Por Kevin N. Laland
Tradução Germana Barata
10/12/2011
Para a maioria dos biólogos,
“cultura” é cultura de crescimento em placa de Petri contendo ágar ou o domínio
nebuloso da moda, da arte e do teatro que se encontra no limite da compreensão
científica. Para um número crescente de especialistas em comportamento animal,
entretanto, “cultura” tem um significado completamente diferente: a
aprendizagem e a transmissão social de conhecimento e habilidades entre animais.
Os exemplos mais conhecidos incluem a abertura de garrafas de leite por
pássaros europeus para beber a nata, a lavagem do alimento por macacos
japoneses, e o hábito de alguns chimpanzés do leste africano de apanhar cupins
com gravetos. Animais tão diversos quanto formigas, peixes esgana-gatae baleias orca são agora conhecidos por escolherem hábitos de forrageamento,
preferências alimentares, preferências de acasalamento e táticas de evasão de
predadores, e por aprenderem chamados, canções e rotas migratórias através da observação
dos mais experientes. Mas a reivindicação que os seres humanos não são a única
espécie imersa em um reino cultural está coberta de controvérsia.
Por que estudar cultura
animal?
Parte superior do formulário
Por que há interesse na cultura? Muitos que estudam as culturas animais, particularmente os primatólogos,
o fazem porque acreditam que sua pesquisa lançará luz sobre a evolução da
cognição humana. A aprendizagem social animal, argumenta-se, encontra-se nas raízes
da cultura humana. Se podemos compreender a captura de cupins por chimpanzés ou
a lavagem de alimentos feita por macacos, concluem, podemos ter insights sobre processos homólogos que levaram à
emergência da cultura “madura” dos humanos, às circunstâncias que favoreceram
os suportes cognitivos de nossa própria capacidade cultural, ou à trajetória
evolutiva de nossos antepassados culturais.
Não importa os méritos desse
argumento mas, da perspectiva do biólogo evolutivo, a cultura animal é inerentemente
interessante. Isto é, há questões mais amplas que justificam a investigação de
processos culturais animais que estão além da luz que tais estudos lançam sobre
nossa própria espécie. Talvez a mais óbvia delas é que a cultura é uma fonte de
comportamento adaptativo; indivíduos podem adquirir soluções eficientes para
problemas como “o que comer?” e “com quem acasalar?” simplesmente imitando o
outro.
O fascínio da cultura, entretanto,
também está relacionado à
capacidade de propagar o comportamento de uma maneira que seja, em algum grau,
independente do ambiente ecológico. Por
exemplo, uma suposição fundamental da biologia evolutiva é que a seleção
natural moldará os organismos para reproduzirem as circunstâncias ambientais.
Entretanto, a cultura pode violar essa premissa; pode fazer com que as
características dos organismos tornem-se parcialmente desconexas de seus
ambientes. Isso é mais óbvio nos seres humanos quando estudos de diferentes sociedades
verificam que a maioria dos traços humanos comportamentais e sociais se
correlaciona com a história cultural – foram transmitidos como tradições – ao
invés da ecologia de uma sociedade. O mesmo aplica-se, pelo menos, a alguns animais.
Os locais de acasalamento do
gudião-azul, por exemplo, não podem ser previstos pelo conhecimento sobre
distribuições ambientais de recurso. Pelo contrário, experimentos de remoção e
substituição demonstram que os locais de acasalamento são mantidos como “tradições”,
através de múltiplas gerações, com os peixes novos e recém-chegados adotando os
locais de acasalamento dos residentes.
A cultura também pode gerar
padrões de variação fenotípica no espaço. Biólogos evolutivos e ecólogos começam
a compreender os processos que envolvem a variação geográfica em frequências do
gene e em características fenotípicas. Entretanto, processos culturais, como variação
clinal da frequência gênica, podem gerar padrões geográficos em fenótipos
comportamentais. A variação clinal nas características comportamentais atribuídas
à cultura foi relatada para o comportamento de primatas, o canto de pássaros,
as vocalizações de baleia e para a linguagem humana. Uma terceira
característica desafiadora da transmissão cultural é que, sob circunstâncias
restritas, informações arbitrárias e mesmo não adaptativas podem se disseminar.
