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ISA vê riscos na coleta de DNA indígena
Por Mariana Perozzi
12/07/2006

Lançado pela National Geographic e pela IBM em abril, o Projeto Genográfico prevê a coleta de 100 mil amostras de DNA de indígenas de todo o mundo, para estudo da migração humana. Dez centros de pesquisa integram o projeto, sendo que oito já deram início às pesquisas na América do Norte, Europa, Ásia e África. No Brasil, o projeto será coordenado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas ainda não foi oficialmente lançado. Como todas as pesquisas envolvendo coleta e análise de dados genéticos, o Genográfico levanta polêmicas.

As principais críticas se referem ao mau uso de informações genéticas, que podem levar ao controle social, através da quebra de privacidade dos indivíduos, combinada a determinação de padrões de normalidade a serem seguidos. Há também potencial para a criação de políticas de exclusão baseadas em características genéticas, bem como o potencial para a produção de medicamentos e patentes. Experiências negativas anteriores – notadamente o Projeto Diversidade do Genoma Humano –, a resistência cultural e o ativismo contra a biopirataria alimentam a desconfiança sobre o assunto.

“Com o DNA dos indígenas não será feito nenhum outro uso além da pesquisa histórica. Não há uso comercial dos dados ou do DNA”, afirma Fabrício Rodrigues dos Santos, professor da UFMG e coordenador do estudo no Brasil. Ele ressalta que a educação da sociedade quanto à necessidade de preservação e a importância das sociedades indígenas é um dos focos principais do projeto.

Mas para Fernando Mathias, advogado do Instituto Socioambiental (ISA), organização de defesa indígena, o fato de o projeto ter objetivos históricos e sua equipe se comprometer a não fazer uso indevido dos dados não significa que outros não possam utilizar seus resultados, uma vez publicados. Nesse campo, a linha que define o bom e o mau uso é difícil de ser estabelecida.

“Há grande potencial para a indústria farmaco-genômica em usar a informação genética para identificar suscetibilidades ou resistências a determinadas doenças. No estágio tecnológico em que vivemos, a informação sobre o perfil genético de uma determinada população poderia ser usada, por exemplo, para o desenvolvimento de armas biológicas apontadas apenas para um determinado grupo étnico”, diz Mathias. “Há também potencial para a indústria de bioinformática com a perspectiva de criação de novas linguagens - baseadas não mais em sistemas binários 0-1, mas em sistemas quaternários A-C-G-T iniciais das bases nitrogenadas que compõe o DNA -, além de patentes sobre genes e processos de pesquisa e desenvolvimento. Daí o patrocínio do projeto por corporações de informática”, justifica.

O advogado acredita ser preciso refletir sobre a responsabilidade do setor acadêmico em viabilizar esse tipo de conduta. “No jogo do capitalismo, a instituição científica passa a ser um mero atravessador, cumprindo o desconfortável papel de mediar a problemática relação com comunidades indígenas ou locais, para alimentar a indústria - deliberadamente ou não - com informações cujo valor potencial de mercado passa a ser privatizado”, afirma.

O Projeto Genográfico no Brasil aguarda a autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que vão avaliar respectivamente os méritos éticos e científicos da pesquisa. Procurado pela ComCiência, o Conep informou já ter dado um parecer sobre o assunto, mas que ainda não pode ser revelado pois aguarda a opinião de consultores ad hoc. Junto ao CNPq, o estágio de avaliação não pôde ser confirmado. Se aprovado por essas duas instituições, o Projeto deve passar ainda pela autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai). Só então os patrocinadores repassarão o financiamento para a pesquisa e o projeto será iniciado no país.

Metas

Caso o projeto seja aprovado, a UFMG manterá a coleção de DNA de indígenas da América do Sul e parte da América Central e será responsável por todas as análises genéticas visando à elucidação das rotas pré-colombianas de migração que deram origem aos povos indígenas americanos hoje conhecidos. “A genética será utilizada para complementar a história e não para substituir os mitos e lendas de cada povo”, diz Santos, ressaltando que o Genográfico pretende divulgar a diversidade dos povos indígenas e de suas culturas ameaçadas, para aumentar as chances de manutenção das respectivas tradições, línguas e religiões.

Fernando Mathias, do ISA, discorda. “Entendemos que essa justificativa é equivocada e parte de uma premissa errônea segundo a qual todos os povos indígenas estão fadados à desaparição. Mas se considerarmos a realidade de países como Bolívia, Peru, Equador e México, onde boa parte da população é indígena, bem como no Brasil, onde os povos indígenas crescem a uma taxa demográfica duas vezes superior à média nacional, constatamos na verdade um movimento de afirmação, ao invés de extinção”, explica, sem negar o declínio demográfico de outras comunidades. Ele alerta que a catalogação dos genes dos indígenas poderia contribuir para intensificar a extinção das comunidades indígenas, já que essas poderiam ser consideradas “descartáveis”.

Manifestações contrárias ao Projeto Genográfico – como a da organização indígena norte-americana Conselho de Povos Indígenas sobre Biocolonialismo - remetem também à supremacia que a ciência moderna pretende deter sobre outras formas de conhecimento.

A participação no projeto é voluntária e depende da assinatura de um consentimento informado que garante os direitos de cada indígena sobre seu DNA, incluindo a destruição do código genético caso a pessoa decida se retirar da pesquisa posteriormente. Mas o processo de consentimento, para não ser falho, precisa esclarecer em profundidade quanto aos potenciais riscos de uso dessa informação para outras finalidades que não o objetivo estritamente científico do projeto.