A partir da década de 1960 os cineastas latino-americanos
começam a buscar um cinema de ação conscientizadora e transformadora, onde as pessoas
pudessem se encontrar e se reconhecer. Este cinema tem como reduto festivais,
cinematecas e cineclubes. “O cinema latino-americano começa a querer dar uma
cara mais real, política e autoral para seus filmes”, diz Mariana Mól, doutora
em artes da UFMG e especialista em cinema latino-americano.
O novo cinema latino-americano se consagrou em 1967,
no Chile. O Festival Internacional de Cinema de Viña del Mar reuniu nomes como
os brasileiros Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, o cubano Humberto
Solás, o argentino Leopoldo Torre Nilson, o chileno Miguel Littin e o boliviano
Jorge Sanjinés. Cada país da América Latina vivia, na época, contextos
sociopolíticos diversos e o festival possibilitou o encontro de distintos
movimentos nacionais: Cinema Novo no Brasil, Icai em Cuba, Libertação na
Argentina, Grupo Ukama na Bolívia, Independente no México, Experimental e Novo Cine
chileno, Terceiro Mundo no Uruguai, Documental na Colômbia, Novo na Venezuela
etc.
Apesar dos distintos nomes e contextos, a vontade
política de transformação social convergia os cineastas para pontos em comum.
Nesse festival, de Viña del Mar, ficou claro que, mais do que nunca, era
necessário se reconhecer nas imagens, buscando identidade ao produzir um cinema
com mais vontade do que técnica, com mais potência do que rigor estético. A
ideia primordial era produzir um cinema diferente, nem de entretenimento, nem
de evasão. “O cinema devia servir à conscientização sobre os problemas da
pobreza e da exploração da América Latina e sobre a política entreguista e
antipopular de suas classes governantes”, explica Marina.
A ideia fundamental era, portanto, a construção de uma
cinematografia própria e liberta, totalmente aberta à experimentação, que
buscasse novas linguagens que permitissem o distanciamento das formas e
conteúdos do cinema industrial e de consumo. O lema do brasileiro Glauber Rocha
– “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, traduzia perfeitamente o espírito
da época.
No Brasil, as críticas à chanchada e ao modelo
hollywoodiano da Vera Cruz funcionaram como um instrumento de retórica contra
tudo o que havia sido feito no cinema nacional até então e para definir as
linhas gerais do que seria o cinema novo no Brasil. Ao lutar para que o cinema
se tornasse uma expressão da cultura brasileira, esse movimento pode ser
considerado um herdeiro da geração modernista dos anos 20 e 30. Glauber Rocha,
considerado por muitos o porta-voz do movimento, deixa claro, em 1962, os
desejos dos cinema-novistas brasileiros: “Nós não queremos Eisenstein,
Rossellini, Bergman, Fellini, Ford, ninguém. Nosso cinema é novo não por causa
da nossa idade. Nosso cinema é novo porque o homem brasileiro é novo e a
problemática do Brasil é nova e nossa luz é nova e por isso nossos filmes
nascem diferentes dos cinemas da Europa”.
Assim, as produções desse período começam a mostrar a
miséria e os problemas sociais dentro de uma perspectiva crítica, contestadora
e cultural. Nomes como Glauber, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Miguel
Borges, Paulo César Saraceni, dentre outros, deram imagem e som ao movimento no Brasil, em filmes como Mandacaru vermelho
(1961), Cinco vezes favela (1962), Deus e o diabo na terra do sol (1964), Terra em transe (1967), O dragão da maldade contra o santo guerreiro
(1969) e Macunaíma (1969).
Golpe e
recessão
Nas décadas de 1970 e 1980, o contexto político na
América Latina não era o melhor para o fortalecimento do cinema. “As grandes
ditaduras militares do Cone Sul e a progressiva aparição do tema da dívida
externa no continente foram mais freio que impulso para uma arte ainda jovem
para esses países”, afirma Mariana.
No Brasil, o governo militar cria a estatal
Embrafilme, com o intuito de promover (e controlar) a indústria cinematográfica
nacional. Com financiamento público e salas de exibição garantidas em lei, a
Embrafilme promove os filmes nacionais em meio ao domínio dos filmes
estrangeiros. Em São Paulo, outro movimento que surge nessa época é o Boca do
Lixo, que produz, no período de 1960 a 1980, filmes de baixo orçamento, com
forte apelo erótico, conhecidos como pornochanchadas.
Na década de 1980 o cinema latino-americano enfrenta
uma grave crise devido à forte recessão econômica da época. No Brasil, os donos
de cinema começam uma luta na justiça contra a obrigatoriedade de exibir filmes
nacionais e muitas salas param de passar os filmes brasileiros. A “Lei do
Curta”, criada em 1975, foi aperfeiçoada em 1984 e garantiu que antes de todo
longa estrangeiro um curta-metragem brasileiro fosse exibido. Nesse período,
surgem, então, novos cineastas e novas propostas de produção. Curtas brasileiros
ganham vários prêmios internacionais, como o Ilha das flores, de Jorge Furtado, que vence o Festival de Berlim
na categoria e é eleito pela crítica europeia um dos mais importantes
curtas-metragens do século XX.