Mais uma vez, isto é bem documentado em humanos, nos quais hábitos de redução
do desempenho, tais como o fumo ou o uso de contraceptivo, podem se tornar moda.
Entretanto, há exemplos nos quais traços arbitrários e não adaptivos parecem se
espalhar também entre os animais. Um exemplo são as cascatas informativas,
nas quais os indivíduos tomam decisões comportamentais baseadas em decisões
prévias de outros indivíduos. Se os animais pensam que um determinado comportamento
deve ser bom porque outros o estão praticando, então isso pode resultar em todo
tipo de tradições arbitrárias. Um estudo sobre o galo silvestre Centrocercus urophasianus concluiu que as decisões das
fêmeas que usavam a informação social para decidir com qual parceiro iriam se
acasalar eram menos relacionadas às características dos machos, indicadoras de
qualidade, do que as decisões tomadas com seus próprios julgamentos sobre os machos.
Essa imitação de escolhas de parceiros obscurece a relação entre a qualidade do
macho e o sucesso do acasalamento, o que resulta em “modas” passageiras imprevisíveis
nas características que as fêmeas acham atraentes e numa intensidade mais baixa
da seleção sexual. Isso não quer dizer que a capacidade para a aprendizagem
social é um traço não adaptativo, mas, pelo contrário, que a transmissão e a
aquisição ocasional de informação não adaptativa são um subproduto inevitável
de um sistema de ganho de conhecimento extremamenteadaptativo.
Além disso, as tradições culturais
frequentemente impactam o ambiente de forma a modificar a seleção que atua na
população, um caso de construção de nicho. Isso é mais óbvio em humanos
e grande parte da teoria matemática de biólogos e antropólogos evolutivos
investigou a co-evolução de gene-cultura, por meio do qual os traços culturais
humanos modificam o ambiente seletivo. Um bom exemplo é a prática cultural das
fazendas de produção de leite e derivados, que previamente disseminou o alelo
para a absorção da lactose, criando o contexto ambiental em que este gene foi
favorecido em algumas sociedades de criadores de animais. Interações similares
ocorrem em outros animais: os modelos teóricos da imitação da escolha de
parceiros revelam que as preferências aprendidas poderiam plausivelmente co-evoluir
com as características de base genética, os modelos de canto de pássaros sugerem
que a aprendizagem do canto afeta a seleção dos alelos que influenciam a aquisição
e a preferência da canção, e outros modelos concluíram que a aprendizagem
social animal poderia levar à evolução do parasitismo da ninhada, afetar os níveis
de diversidade genética e facilitar a especiação.
Tal co-evolução gene-cultura é
sugerida pela observação de que a frequência do uso da aprendizagem social varie
conjuntamente com o tamanho do cérebro em primatas não-humanos. Parece que os
primatas com cérebro grande se imitam mais do que primatas de cérebro menor; eles
também inovam mais no comportamento. Isso sugere que a habilidade de aprender
com o outro e o desenvolvimento de novas soluções para problemas desafiadores
podem ter dado aos primatas individualmente uma vantagem seletiva na luta pela sobrevivência.
Já que essas habilidades são, sem dúvida nenhuma, calcadas no substrato neural,
é possível que as capacidades para o aprendizado social e a inovação possam ter
levado à evolução do cérebro nos
primatas, culminando no Homo sapiens, o primata mais inovativo, mais dependente
culturalmente e com o maior cérebro.
Em resumo, processos culturais em
uma vasta gama de espécies animais exibem uma quantidade de propriedades que
mudam a dinâmica evolutiva, incluindo o descolamento do comportamento dos
animais de seus ambientes ecológicos, gerando padrões geográficos nas características
fenotípicas, permitindo a disseminação de características arbitrárias e mesmo não
adaptativas, influenciando as taxas e as trajetórias evolutivas e modificando a
seleção para antecipar e direcionar eventos evolutivos. Essa maneira diferente
de adaptação e de evolução não é única dos humanos, mas é compartilhada com
muitas outras espécies capazes da aprendizagem social, incluindo espécies pouco
relacionadas a nós. A cultura animal é muito mais do que uma janela para a humanidade:
é um jogada evolutiva (evolutionary player).
