REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
Transportação aérea - Carlos Vogt
Reportagens
Espaço aéreo sob controle: segurança, tecnologia e riscos
Flávia Gouveia e Marta Kanashiro
Arena aérea para tensão política
Carolina Cantarino
Varig deixa vácuo aéreo
Rodrigo Cunha
Cadeia aeronáutica brasileira requer incentivo e financiamentos
Luiza Bragion
Avaliando riscos: os números contra a emoção
Yurij Castelfranchi
Artigos
Infra-estrutura não é capaz de suportar as mudanças
Rodrigo Coelho
Brasil (Embraer) x Canadá (Bombardier) na OMC
Umberto Celli Junior
Aviação e literatura
Guillermo Giucci
Um caso que ninguém pode esquecer
Daniel Leb Sasaki
Um mundo totalmente digital?
Victor Scardigli
Competitividade da indústria aeronáutica: uma comparação internacional
Roberto Bernardes
Resenha
Montenegro
Patrícia Mariuzzo
Entrevista
Cristiano Monteiro
Entrevistado por por Susana Dias
Poema
Comunicação
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Reportagem
Cadeia aeronáutica brasileira requer incentivo e financiamentos
Por Luiza Bragion
10/02/2007

Ambiente propício, presença no mercado competitivo, exportações em alta, possibilidade de negociações favoráveis nas compras governamentais. À primeira vista, a indústria aeronáutica brasileira poderia ser considerada forte e com grandes perspectivas de competição internacional. No entanto, essa não é a realidade condizente com a lógica da cadeia aeronáutica, que carece de políticas públicas, financiamentos e incentivo aos fornecedores locais. Essa é a opinião de pesquisadores da Unicamp, que juntamente com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), estão finalizando um projeto de adensamento da cadeia aeronáutica.

Segundo André Furtado, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp e um dos coordenadores do projeto, a cadeia aeronáutica no Brasil é fraca e não está entre as prioridades do governo nacional. O estudo enfatiza a necessidade de recursos públicos para realizar, por exemplo, as compras em offset, que é uma política de compensação, e que exigem forte participação do Estado. No projeto, também são colocadas outras sugestões para adensar a cadeia: política de compras públicas, desenvolvimento de fornecedores locais, financiamentos, incentivo às pequenas e médias empresas e atração de fornecedores estrangeiros.

A rede de relacionamentos na aviação no Brasil é formada pela relação direta entre público e privado. Praticamente tudo gira em torno da Embraer, principal empresa brasileira do ramo e uma das maiores do mundo. Por conceber aeronaves em um ambiente de acirrada competição, a empresa altera constantemente sua cadeia de fornecedores, que se internacionaliza cada vez mais.

Sérgio Varella, responsável pelo programa de adensamento da cadeia aeronáutica no BNDES, diz que os fornecedores nacionais lutam contra barreiras ocasionadas pelas dificuldades de acesso a tecnologias e financiamentos, além das altas taxas de juros: "As fabricantes brasileiras de peças aeronáuticas são de pequeno porte e não têm garantias para obter empréstimos bancários. Elas reivindicam dinheiro para investimento, para capacitação tecnológica, aquisição de máquinas e equipamentos, infra-estrutura e desenvolvimento tecnológico". Ao gerar capacitação tecnológica aeronáutica o BNDES pretende fazer com que as pequenas indústrias nacionais possam fornecer também para outros fabricantes, comoAirbus e Boeing.

Para Furtado, as companhias nacionais aeronáuticas e a tecnologia empregada no setor civil estão diretamente ligadas ao setor público militar: "O setor militar fortaleceu muito a Embraer na década de 80, quando houve um boom de desenvolvimento no Brasil, no campo da aeronáutica. Com a democratização do país, isso mudou. No entanto, a Embraer deu a volta por cima nos últimos quinze anos, associando-se aos grandes fornecedores internacionais", explica o pesquisador. Furtado é enfático quando diz que o quadro atual de desenvolvimento da Embraer está revertendo: "Esse sucesso poderia ser muito maior, mas a Embraer estacionou seu processo de evolução tecnológica, quando comparada aos outros países como a China, EUA e Rússia. Ela ainda é muito forte graças à iniciativa de mergulhar no setor civil, o que pode mudar com a forte concorrência".

De acordo com os coordenadores do projeto, a Embraer apresenta uma fragilidade tecnológica. "A empresa é boa em desenho, mas não em fabricação. Ficou parada no tempo. E esse setor evolui muito rapidamente em razão da concorrência internacional", explica Furtado. Há outros fatores que também acirram essa concorrência, como o terrorismo e a crise energética, que faz com que as indústrias e companhias aéreas cortem custos. Para isso, deve haver avanço tecnológico e grandes investimentos. Exemplo disso é o Boeing 787, mais recente concepção de tecnologia altamente avançada.