Blecaute e
retomada
Na década seguinte, o Brasil passa por um blecaute
cinematográfico por causa da era Collor, que extinguiu a Embrafilme,
o Concine, a Fundação do Cinema Brasileiro, o Ministério da
Cultura, as leis de incentivo à produção, a regulamentação do mercado e até mesmo
os órgãos encarregados de produzir estatísticas sobre o cinema no Brasil. A
retomada do cinema nacional se dá com o fim da breve era Collor, com a criação
da Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual e diversas leis de
incentivo. Foi nessa década também que as organizações Globo criaram sua
própria produtora, a Globo Filmes, que se envolveu em diversas produções
cinematográficas e consagrou sua supremacia em 2003, quando seus filmes
obtiveram mais de 90% da receita da bilheteria do cinema nacional e mais de 20%
do mercado total. Alguns filmes lançados no final do século XX e primeiros anos
do século XXI, com uma temática atual e novas estratégias de lançamento,
como Central do Brasil (1998),
de Walter Salles, Cidade de
Deus (2002),
de Fernando Meirelles, Carandiru (2003), de Hector Babenco, e Tropa de elite (2007), de José Padilha, alcançam
grande público no Brasil e reconhecimento internacional.
O cinema latino-americano contemporâneo é fortemente
marcado por uma diversidade de expressões. “Não podemos afirmar que exista um
cinema latino-americano, no singular, pois é tão diverso, plural, tem propostas
próximas de Hollywood, da europeia e mais outras”, diz Mariana. “São vários os
cinemas latino-americanos contemporâneos, que apresentam formas de produção,
estilos, durações, formatos e experiências específicas de cada local.” Mas há marcas
comuns: “Força do real nas histórias; narrativas carregadas de afeto;
coprodução entre os países e uso de leis de incentivo governamentais para
auxílio nas produções”, enumera a pesquisadora.
Para a especialista, uma característica do cinema
brasileiro contemporâneo a ser destacada é a articulação de coletivos de
produção fora do eixo RJ-SP, como a Teia (MG), Filmes de Plástico, os grupos de
cinema do Recife, do Ceará e também do sul do país.
Longo
percurso
Na primeira sessão pública latino-americana de cinema de
que se tem notícia foram apresentados oito filmetes retratando cenas pitorescas
do cotidiano na Europa. Foi no Rio de Janeiro em 1896, apenas seis meses após a
projeção inaugural do cinematógrafo feita pelos irmãos Lumiére, em dezembro de
1895, na França. No mesmo mês, Argentina e Uruguai também foram contemplados
com suas primeiras sessões, seguidos de México, Chile e Guatemala, ainda em
1896, e Cuba, em 1897.
O cinema nacional demorou para se desenvolver. Foi
somente na década de 1930 que surgiram as primeiras grandes empresas
cinematográficas no país – a Cinédia e a Brasil Vita Filmes, responsáveis pelos
famosos Ganga bruta (1933) e Favela dos meus amores (1935). Nos anos
anteriores, o país se caracterizou mais pela estruturação do mercado exibidor,
com alguns espaços dedicados à exibição exclusiva de filmes dos EUA. Diversos
acordos comerciais consolidaram a dominação norte-americana, pois permitiram,
entre outros, a entrada isenta de taxas alfandegárias dos filmes
estadunidenses. Os filmes brasileiros, até então produzidos fora do eixo
Rio-São Paulo, ficavam restritos a ciclos regionais, enfrentando dificuldades
relacionadas à distribuição e exibição.
Nas décadas de 1940 e 1950, duas grandes empresas
cinematográficas se destacaram: a Atlântida Cinematográfica e a Companhia
Cinematográfica Vera Cruz. A Atlântida, fundada em 1941, se caracteriza
incialmente pela produção de comédias musicais de fácil comunicação com o
público, tendo como tema principal o carnaval. Posteriormente, a empresa se
consagra como a maior produtora do gênero conhecido como chanchada, que explora
a comédia de costumes e satiriza os dramas norte-americanos de sucesso,
criticando de maneira sarcástica a xenofilia da elite brasileira. A chanchada
foi amplamente aceita pelo grande público e duramente criticada na época pelos
mais intelectualizados. Porém, foi na chanchada que pela primeira vez na
história do cinema nacional associou-se produção com distribuição, quando, em
1947, Luiz Severiano Ribeiro, dono do maior circuito exibidor brasileiro,
torna-se o maior acionista da empresa.
Fundada em 1949, a Vera Cruz foi outro grande marco do
cinema nacional. Seus idealizadores, influenciados pelo neorrealismo italiano,
criam a companhia cinematográfica com o intuito de produzir filmes de
qualidade, criticando o modelo hollywoodiano e exaltando a intelectualidade do
cinema europeu. A empresa constrói grandes estúdios, com equipamentos
importados, contrata técnicos estrangeiros e elencos fixos. Com isso, embora
criticasse o modelo hollywoodiano, a Vera Cruz acaba por reproduzi-lo, se
distanciando de algumas das características básicas do neorrealismo – produção
barata, fora dos estúdios e com atores pouco conhecidos. Apesar de todo o
investimento na produção, a empresa pouco se preocupou com a distribuição e a
exibição dos filmes, que ficou a cargo de multinacionais, também produtoras de
filmes, e que não tinham interesse em ceder espaço de seu mercado para o cinema
brasileiro. A empresa foi à falência e, pressionada pelas dívidas, vendeu os
direitos do primeiro filme brasileiro de sucesso internacional, O cangaceiro (1953), de Lima Barreto,
para a Columbia Pictures.
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