O debate sobre culturas animais
Os grupos de
macacos-prego-de-cara-branca da Costa Rica exibem convenções sociais
extraordinárias e bizarras, cheirando as mãos uns dos outros e colocando os
dedos na boca uns dos outros; comportamentos não observados em outras
populações de macacos-prego. Alguns orangotangos em Bornéu fazem “bonecas” com uma
trouxa de folhas, outros usam ferramentas como estimulantes sexuais, e ainda
outros orangotangos comem framboesas na hora de dormir. Baleias corcundas de
regiões diferentes cantam canções diferentes, como os fazem pardais de coroa
branca e muitas outras espécies de pássaros.
A primeira vista, tais relatos de
diferenças comportamentais entre os membros de uma espécie que vivem em locais
diferentes são sugestivos de variação cultural humana. Como os povos de
diferentes regiões do mundo comem alimentos diferentes, têm costumes variados e
falam línguas diferentes, alguns animais também parecem ter tradições locais. Muitas
evidências circunstanciais e algumas experimentais sugerem que essas tradições são
aprendidas dos outros e transmitidas através das gerações. Mas será que as semelhanças
entre as culturas animais e aquelas de humanos são significativas ou
superficiais?
Parte da discórdia sobre a
cultura animal é relativa à definição, o que reflete perspectivas diversas
entre as disciplinas acadêmicas: aqui os biólogos tendem a empregar definições
menosminuciosas do que o fazem os antropólogos.
Entretanto, a controvérsia se acentua na evidência necessária para se estabelecer
que a variação comportamental intraespécies resulta mais do aprendizado social
do que de diferenças genéticas ou da maneira com que as diversas ecologias
moldam o desenvolvimento comportamental. Os pesquisadores variam no grau em que
estão dispostos a confiar em evidências circunstanciais e em argumentos
plausíveis, sendo que os experimentalistas de laboratórios e os pesquisadores
de campo frequentemente tomam lados opostos. Chimpanzés comuns, por exemplo,
são muito bons na aprendizagem social; demonstrações experimentais em cativeiro
mostram claramente que eles são capazes de transmitir habilidades aprendidas de
forrageamento para as populações, enquanto no campo os repertórios
comportamentais variam entre as populações, com os jovens passando muitas horas
ao lado de adultos competentes no forrageamento, antes de adotarem variações
locais. Ou seja, o apoio circunstancial para a cultura do chimpanzé é forte.
Entretanto, para nenhum comportamento natural de chimpanzés, incluindo a
captura de cupins e a quebra de castanhas, existe provas conclusivas de que
seja aprendido socialmente.
É provável que essa questão seja
solucionada dentro da próxima década, à medida que novos métodos matemáticos e
experimentais forem desenvolvidos para identificar a aprendizagem social nas
populações animais. Muitas dessas ferramentas, que incluem uma gama de métodos
estatísticos, estão atualmente em andamento e são a grande promessa para o
futuro. Inúmeras espécies, desde o pássaro ostraceiro até orangotangos, exibem
variação interpopulacional em seus repertórios comportamentais e, com toda a
probabilidade, a próxima década confirmará que uma parte importante dessa
variação é cultural.
Mecanismos da cultura
As tradições comportamentais não
são restritas aos animais inteligentes ou com cérebros grandes: estudos de
laboratório e de campo indicam que a capacidade de aprendizagem social é
taxonomicamente difundida entre os animais, incluindo os invertebrados. Existem
agora, literalmente, centenas de relatos sobre novos padrões de comportamento
que aumentam de frequência ao longo do tempo, de modo rápido demais para ser plausivelmente
interpretado como manifestações da seleção, da migração ou da demografia. Parece
que tais animais devem aprender o novo comportamento e, para todos os efeitos, eles
parecem estar aprendendo uns com os outros. Combinado com a variação comportamental
interpopulacional, acima mencionada, os dados de campo indicam que a
aprendizagem social é difundida.
Nós também podemos estar relativamente
certos de que a aprendizagem social animal é multifacetada em seus mecanismos essenciais.
