Ambiente propício, presença no mercado competitivo, exportações em
alta, possibilidade de negociações favoráveis nas compras
governamentais. À primeira vista, a indústria aeronáutica brasileira
poderia ser considerada forte e com grandes perspectivas de competição
internacional. No entanto, essa não é a realidade condizente com a
lógica da cadeia aeronáutica, que carece de políticas públicas,
financiamentos e incentivo aos fornecedores locais. Essa é a opinião de
pesquisadores da Unicamp, que juntamente com o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), estão finalizando um
projeto de adensamento da cadeia aeronáutica.
Segundo
André Furtado, professor do Departamento de Política Científica e
Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp e um dos
coordenadores do projeto, a cadeia aeronáutica no Brasil é fraca e não
está entre as prioridades do governo nacional. O estudo enfatiza a
necessidade de recursos públicos para realizar, por exemplo, as compras
em offset,
que é uma política de compensação, e que exigem forte participação do
Estado. No projeto, também são colocadas outras sugestões para adensar
a cadeia: política de compras públicas, desenvolvimento de fornecedores
locais, financiamentos, incentivo às pequenas e médias empresas e
atração de fornecedores estrangeiros.
A
rede de relacionamentos na aviação no Brasil é formada pela relação
direta entre público e privado. Praticamente tudo gira em torno da
Embraer, principal empresa brasileira do ramo e uma das maiores do
mundo. Por conceber aeronaves em um ambiente de acirrada competição, a
empresa altera constantemente sua cadeia de fornecedores, que se
internacionaliza cada vez mais.
Sérgio
Varella, responsável pelo programa de adensamento da cadeia aeronáutica
no BNDES, diz que os fornecedores nacionais lutam contra barreiras
ocasionadas pelas dificuldades de acesso a tecnologias e
financiamentos, além das altas taxas de juros: "As fabricantes
brasileiras de peças aeronáuticas são de pequeno porte e não têm
garantias para obter empréstimos bancários. Elas reivindicam dinheiro
para investimento, para capacitação tecnológica, aquisição de máquinas
e equipamentos, infra-estrutura e desenvolvimento tecnológico". Ao
gerar capacitação tecnológica aeronáutica o BNDES pretende fazer com
que as pequenas indústrias nacionais possam fornecer também para outros
fabricantes, comoAirbus e Boeing.
Para Furtado, as companhias nacionais aeronáuticas e a tecnologia
empregada no setor civil estão diretamente ligadas ao setor público
militar: "O setor militar fortaleceu muito a Embraer na década de 80,
quando houve um boom
de desenvolvimento no Brasil, no campo da aeronáutica. Com a
democratização do país, isso mudou. No entanto, a Embraer deu a volta
por cima nos últimos quinze anos, associando-se aos grandes
fornecedores internacionais", explica o pesquisador. Furtado é enfático
quando diz que o quadro atual de desenvolvimento da Embraer está
revertendo: "Esse sucesso poderia ser muito maior, mas a Embraer
estacionou seu processo de evolução tecnológica, quando comparada aos
outros países como a China, EUA e Rússia. Ela ainda é muito forte
graças à iniciativa de mergulhar no setor civil, o que pode mudar com a
forte concorrência".
De
acordo com os coordenadores do projeto, a Embraer apresenta uma
fragilidade tecnológica. "A empresa é boa em desenho, mas não em
fabricação. Ficou parada no tempo. E esse setor evolui muito
rapidamente em razão da concorrência internacional", explica Furtado.
Há outros fatores que também acirram essa concorrência, como o
terrorismo e a crise energética, que faz com que as indústrias e
companhias aéreas cortem custos. Para isso, deve haver avanço
tecnológico e grandes investimentos. Exemplo disso é o Boeing 787, mais
recente concepção de tecnologia altamente avançada.
De fato, na década de 80, o desenvolvimento aeronáutico era mais
significativo e as compras militares foram determinantes para isso. Um
exemplo é o projeto AMX, no qual o Brasil gastou quase dois bilhões de
dólares e desenvolveu várias atividades. Por conseqüência, a Embraer
fortaleceu-se e se tornou mais independente. "Depois disso, quase nada
foi feito. Não há vontade política de colocar recursos no setor
militar. Para ter destaque no setor aeroespacial é preciso ter dinheiro
e políticas incisivas", garante o pesquisador da Unicamp.
