07/10/2011
Na semana em que se
divulga que o Brasil tem uma universidade pública entre as 200 melhores do
mundo, o que se pensa é que a educação no país está num bom caminho. E está.
Mas há um grande abismo entre as experiências das escolas brasileiras.
Diferenças provocadas pela condição socioeconômica das famílias, mas também
pelas diferenças socioeconômicas regionais. Também por descaso de autoridades,
políticas públicas mal formuladas ou que simplesmente não são seguidas. A falta
de continuidade das propostas é outro entrave para que os avanços no sistema
educacional brasileiro cheguem a todos os lugares, para todas as crianças,
jovens e também adultos. O documentário Pro
dia nascer feliz, dirigido por João Jardim e lançado em 2007, aponta
algumas dessas discrepâncias.
Um documentário de
1962, mostrado no filme de Jardim, já alertava sobre os possíveis impactos da
ausência de políticas públicas na área de educação para colocar os jovens no
mercado de trabalho e para dar a eles condições de exercerem sua cidadania,
como por exemplo, sabendo escolher seus governantes. Passados 42 anos, em 2004
– ano em que foi realizada a maioria das entrevistas –, a realidade que o
diretor encontrou continua levantando a suspeita de que a educação no país não
está atingindo os seus propósitos.
O Plano Nacional de
Educação 2011-2020 é um exemplo. O plano propõe 20 metas, e para cada uma
delas, uma série de estratégias que levariam a educação a níveis desejáveis de
investimentos, qualidade, quantidade de vagas nas escolas e nas universidades,
objetivos que o plano anterior, referente ao período de 2001-2010, também
almejava, mas que não foram concretizados.
Para alguns
especialistas em educação, como o professor da Faculdade de Educação da
Unicamp, Demerval Saviani, o PNE 2001-2010 falhou por oferecer uma profusão de
metas que tornaram o plano fragmentado. Em sua opinião – dada em uma entrevista publicada no portal R7 –,
para garantir a educação que se espera, é preciso definir metas básicas, que
sejam cumpridas em um curto prazo e que possam ser acompanhadas e cobradas pela
sociedade.
E é isso que alunos
e professores fazem no filme de Jardim. Cobram pelo que deveria estar sendo
feito para sanar os problemas encontrados nas escolas. Nas visitas que realizou
em estabelecimentos localizados no interior de Pernambuco, no subúrbio do Rio
de Janeiro e na periferia de São Paulo, o diretor encontrou vários exemplos do
não cumprimento das metas estabelecidas pelo PNE. Banheiros sem água, falta de
transporte, ausência de professores, salários baixos e pouco estímulo para
estudar e para ensinar.
A questão do
investimento na educação pública é um dos pontos principais para que as
políticas sejam efetivadas. A meta estabelecida pelo governo é de se alcançar o
índice de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2020, mas movimentos sociais e
entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Campanha Nacional pelo
Direito à Educação e a União Nacional dos Dirigentes Municipais em Educação
(Undime), dizem que o mínimo deve ser 10% do PIB.
Certamente que o
aumento de investimentos no setor ajudaria a transpor problemas levantados,
oferecendo, principalmente, melhor remuneração para os professores. Talvez
permitisse a existência de infraestrutura nas escolas públicas que garantisse
maior permanência dos alunos no ambiente escolar, praticando esportes ou
realizando atividades extras, como as mostradas no documentário, com oficina de
fanzines e banda de ritmos africanos. Poderia garantir também o transporte,
hoje falho, para os alunos do ensino médio da cidade de Manari (PE). O filme
mostra que eles precisam ir até outro município, distante 31 km, para terem
aulas, pois ali não há escola para esse nível de ensino.