Estudos de laboratório, conduzidos, na maioria das vezes, por psicólogos
experimentais, revelam inúmeros modos através dos quais um animal pode aprender
com o outro. A questão se os animais aprendem por imitação atraiu um nível de
interesse especialmente alto, já que frequentemente se assume que a imitação é
baseada em processos cognitivos complexos – tais como a habilidade de se compreender
o que o outro está fazendo, ou de adotar a perspectiva do outro, ou mesmo a percepção
consciente – suposições que permanecem altamente controversas. Todavia, evidências
relativamente fortes sobre imitação foram produzidas para uma variedade de
espécies de pássaros, primatas e cetáceos.
Muito esforço se perdeu na definição
de processos alternativos de aprendizagem social que podem, superficialmente, se
assemelhar à imitação, e que devem ser desprezados se os pesquisadores isolarem
os casos de aprendizagem de imitação “verdadeira”. Consequentemente, há um
excesso de termos usados para descrever fenômenos de aprendizagem social
distintos, incluindo a intensificação local, o aumento do estímulo, o contágio,
a emulação, o acondicionamento observacional, e a facilitação social (veja Box
1). Esses e outros termos foram organizados em vários sistemas de classificação,
mas há pouco consenso na área sobre a terminologia ou o mecanismo essencial: na
verdade, uma considerável confusão e grandes diferenças de opinião permanecem.
Por exemplo, a “imitação” é frequentemente
descrita como sendo complexa, e a “intensificação local”como simples, porque, intuitivamente, reproduzir um padrão motor
através da observação parece ser mais desafiador do que ter a atenção
direcionada para um local. Entretanto, atualmente existe pouca base neurocientífica
na pesquisa sobre aprendizagem social e os processos descritos nas
classificações não são vinculados aos mecanismos neurais. Na ausência de uma
compreensão biológica forte, tal uso de termos como “simples” e “complexo” pode
ser extremamente enganoso. É, por exemplo, plausível que grande parte do
fenômeno da aprendizagem social possa ser compreendida como o resultado de um
único mecanismo psicológico, a pré-ativação (em que a experiência tem, pelo
menos, um efeito provisório nas probabilidades relativas de se evocar as representações
mentais armazenadas).
Igualmente importante ao debate é
a frequência relativa de alternativas aos processos de aprendizagem social no
mundo natural. Por exemplo, é sabido que os processos de intensificação local e
de estímulo são comuns e que a imitação é rara na natureza (veja Box 1 para definições).
Entretanto, uma revisão recente encontrou apenas um punhado de casos que
poderiam inequivocamente ser designados nas categorias anteriores, enquanto que
a aparente raridade da imitação poderia meramente refletir o ponto de vista, amplamente
adotado dentro da área, de que a imitação só pode ser reivindicada quando os
processos alternativos forem desconsiderados. Ironicamente, a Facilitação da
resposta, um processo que relativamente poucos pesquisadores de
aprendizagem social sequer identificam é, certamente, aquele que detém maior
suporte empírico. Mesmo a suposição de que um ou outro desses processos
explicará a maioria dos casos naturais de aprendizagem social animal é
contestável: em qualquer circunstância, processos múltiplos podem estar operando,
enquanto pode haver pouca confiança em sistemas de classificação atuais que não
se sobreponham ou estejam completos. Mais uma vez, entretanto, há espaço para se
acreditar que essas incertezas estarão superadas num futuro próximo, já que os
estudos experimentais que dissociam os processos alternativos da aprendizagem
social aparecem cada vez mais.
Evolução da cultura
A dimensão através da qual as
habilidades de aprendizagem dos animais são moldadas pela seleção natural em
resposta aos desafios ecológicos espécie-espécie ou aos processos gerais que variam
pouco através dos taxa tem sido, por muito tempo, motivo de disputa. Esta
questão está posta no centro do debate entre etólogos e psicólogos comparativos
dos anos 1940 aos anos 1960, e reemergiu em discussões recentes da psicologia
evolutiva e da ecologia cognitiva. No entanto, começa a surgir algum consenso. Enquanto
muitos mecanismos de aprendizagem forem extremamente gerais, haverá pouca evidência
para os mecanismos psicológicos que guiam e direcionam a aprendizagem e os processos
perceptivos associados em resposta a problemas ecológicos específicos. Por
exemplo, pássaros com hábitos de estocagem de sementes (scatter-hoarding)
como o melharuco azul Parus caeruleus podem
armazenar e recuperar muitas centenas de itens alimentares, enquanto membros do
mesmo gênero que não estocam alimentos parecem não possuir essa capacidade de
memória espacial. Existem especializações similares de adaptação na
aprendizagem social. Quando expostos a canções de várias espécies, jovens de
algumas espécies de pássaros têm preferência por aprenderem canções co-específicas,
enquanto diversos macacos parecem estar predispostos ao medo de cobras (ao
contrário de outros objetos), por seleção natural prévia, ao verem outros macacos
temerem a presença de uma cobra.