Setor militar e exportações
A
avaliação do professor Geraldo Cavagnari Filho, membro do Núcleo de
Estudos Estratégicos, também da Unicamp, é de que o investimento na
tecnologia militar deve estar ligado às exportações, já que o mercado
interno para esse fim é quase nulo: "Todas as tecnologias que são
desenvolvidas nos institutos militares podem ser transferidas a uma
base industrial que gerará produtos de alto valor agregado. O segmento
de defesa do setor aeroespacial brasileiro possui atualmente grandes
possibilidades de exportação, principalmente em função da grande
aceitação internacional dos seus produtos, que são reconhecidos pela
qualidade, preço e condição de entrega rápida". A tecnologia
desenvolvida para fins bélicos deve retornar para o país, por meio de
divisas geradas pelas exportações e transferência de tecnologias
desenvolvidas para fins militares para as empresas civis.
Na
cadeia produtiva aeronáutica, também é possível, em menor escala, ter o
inverso, ou seja, quando o setor civil transfere tecnologia para o
campo militar. O exemplo mais marcante é o projeto ERJ-145, de 1996. A
Embraer associou-se com fabricantes estrangeiros e as derivações dessa
aeronave foram desenvolvidas para fins militares. O Brasil exportou
para vários países e chegou, inclusive, a ganhar a concorrência nos
EUA.
Desafios do setor aeroespacial brasileiro
As possibilidades de avanço da indústria aeronáutica brasileira são
consideráveis e poderiam se concretizar caso o cenário da cadeia
brasileira fosse mais promissor. Para Marcus Mamed Miranda, pesquisador
do Centro de Catalogação da Aeronáutica (Cecat) e mestre pelo Instituto
de Geociências da Unicamp, as perspectivas são mais otimistas. Segundo
o pesquisador, por meio da subcontratação da indústria local para a
fabricação de componentes e insumos, o Setor Aeroespacial Brasileiro
pode contribuir significativamente para a difusão tecnológica e de
outros segmentos industriais. "Seu poder de compra aliado à capacitação
em produção própria, contratos de compra, offset,
certificação e nacionalização pode conferir negociações que reduzam a
dependência tecnológica, estimulem o desenvolvimento das redes
produtivas de fornecimento, permitam acesso aos mercados de produtos
aeroespaciais e criem demandas contínuas em longo prazo", afirma.
A nacionalização de
itens aeronáuticos, feita pelo Centro Logístico da Aeronáutica (Celog) compreende atividades que vão
desde a detecção da oportunidade ou da necessidade de se substituir o
produto estrangeiro por similar nacional, até o reconhecimento da
similaridade e sua implantação. A nacionalização é estratégica para o adensamento da cadeia
aeronáutica e para o aumento da competitividade da indústria, resultando na
obtenção de materiais, independentemente da vontade política de outros países, e por
vezes mais baratos.
A
certificação de produtos aeroespaciais é regulada pelo Código
Brasileiro de Aeronáutica (lei 7565/86), especialmente quando o uso é
destinado à aviação civil. Para os produtos aeroespaciais de emprego
militar, é necessária a verificação de sua qualidade pela organização
responsável pela aquisição. "Certificar significa comprovar que o
projeto de um produto aeroespacial, ou a sua integração, cumpre os requisitos previstos em
especificações, normas e demais exigências. A certificação agrega valor à indústria
aeroespacial e proporciona competitividade, além de ser um excelente instrumento de marketing, pois atesta a qualidade de seus produtos e processos,
permitindo a superação de barreiras técnicas", afirma Miranda. O
setor público brasileiro apresenta grande volume de compras, o que
estabelece forte poder de barganha a seu favor, possibilitando negociar
acordos internacionais para desenvolvimento tecnológico e
fortalecimento da indústria local. É a chamada política do offset
que, na perspectiva dos Estados, possibilita o retorno de gastos públicos para o país, gerando benefícios sociais e
econômicos advindos da transferência de tecnologia, do aumento quantitativo e qualitativo de emprego e do acesso aos
mercados internacionais. O offset pode ajudar a indústria
brasileira em diversos aspectos, como, por exemplo, na sustentação das
atividades das empresas do setor aeroespacial brasileiro que, tanto na
produção quanto na P&D, são dependentes da continuidade de pedidos,
sob pena de perderem a sua competitividade.
Como exportadora de aeronaves e de forte atuação no mercado, a Embraer está sujeita ao offset
também como concedente, o que possibilita a redução da sua produção
interna e das exportações do Estado brasileiro, que pode perder a
capacidade de controlar o mercado. Ao mesmo tempo, é uma oportunidade
para a Embraer expandir seus mercados e consolidar-se, dentro do
mercado global, como grande organização.
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