Reportagem |
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A fantástica fábrica de cheiros |
Por Fábio Reynol
10/09/2007
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Ao borrifar o seu perfume preferido todas as manhãs, você injeta alguns centavos num mercado que movimentou R$ 18,2 bilhões no Brasil em 2006; um montante bastante razoável que garantiu ao país o terceiro lugar mundial no consumo de cosméticos. A vaidade brasileira perde apenas para os super-ricos mercados norte-americano e japonês e deixou para trás no ano passado a França, meca da perfumaria mundial. O Instituto de Pesquisas Euromonitor, que analisa os dados do setor de cosméticos no mundo inteiro, apurou que, enquanto o consumo global de cosméticos cresceu 1,2%, no período, no Brasil as vendas expandiram 26%.
O aumento da renda dos brasileiros e a redução da carga tributária de produtos como o protetor solar são alguns dos fatores responsáveis pelo bom desempenho do setor segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec). Outro ponto a ser considerado é a participação dos produtos brasileiros no exterior, mesmo com o dólar desvalorizado, as vendas externas cresceram 20% no ano passado. Foram US$ 500 milhões em perfumes e cosméticos brasileiros consumidos lá fora, em 2006.
O mais impressionante é que os tempos áureos do segmento acabaram de começar. Apesar de ter uma indústria cosmética secular, o Brasil só se tornou páreo para as gigantes internacionais nesta década, praticamente um século depois de a indústria de produção em larga escala ter começado por aqui. O italiano José Milani foi um dos pioneiros. Em Valinhos, interior de São Paulo, a fabriqueta José Milani & Cia desenvolveu em 1913 um sabonete cor-de-rosa. O novo produto se tornaria um sucesso de vendas e seu nome acabaria rebatizando a empresa, Gessy. O empresário Francisco Matarazzo entrou no ramo em 1925 quando inaugurou uma seção de perfumaria em uma de suas fábricas, em São Paulo. E, em Belém do Pará, surgiu em 1924 a produção brasileira de sabonetes finos pelas mãos de Mário e Antônio Santiago. Era o nascimento da Phebo.
Antes deles, a produção de perfumes, talcos e sabonetes era artesanal e estava a cargo das farmácias cujo exemplo mais famoso é a Casa Granado. O estabelecimento atendia, desde 1870, pela pomposa razão social de “Imperial Drogaria e Pharmacia de Granado & Cia”. O nome lembrava que a casa era a fornecedora oficial da corte imperial, e seus produtos (muitos presentes até hoje nas prateleiras como o Polvilho Granado) levavam o brasão do império estampado nas embalagens.
Perfume e moda
Enquanto o Brasil engatinhava na produção de perfumes, a França começava o século XX realizando um casamento que jamais seria dissolvido entre a indústria da moda e a da perfumaria. O mentor dessa união foi, é claro, um estilista, Paul Poiret. Já consagrado no mundo da moda, ele teve a ousadia de criar a própria indústria de perfumes, a Parfums Rosine, em Paris, capital da perfumaria da época e lar de monstros sagrados da fragrância como Coty, Caron e Guerlain. A butique de Poiret inovou ao vender perfumes ao lado de roupas e o conceito de estilo seria ampliado para as sensações olfativas. “Hoje, cada estilista tem pelo menos uma fragrância com seu nome”, diz Renata Ashcar autora do livro Brasilessência que conta a história do perfume.
Em uma entrevista recente, a diretora geral da LVMH - Parfums e Cosmetiques do Brasil Ltda, Evelyse Britto, revelou que o faturamento de perfumes é superior ao faturamento da moda. A Christian Dior, por exemplo, fatura um bilhão de euros por ano com seus perfumes, enquanto a moda lhe rende 600 milhões de euros. “Mas os investimentos em perfumes são maiores, portanto, apesar de vender mais é menos rentável percentualmente” contou a diretora. A LVMH (Louis Vuitton Moët Hennessy) é uma das maiores empresas mundiais de perfumaria e representa marcas como Christian Dior, Guerlain, Givenchy e Kenzo.
Perfume-celebridade
Na última década do século XX, a perfumaria encontraria outra parceira de peso para unir forças, a indústria cultural. Familiarizados a consagrar personalidades dos mais variados ramos e em escala mundial, os meios de comunicação de massa forneceram matéria-prima para a criação de novas marcas. Atores, modelos, cantores, qualquer celebridade que se destaque é candidato a ter um perfume com o próprio nome. Os atores Antonio Bandeiras e Sarah Jessica Parker, as cantoras Britney Spears e Jennifer Lopes e os atletas David Beckham e Gabriela Sabatini já são grifes de perfume.