De fato, na década de 80, o desenvolvimento aeronáutico era mais significativo e as compras militares foram determinantes para isso. Um exemplo é o projeto AMX, no qual o Brasil gastou quase dois bilhões de dólares e desenvolveu várias atividades. Por conseqüência, a Embraer fortaleceu-se e se tornou mais independente. "Depois disso, quase nada foi feito. Não há vontade política de colocar recursos no setor militar. Para ter destaque no setor aeroespacial é preciso ter dinheiro e políticas incisivas", garante o pesquisador da Unicamp.

Setor militar e exportações

A avaliação do professor Geraldo Cavagnari Filho, membro do Núcleo de Estudos Estratégicos, também da Unicamp, é de que o investimento na tecnologia militar deve estar ligado às exportações, já que o mercado interno para esse fim é quase nulo: "Todas as tecnologias que são desenvolvidas nos institutos militares podem ser transferidas a uma base industrial que gerará produtos de alto valor agregado. O segmento de defesa do setor aeroespacial brasileiro possui atualmente grandes possibilidades de exportação, principalmente em função da grande aceitação internacional dos seus produtos, que são reconhecidos pela qualidade, preço e condição de entrega rápida". A tecnologia desenvolvida para fins bélicos deve retornar para o país, por meio de divisas geradas pelas exportações e transferência de tecnologias desenvolvidas para fins militares para as empresas civis.

Na cadeia produtiva aeronáutica, também é possível, em menor escala, ter o inverso, ou seja, quando o setor civil transfere tecnologia para o campo militar. O exemplo mais marcante é o projeto ERJ-145, de 1996. A Embraer associou-se com fabricantes estrangeiros e as derivações dessa aeronave foram desenvolvidas para fins militares. O Brasil exportou para vários países e chegou, inclusive, a ganhar a concorrência nos EUA.

Desafios do setor aeroespacial brasileiro

As possibilidades de avanço da indústria aeronáutica brasileira são consideráveis e poderiam se concretizar caso o cenário da cadeia brasileira fosse mais promissor. Para Marcus Mamed Miranda, pesquisador do Centro de Catalogação da Aeronáutica (Cecat) e mestre pelo Instituto de Geociências da Unicamp, as perspectivas são mais otimistas. Segundo o pesquisador, por meio da subcontratação da indústria local para a fabricação de componentes e insumos, o Setor Aeroespacial Brasileiro pode contribuir significativamente para a difusão tecnológica e de outros segmentos industriais. "Seu poder de compra aliado à capacitação em produção própria, contratos de compra, offset, certificação e nacionalização pode conferir negociações que reduzam a dependência tecnológica, estimulem o desenvolvimento das redes produtivas de fornecimento, permitam acesso aos mercados de produtos aeroespaciais e criem demandas contínuas em longo prazo", afirma.

A nacionalização de itens aeronáuticos, feita pelo Centro Logístico da Aeronáutica (Celog) compreende atividades que vão desde a detecção da oportunidade ou da necessidade de se substituir o produto estrangeiro por similar nacional, até o reconhecimento da similaridade e sua implantação. A nacionalização é estratégica para o adensamento da cadeia aeronáutica e para o aumento da competitividade da indústria, resultando na obtenção de materiais, independentemente da vontade política de outros países, e por vezes mais baratos.

A certificação de produtos aeroespaciais é regulada pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (lei 7565/86), especialmente quando o uso é destinado à aviação civil. Para os produtos aeroespaciais de emprego militar, é necessária a verificação de sua qualidade pela organização responsável pela aquisição. "Certificar significa comprovar que o projeto de um produto aeroespacial, ou a sua integração, cumpre os requisitos previstos em especificações, normas e demais exigências. A certificação agrega valor à indústria aeroespacial e proporciona competitividade, além de ser um excelente instrumento de marketing, pois atesta a qualidade de seus produtos e processos, permitindo a superação de barreiras técnicas", afirma Miranda.

O setor público brasileiro apresenta grande volume de compras, o que estabelece forte poder de barganha a seu favor, possibilitando negociar acordos internacionais para desenvolvimento tecnológico e fortalecimento da indústria local. É a chamada política do offset que, na perspectiva dos Estados, possibilita o retorno de gastos públicos para o país, gerando benefícios sociais e econômicos advindos da transferência de tecnologia, do aumento quantitativo e qualitativo de emprego e do acesso aos mercados internacionais. O offset pode ajudar a indústria brasileira em diversos aspectos, como, por exemplo, na sustentação das atividades das empresas do setor aeroespacial brasileiro que, tanto na produção quanto na P&D, são dependentes da continuidade de pedidos, sob pena de perderem a sua competitividade.

Como exportadora de aeronaves e de forte atuação no mercado, a Embraer está sujeita ao offset também como concedente, o que possibilita a redução da sua produção interna e das exportações do Estado brasileiro, que pode perder a capacidade de controlar o mercado. Ao mesmo tempo, é uma oportunidade para a Embraer expandir seus mercados e consolidar-se, dentro do mercado global, como grande organização.