Figura
1. Aprendizagem social em esgana-gata.
(a) Esgana-gata de nove espinhas e (b) Esgana-gata de três espinhas. Estudos
experimentais revelam que esgana-gata de nove espinhas, mas não os de três
espinhas, são capazes de aprender sobre a riqueza de uma mancha de alimento
através da observação deoutros peixes, uma forma
de aprendizado social conhecido como “uso de informação pública”. A diferença,
em duas espécies estreitamente relacionadas e com estilos de vida muito similares
é, provavelmente, atribuída a uma especialização adaptativa na aprendizagem
social. As defesas morfológicas mais frágeis da espécie com nove espinhas os
deixa mais vulneráveis à predação do que as espécies mais robustas de três espinhas,
o que os leva a gastar mais tempo se escondendo em refúgios, de onde a seleção
convenientemente estruturou a habilidade deles monitorarem o sucesso de outros nas
machas de alimentos.
Um exemplo particularmente
instrutivo é um estudo experimental sobre o uso de informação pública (a
habilidade de avaliar a qualidade de um recurso com base no sucesso de outros
indivíduos) em duas espécies estreitamente relacionadas de esgana-gata (figura
1). Isabelle Coolen e colegas, recentemente, descobriram que os esgana-gata de nove
espinhas, após observarem o comportamento alimentar de peixes co-específicos ou
hetero-específico em duas manchas de alimentos, e quando testados separadamente,
tendem a se aproximar do local da mancha de alimento mais rica. Como sua
experiência observacional era restrita ao sucesso relativo aos peixes
demonstradores, e as explicações alternativas potenciais poderiam ser desconsideradas,
as autoras acreditam que a espécie de nove espinhas era capaz de usar a
informação pública. Entretanto, os esgana-gata de três espinhas, quando sujeitos
ao mesmo experimento, nadaram com a mesma frequência para as manchas ricas e
pobres em alimento. Essas
espécies foram coletadas nos mesmos córregos, frequentemente do mesmo cardume,
e comem alimentos similares.
Por que uma espécie, e não a
outra, deve exibir uma forma específica de aprendizagem social? A resposta para
esse enigma vem de uma fonte surpreendente: análises matemáticas de vantagens
adaptativas da cultura humana. Os antropólogos californianos Rob Boyd e Peter
Richerson postularam a hipótese da informação de alto custo, que propõe um
intercâmbio evolutivo entre a informação confiável adquirida pelo indivíduo,
porém de alto custo, e a informação social transmitida socialmente,
potencialmente menos confiável e mais barata. Neste caso, o custo relativo de se
adquirir informação individualmente varia entre as duas espécies de esgana-gata,
o que determina o valor da informação pública. A espécie de três espinhas possui espinhas
grandes e placas que formam uma armadura no corpo, defesas estruturais robustas
que permitem experimentarem manchas alternativas de alimento, em relativa segurança.
Tal amostragem com indivíduos da espécie de nove espinhas, que têm defesas
físicas mais frágeis, indica que eles ficariam vulneráveis à predação e,
portanto, em termos de desempenho, seria extremamente custoso. Consequentemente,
a espécie de nove espinhas passa a maior parte do tempo em refúgio, de onde a
seleção aparentemente favorece a habilidade de monitorar indivíduos melhor sucedidos.
Pesquisas adicionais confirmam que a diferença nessa espécie é robusta. De fato,
acumulam-se evidências consideráveis entre peixes, pássaros e mamíferos de que
os animais ignoram a informação social sob circunstâncias específicas e previsíveis.
Por exemplo, os esgana-gata de nove espinhas ignoram a informação pública se tiverem
informação pessoal confiável e atual, contudo exploram a informação pública se
sua informação pessoal for incerta ou desatualizada. A informação social e pessoal
não tem o mesmo peso e os animais vão avaliar entre as duas de modo
condicional, de acordo com a confiabilidade e custos respectivos. Regras
evoluídas, rotuladas como estratégias de aprendizagem social, ditam as
circunstâncias sob as quais os indivíduos imitam os outros e quando confiam na
sua experiência pessoal.
Em tal regra – imitar quando a
aprendizagem anti-social é cara – já tem sido descrita para esgana-gata, mas é
provável que haja muitas estratégias de aprendizagem social na natureza (obedecer,
imitar os indivíduos mais bem sucedidos, imitar qualquer um que faça melhor do
que você, e assim por diante) e os pesquisadores estão, apenas agora, começando
a estudá-las.
O estudo da cultura animal tem
revelado uma interação fascinante e rica entre dois sistemas de herança – genes
e cultura – nos quais cada um, em certa medida, foi moldado pelo outro.
Processos de aprendizagem social: definições e exemplos
Aprendizagem
social: qualquer processo através do
qual um indivíduo (“o demonstrador”) influencia o comportamento de outro indivíduo
(“o observador”) de modo a aumentar a probabilidade de o observador aprender.
Vários
processos de aprendizagem social já foram propostos, incluindo:
Intensificação
local: o demonstrador atrai inadvertidamente
um observador para um local específico, resultando na aprendizagem deste. Por exemplo:
peixes lebiste jovens seguem indivíduos informados até o alimento.
Intensificação
de estímulo: o demonstrador inadvertidamente
expõe o observador a um estímulo particular, o que leva ao aprendizado do observador.
Por exemplo: pássaro melharuco azul aprende a abrir a tampa de garrafas de
leite mais rapidamente depois de ter sido exposto a garrafas abertas por outros
pássaros.
Condicionamento
observacional: uma demonstração de comportamento
inadvertidamente expõe um observador à relação com estímulo, o que permite com
que o observador faça uma associação entre ambos. Por exemplo: melros aprendem
a reconhecer os predadores através da observação de grupos de pássaros se
mobilizando contra
objetos não familiares.
Facilitação
de resposta: a presença de um
demonstrador atuando aumenta a probabilidade de um animal que o veja fazer o
mesmo, o que leva ao aprendizado do observador. Por exemplo: a taxa com que as
galinhas iniciam surtos de limpeza de plumagem estão fortemente relacionadas ao
número de aves que já estão realizando limpeza das plumas no mesmo local.
Imitação
contextual: através da observação de
um demonstrador atuando em um contexto determinado, o observador terá mais
chances de atuar daquela forma no mesmo contexto. Por exemplo: pombos que
observam os demonstradores ciscando em um pedal em busca de recompensas alimentares
têm mais chances de resolverem a tarefa através do uso do método observado.
Imitação
de produção: depois de observar o
demonstrador atuando de uma nova forma, com a sequência ou combinação de ações,
há mais chances do observador agir da mesma forma ou usando a mesma sequência de
ações. Por exemplo: Humanos aprendem os golpes de tênis e aprimoram o swing
do golfe através da observação de técnicos do esporte.
Emulação: depois
de observar o demonstrador interagindo com objetos em seu ambiente, o observador
tem mais chances de ser persuadido a reproduzir um efeito semelhante com esses
objetos. Por exemplo: chimpanzés aprendem a obter comida que esteja fora de seu
alcance com uso de ferramenta depois de observar o demonstrador, mas não
reproduzem seu padrão motor.
Kevin Lalan é biólogo,
professor e chefe do Laboratório de Aprendizagem Social e Evolução da Universidade
de St Andrews, na Escócia. Email: knl1@st-andrews.ac.uk. Este artigo foi originalmente publicado em ingles no periódico Current Biology, Vol.18, no.9, 2008.
Leia
mais:
Boyd, R., and Richerson, P.J.
(1985). Culture and the evolutionary process
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Chicago University Press).
Byrne, R.W., Barnard, P.J.,
Davidson, I., Janik, V.M., McGrew, W.C.,
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Coolen, I.,
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of St. Andrews, ButeMedicalBuildings,
Westburn Lane, FifeKY16 9TS,
UK.