"A personalidade da pessoa passa para o perfume", explica a publicitária Elizabeth Vansan, especializada em marketing de mercado. A fama funciona como uma publicidade prévia do produto e os conceitos que teriam de ser mostrados durante a campanha já são conhecidos do consumidor que se identifica com o famoso. "Mas a estratégia é uma faca de dois gumes", alerta a publicitária. "Se a celebridade se envolve em um escândalo, o seu produto também estará lá", exemplifica Elizabeth. "Por isso, nem todas as grandes marcas gostam de usar os famosos para batizar seus perfumes, algumas grifes preferem usá-los só como garotos-propaganda." No entanto, os perfumes com nomes de olimpianos são cada vez mais comuns, mesmo quando os astros homônimos não são exatamente um exemplo de conduta . Paris Hilton que o diga. A herdeira da rede de hotéis que leva o seu sobrenome tentou alavancar uma carreira artística calcada em escândalos e lançou uma fragrância com o próprio nome que transporta o seu atributo mais conhecido, a irreverência.
Nasce um perfume
Segundo Elizabeth, vender perfume é uma atividade complexa porque a utilidade prática do produto não está explícita. “O que se vende, na verdade, são os conceitos por trás da fragrância: estatus, sedução, independência etc.”, explica. O processo de venda de um perfume começa em sua concepção. Para criar uma nova fragrância, especialistas em marketing se reúnem para determinar o seguimento de mercado a ser atingido e os conceitos envolvidos. Com um briefing do futuro produto em mãos, o próximo passo é visitar uma casa de fragrâncias. Givaudan, IFF e Quest são os maiores representantes mundiais desse ramo, uma espécie de maternidade dos cheiros. Estão lá as principais essências naturais e sintéticas que devem ser misturadas em diferentes proporções até que se chegue ao aroma pretendido, e aprovado, pelo cliente.
Processo de produção
Algumas indústrias desenvolvem o seu próprio método de captar certas essências. Para criar a sua primeira eau de parfum (produto mais diluído do que o perfume) a paranaense O Boticário ressuscitou uma técnica medieval de extração de essências, a enfleurage. Aprimorada na cidade francesa de Grasse, grande centro produtor de perfumes da Idade Média, a técnica consiste em acondicionar flores em um recipiente fechado de modo que elas fiquem em contato com um meio gorduroso. Dessa gordura se obtém os óleos essenciais para a fabricação do perfume. A enfleurage desenvolvida sob encomenda para o Boticário dispensa a gordura animal original, substituída por uma vegetal equivalente.
A criatividade brasileira tem se destacado na extração de aromas. O Boticário também é responsável pelo desenvolvimento de um método inusitado para a obtenção de uma essência. A empresa investiu R$ 3,2 milhões na criação de um perfume masculino a partir do álcool de vinho. Inspirado na produção vinícola, o Malbec é macerado em tanques de carvalho francês. O resultado é um perfume madeirado com notas cítricas e um processo de fabricação em vias de patenteamento.
Embalagem, o perfume dos olhos
Paralelo ao desenvolvimento do perfume, segue a criação de seu frasco. Em um comércio que lida com os sentidos a embalagem deve ser para os olhos, o que seu conteúdo representa para os narizes. Baseado nisso, o perfumista francês François Coty, no início do século XX cunhou a máxima: “O perfume é a sua embalagem”. Novos materiais e métodos de produção levaram a um mercado de frascos que movimenta US$ 1 bilhão por ano. Designers especializados tornaram-se profissionais cada vez mais valorizados. Uma criação pode sair em torno de US$ 20 mil. Isso se a obra de arte não for assinada por uma das lendas do ramo como Pierre Dianand, Serge Mansau ou Karim Rashid, aí os preços serão estratosféricos. Graças a esses vultosos investimentos, entrar numa grande loja de perfumes hoje é como visitar uma galeria de arte. Para criar o frasco do Malbec, por exemplo, O Boticário convidou o francês Alain de Mourgue que desenhou uma embalagem que faz lembrar, é claro, uma garrafa de vinho.
Se o presente da perfumaria brasileira está um mar de rosas, o futuro promete ser um oceano de aromas tropicais. É a aposta da empresa brasileira Natura que tem investido em pesquisas de fontes regionais de essência e já abriu um centro na França para levar o aroma nacional ao país que dita as tendências do setor. Dono de uma biodiversidade gigantesca, o Brasil sempre teve matéria-prima de sobra para a criação dos mais variados cheiros. “A ascensão dos estilistas brasileiros de moda também impulsionam as marcas nacionais de perfume lá fora”, diz Renata Ashcar.
Por aqui, o brasileiro tem mostrado que está disposto a investir em beleza e que valoriza o produto nacional. A Natura desbancou a multinacional Avon no mercado de venda direta de cosméticos no Brasil. O Boticário já é a maior rede mundial franqueada de cosméticos. Para este ano, a Abhipec espera outro crescimento do setor na casa dos dois dígitos, um verdadeiro banho em comparação à economia brasileira que deve expandir parcos 4,6% em 2007 segundo relatório do Banco Central.
Ambientes começam a ser tão perfumados quanto seus freqüentadores
Qual é o melhor lugar para se borrifar um perfume? Atrás das orelhas, nas nucas, nos pulsos e... nas cortinas, tapetes e paredes. Ao lado do mercado perfumista convencional cresce a passos largos um ramo da perfumaria que não se enquadra no setor de cosméticos. Considerados “saneantes” desde fevereiro deste ano pela resolução RDC no 13 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os aromatizantes de ambientes não são contabilizados com a perfumaria tradicional, porém, como seus congêneres cosméticos, eles têm experimentado um crescimento igualmente impressionante. A expansão desse mercado tem menos de uma década.
O coreano Julio Yoon se diz ser o introdutor no Brasil do conceito de “marketing olfativo”, a conquista de clientes através dos cheiros. Ao saber que a fábrica de eletrônicos Samsung da Coréia era aromatizada, Yoon, que já vivia no Brasil, decidiu transformar a importadora de cosméticos BioMist em uma empresa especializada em desenvolver aromas para ambientes. Desde que iniciou no novo segmento no início dos anos 2000, a BioMist tem crescido cerca de 60% ao ano e já acumulou um faturamento de mais de um milhão de reais. O cheiro de chocolate emanado pelas lojas da Kopenhagen, por exemplo, não vem das guloseimas das prateleiras, mas de uma fragrância desenvolvida pela BioMist.
Já a empresária Maura Santucci Noventa de Almeida descobriu sem querer nos perfumes de ambiente um lucrativo filão de mercado. Então proprietária de uma butique em um bairro nobre de Campinas (SP), Maura começou a borrifar um aromatizante em sua loja. Em pouco tempo percebeu que não só suas vendas estavam aumentando, mas também o interesse pela fragrância que ela usava. Em vez de passar o nome do fornecedor aos clientes, ela começou a revender a essência na loja. O aumento das vendas levou a um acordo com o fabricante para que ela se tornasse uma revendedora de fragrâncias.
O sucesso na perfumaria fez Maura deixar o mercado da moda e se dedicar exclusivamente ao mundo dos aromatizantes. Visitou feiras do ramo, adquiriu know-how e passou a produzir seus próprios aromas. Assim nasceu a Santucci Aroma. Hoje, com pouco mais de dois anos, a Santucci possui 15 fragrâncias, tem representantes em quatro capitais e cresceu 20% em 2006, isso tudo sem investimentos diretos em publicidade. “Toda a minha publicidade vem do boca-a-boca. Costumo dizer que meus clientes me encontram pelo cheiro”, brinca a empresária. Entre seus clientes estão hospitais, butiques, hotéis e pessoas que gostam de perfumar a casa.
Como a BioMist, a Santucci oferece o serviço de customização de fragrâncias. Ou seja, o aroma é desenvolvido especificamente para o cliente, baseado em seu perfil de negócios e em sua clientela. Entre os aromas prontos da Santucci, boa parte é baseada nos perfumes cosméticos mais famosos, são as chamadas réplicas. “Muita gente gosta de colocar em seu ambiente, o mesmo perfume que usa no corpo”, conta Maura. Para que ninguém precise desperdiçar preciosas borrifadas de um Dolce Gabbana pelos corredores, a indústria de aromatizantes apresenta um similar para que a casa reproduza o cheiro de seu proprietário e para que estabelecimentos comerciais fisguem seus clientes pelo nariz.
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