Problemas além dos previstos nos PNEs
Para situar o
público sobre a situação em que se encontra o ensino médio no país, o diretor
do documentário ouviu alunos, professores e diretores das escolas. Além das
informações sobre a falta de infraestrutura, evidente nas imagens do filme,
chamam a atenção os depoimentos que tratam da ausência de professores. Várias
tomadas flagraram alunos sem aula nas escolas públicas – o filme tem apenas um
exemplo de escola privada. Vários entrevistados dizem que muitos professores
faltam. Os motivos apontados pelos professores e diretores é a falta de
respeito com o profissional. Não apenas em termos de salários, mas na relação
dos alunos com eles. Uma das professoras diz que faz acompanhamento psicológico
por não aguentar o cansaço que é físico, mas principalmente emocional. “O
professor é visto como inimigo. Há um abismo entre aluno e professor”, diz ela.
A mesma professora
afirma que as escolas não revelam o que realmente acontece ali, que maquiam os
dados, pois, muitas vezes, os professores passam o aluno para não terem o
trabalho de justificar por que o aluno não atingiu as metas. O conselho de
classe mostrado em outra sequência do filme também revela isso, expondo como os
professores facilitam a progressão de um aluno, porque deixá-lo em dependência
seria mais custoso.
Um dos depoimentos
trata de uma questão importante. A professora diz que não acredita na escola
nos moldes de hoje, nem em sua função, a qual precisaria ser repensada. Ela
destaca que a escola de hoje é a mesma do século passado, e que fora da escola
há coisas muito mais interessantes, e isso desestimula os alunos. Ela não
acredita que falte, por exemplo, preparo para os professores, que é um dos
objetivos que o PNE propõe resolver. Mas o que acontece, em sua opinião, é que
os professores não estão preparados para lidar com essa escola e com esse tipo
de aluno. Para ela, o professor não está preparado para ser desrespeitado nesse
nível em que é hoje, para ser agredido, violentado, e que é isso que o
desmotiva.
Outro ponto tratado
no filme, o qual nenhum plano de educação sozinho consegue resolver, é a
realidade vivida por alguns alunos e o entorno da escola. A ausência dos pais
na vida desses alunos e alunas, a proximidade com a violência, com o crime,
problemas de ordem social que têm reflexo na relação com a escola, os
professores e os colegas. Agressões físicas entre colegas, por exemplo, roubos
praticados dentro da própria escola e uma desesperança quanto ao futuro. Um
aluno do sexto ano, que já pratica furtos, afirma que não acredita que
a escola vá proporcionar algo melhor pra ele.
Mas essa opinião não
é compartilhada por todos os entrevistados, pois alguns depositam grandes
esperanças de obterem profissão e trabalho a partir de seus estudos. Um dos
objetivos que se mostra claro para alguns alunos e para diretores das escolas é
o desempenho nas avaliações, seja o Enem ou o vestibular.
O outro lado
A realidade mostrada
na única escola privada visitada pelo cineasta, na capital paulista, mostra
outras preocupações dos alunos. Por ali, as metas que o governo propõe para o
decênio 2011-2020 parecem que já estão em grande parte satisfeitas, quando se
mostra uma escola limpa, com salas impecáveis, iluminação boa, jardins bem
constituídos, alunos bem vestidos. Ali a presença dos pais se faz constante,
seja no transporte de uma aluna até a escola, seja nos depoimentos das alunas
sobre o acompanhamento dos pais em sua vida escolar. Os conflitos são outros,
em relação à religião, se estão muito distantes da realidade do país por
pertencerem a uma classe social mais elevada (vivem numa bolha), se não estão
estudando demais e deixando de aproveitar a vida.
Há muito o que se
pensar ainda sobre a educação no país. Os planos nacionais de educação têm um
papel importante, mas ainda falham no diagnóstico de como podem resolver os
problemas que são apontados por professores, dirigentes e alunos. Além disso, é
preciso ter cuidado com as avaliações que levam a uma competição entre alunos,
escolas e países, mas sem garantir reais aprendizagem e inclusão dos
brasileiros no processo educativo.
Pro dia nascer feliz Direção: João Jardim Ano: 2007
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