O fascínio exercido pelos perfumes impregna toda a História. O tema já inspirou poetas e artistas e deu origem a um best-seller, traduzido para 45 idiomas, com mais de 15 milhões de cópias vendidas em todo o mundo.
A obra, do alemão Patrick Süskind, de 1985, que narra a história do francês com olfato, apuradíssimo, capaz de reconhecer cheiros a quilômetros de distância, ganhou uma versão no cinema, com o filme Perfume – A história de um assassino.
Mas o que se quer destacar é que tanto o livro quanto o filme trazem para a reflexão um tema sempre atual e em evolução contínua. A evolução da perfumaria, ao longo dos séculos, traça uma linha sempre ascendente, marcando os grandes saltos da ciência.
Livro e filme evocam o século XVIII, na França, com tomadas feitas inclusive em Grasse, a capital mundial do perfume. Naturalmente, a essa altura, já se descobrira o uso do vidro, e, com ele, o homem foi capaz de aprisionar, nos menores frascos, os perfumes mais raros do planeta!
Das primeiras ervas usadas pelos egípcios, nos banhos aromáticos, às fórmulas sintéticas da moderna indústria cosmética, o perfume (do latim per fumum, ou seja “através da fumaça”) apresenta uma trajetória extraordinária — que tem início nas queimas de ervas e madeiras e evolui para os aromas à base de óleos extraídos das flores de henna, açafrão, menta e zimbro.
Depois que Avicena, o mais famoso médico árabe, descobriu a técnica da destilação, no século X, a indústria aromática deu um salto significativo, e foi ali, nos alambiques do Império Islâmico, que o mundo conheceu a Água de Rosas, perfume à base de essências extraídas dessas flores. Em seguida, ainda na Idade Média, surge a Água de Toilette, feita para a rainha da Hungria.
No século XIX, o perfume torna-se também um aliado da medicina, especialmente nas técnicas psicoterapêuticas. A vinculação do nosso psiquismo às impressões olfativas é bem explorada no filme citado. O protagonista da história — que nascera numa feira de Paris, enquanto a mãe trabalhava limpando peixe — vai carregar por toda a vida, no inconsciente, os odores característicos.
Dos períodos bárbaros, quando era obtido a partir da queima de madeira e resinas, para dar melhor sabor aos alimentos, o perfume conheceu vários momentos, até sua aplicação na moderna indústria de cosméticos, de essências aromáticas, de alimentos e em outras tantas áreas.
A indústria de perfumaria é dinâmica e seu interesse por novos produtos da biodiversidade brasileira é crescente, constituindo importante nicho de mercado para a exploração comercial da flora aromática nacional, a exemplo dos óleos essenciais de pau-rosa (Aniba rosaeodora) e, recentemente, os óleos essenciais de priprioca (Cyperus articulatus) e louro-rosa (Aniba ferrea).
Em Campinas, o Instituto Agronômico, órgão da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento, vem se constituindo, desde a década de 50, em referência para o país nas pesquisas de óleos essenciais.
O Brasil detém a maior diversidade genética vegetal do mundo, contando com mais de 55.000 espécies catalogadas, de um total estimado entre 350.000 a 550.000 (Nodari e Guerra, 1999), consistindo em importante potencial de desenvolvimento socioeconômico para o país, como fonte de óleos essenciais para o setor produtivo. Industrialmente os óleos essenciais são empregados como matérias-primas para a indústria de perfumaria.
Por consistirem produtos oriundos da biodiversidade é imprescindível que, em conjunto com o benefício econômico, seja levado em conta o uso sustentável e a preservação do meio ambiente. Dentro deste contexto o Centro de P & D de Recursos Genéticos Vegetais, do Instituto Agronômico (IAC), implantou, em 1994, o programa de óleos essenciais, visando contribuir para sua cadeia produtiva, envolvendo o setor de perfumaria. Ao longo dos 13 anos de atuação na área, criou-se uma equipe multidisciplinar composta de especialistas nas áreas de botânica, genética (melhoramento genético, biologia molecular, citogenética), fisiologia e química de produtos naturais para o estudo de óleos essenciais de plantas cultivadas e nativas, esta última visando à exploração sustentável.
A exploração comercial desses recursos genéticos deve levar em conta, além do fornecimento contínuo dos óleos essenciais, a conservação dos ecossistemas e a melhoria das condições de vida das populações locais. Deve-se considerar também a identificação correta do material utilizado, uma vez que as populações de uma espécie podem apresentar significativa variabilidade genética e química. Dessa maneira, a exploração sustentável das espécies de interesse comercial deve ser feita, com base na determinação taxonômica correta e em informações sobre a sua distribuição geográfica, e em estudos demográficos, de biologia reprodutiva, de variabilidade genética, química e fisiológica. O conjunto dessas informações permite, além do manejo sustentável, a domesticação e o cultivo ex situ das espécies, diminuindo ou mesmo eliminando o impacto negativo do extrativismo predatório.
As pesquisas no Centro de P & D de Recursos Genéticos Vegetais do IAC abordam a caracterização química dos óleos essenciais, diversidade genética das espécies, o cultivo e o melhoramento genético de plantas aromáticas podendo-se destacar: Piper aduncum, Ocimum gratissimum (alfavaca cravo) e Ocimum selloi (alfavaquinha), Lippia sidoides (alecrim pimenta), Cyperus sp (priprioca), Lychophora pinaster, Lippia alba (falsa melissa).
Dentre as espécies nativas da flora aromática nacional, a pesquisa com a Lippia alba, iniciou-se há cerca de 10 anos, por meio da caracterização química e genética de acessos de varias regiões do Brasil (Santos-Mendes, 2001), cultivo (Ventrella, 2000; Ehlert, 2003), seguido de melhoramento genético (Yamamoto, 2006; Schocken, 2007).
Com relação ao melhoramento genético convencional estão sendo estudadas em Lippia alba, a interação genótipo x ambiente na produção e qualidade de óleos essenciais. Foram identificados clones altamente produtivos para massa seca e teor de óleo essencial, assim como foi criada uma população de base genética ampla em Lippia alba para os quimiotipos citral, mirceno/cânfora, limoneno/carvona e linalol, cuja substância está presente no óleo essencial de pau-rosa, espécie da Amazônia, empregada na fabricação do perfume Chanel nº 5.
Além disso, foi desenvolvida por recombinação em polinização aberta entre os cinco quimiotipos mencionados (20 clones) uma população inédita no país, de ampla base genética, que tem gerado novos clones quanto a caracteres agronômicos e químicos. Com isso, pode-se obter óleos essenciais com características químicas e olfativas diferenciadas para o emprego na indústria de perfumaria.
Óleos essenciais... A biodiversidade brasileira espalhada pelo mundo!!!
Márcia Ortiz Mayo Marques é pesquisadora do Instituto Agronômico (IAC) e Rubens Toledo é jornalista.
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