estrutura produtiva do país. As “ações transversais”, ao permitirem que os recursos captados junto a determinado setor sejam alocados em outro, geraram certo desconforto para as empresas e para os comitês gestores que foram estabelecidos para definir as prioridades para a alocação dos recursos. Essa solução desqualificou o modelo de gestão compartilhada, que se constituía em uma das inovações do modelo dos FS.

Embora a captação dos FS se dê junto ao setor produtivo, as restrições legais dificultam que o aporte não reembolsável seja feito diretamente nas organizações empresariais com fins lucrativos. Como a proposta da política de ciência, tecnologia e inovação não visa apenas financiar o desenvolvimento tecnológico, mas também promover a geração do conhecimento científico e facilitar sua apropriação pelas empresas – responsáveis em última análise pela inovação –, o modelo dos fundos setoriais previa que a maior parte dos recursos seria destinado ao financiamento de projetos elaborados em parceria com as instituições de ciência e tecnologia (ICTs). Ao setor empresarial caberia, inclusive, o aporte de contrapartida financeira.

Os recursos dos fundos setoriais permitiram ampliar a infraestrutura científica e tecnológica e incentivar os investimentos em inovação, assim como promover diversas iniciativas em prol do aumento da competitividade em escala nacional. Uma iniciativa, embora ainda tímida, foi o incremento das parceiras entre ICTs e empresas. Outro destaque foi a ampliação do marco legal, com a Lei de Inovação, que além de regular a interação entre ICTs e empresas, deu outras importantes providências em direção ao incentivo ao desenvolvimento tecnológico e à inovação. A Lei de Incentivos Fiscais (nº 11.196/05) também ampliou os benefícios às empresas que investem e gastam com P&D e passou a ser um importante mecanismo adotado pelas empresas para reduzir os custos dos investimentos em projetos inovadores. No período de 2006 a 2013, estima-se que a renúncia fiscal esteja em torno de R$ 11,9 bilhões.

Ao longo da última década foram adotadas várias medidas de políticas estabelecidas para ampliar o montante de recursos financeiros e destiná-los às atividades de inovação, dentre as quais está a Lei nº 9991/00, que reproduziu, para o setor de energia elétrica, o mecanismo estabelecido em 1998, para o setor de petróleo, o qual obrigava as empresas petrolíferas a destinarem a atividades de P&D 1% do faturamento bruto do campo, com a exploração de petróleo e gás natural dos poços abertos após o fim do monopólio de petróleo. A Lei nº 9991/00 estabeleceu que as empresas do setor de energia elétrica deveriam destinar uma parcela de sua receita operacional líquida em P&D, variando de 0,5% a 1%, conforme o período, e em eficiência energética (de 0,25% a 0,75%). Houve uma profunda modificação no marco regulatório do setor e a criação da ANEEL, que passou a ser a agência reguladora e também a gestora dos recursos para a P&D e eficiência energética.

Apesar dos avanços obtidos, boa parte dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico destinou-se muito mais aos projetos institucionais do que empresariais, revelando que ainda há vários limites a serem superados e que o governo tem uma contribuição efetiva no financiamento à inovação. São limites de diversas naturezas relacionados com a governança, com o aparato legal, com as agências de financiamento, com a capacidade de mobilização das empresas, dentre outros.

O FNDCT contratou um número crescente de projetos nos treze anos transcorridos desde a reforma, por meio da Finep e do CNPq, perfazendo mais de trinta mil projetos financiados, somando mais de R$ 11 bilhões. Cerca de 15% desse montante destinou-se a projetos de empresas, por meio da subvenção econômica. As instituições de pesquisa, no entanto, foram as mais beneficiadas, não apenas pelo montante destinado ao financiamento de projetos de infraestrutura de pesquisa (cerca de 22% dos recursos), mas por meio de diversos projetos que em sua grande maioria não foram realizados em parceria com as empresas, tal como estava previsto pela legislação que concebeu os FS. A atuação das empresas nesses projetos de cooperação com as ICTs continua tímida.

Esse resultado pode ter sido decorrência das mudanças efetuadas na estrutura de governança dos fundos setoriais. Apesar da perspectiva inovadora e da expectativa da gestão compartilhada, o governo continuou a ditar as prioridades por meio do comitê de coordenação, enfraquecendo a participação dos comitês gestores no processo de tomada de decisão.

Muitos dos programas criados ao longo desse período foram encerrados, dando lugar a outros novos, revelando uma certa instabilidade com relação à definição das prioridades. Mais recentemente, o governo lançou o Plano Inova Empresa e passou a estimular o uso de mais de um tipo de financiamento para um mesmo projeto, com destaque para o instrumento de crédito, que compõe cerca de 73% dos recursos disponibilizados pelo novo plano, por meio de uma parceria entre a Finep e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), perfazendo um total de R$ 32,9 bilhões até 2014.

Além das iniciativas federais, o sistema de inovação brasileiro também se beneficiou dos programas e das linhas de crédito do BNDES, assim como os programas das Fundações de Amparo à Pesquisa, ainda que boa parte deles tenham sido levados adiante com recursos dos próprios fundos setoriais. O Funtec (Fundo Tecnológico), do BNDES, também beneficiou alguns projetos cooperativos entre universidades e empresas. Foram cerca de 90 projetos contratados no período 2006/2012, com um montante de cerca de R$ 214 milhões.

Pode-se deduzir que foram muitos os avanços conseguidos em termos da expansão do sistema nacional de inovação (SNI), mas ainda há diversos limites a serem superados para que o governo venha a ter uma contribuição efetiva de modo a incentivar as empresas a reforçarem suas estratégias de competitividade baseadas em fatores tecnológicos e na inovação.

Solange Corder é consultora SPR Gestão em Inovação Empresarial e professora visitante do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Antonio Márcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp.