A aproximação entre o mundo empresarial e o acadêmico pode ser fundamental para a inovação e o desenvolvimento tecnológico do país, e a importância em inovar e gerar novos conhecimentos e tecnologias vem crescendo e mudando a relação entre esses dois núcleos nas últimas décadas. Em todo o mundo, principalmente a partir da segunda metade do século XX, houve a aproximação entre as instituições acadêmicas e o mercado. No Brasil, esse processo ganhou força a partir do início do século XXI e ainda está em expansão. As principais universidades não estão mais apenas empenhadas em produzir conhecimento e formar profissionais, mas também em contribuir com o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Assim, por meio do empreendedorismo estimulado em universidades, está sendo quebrada a barreira cultural que separava o mundo acadêmico das empresas, estabelecendo uma nova e benéfica relação para ambos.
No mundo, a percepção de que o empreendedorismo poderia ser ensinado começou a circular nos anos 1970 e 1980, especialmente nos Estados Unidos, e resultados podem ser vistos em Babson College, Stanford e Baylor University, por exemplo. Essas universidades são centros de excelência em ensino e, ao mesmo tempo, promovem maior contato de seus alunos com o mundo empresarial, dando a eles a oportunidade de seguirem uma carreira empreendedora. “Especialmente nos Estados Unidos, as universidades têm conexão muito forte com o empreendedorismo. Além de faculdades totalmente focadas no tema, como a Babson, lá é tradição as faculdades serem financiadas por grandes empreendedores, o que praticamente não existe no Brasil. Há a cultura de se empreender já na universidade, com grande oferta de estágios, entidades estudantis e centros de empreendedorismo”, explica Verônica Mussi, gestora de educação na Endeavor, empresa presente em vários países e responsável pelos principais programas de educação empreendedora.
“No Brasil esse movimento é muito recente. Quando a Endeavor iniciou as atividades no país, em 2000, a palavra empreendedorismo nem existia no dicionário. Hoje, o cenário é outro: a cultura empreendedora no Brasil é uma das mais fortes do mundo. As universidades já começam a perceber esse movimento, atuando cada vez mais no tema. O número de atividades e cursos focados nessa área aumentam ano a ano”, diz. Essa evolução pode ser observada nas duas principais universidades do país, USP e Unicamp, que possuem agências de empreendedorismo e inovação – Agência USP de Inovação e Agência de Inovação da Unicamp, criadas em 2003.
Benefícios e barreiras
O empreendedorismo em universidades pode trazer grandes benefícios tanto para os centros de pesquisa – e seus alunos – como para as empresas. “Universidades públicas recebem recursos, normalmente escassos, essenciais para o desenvolvimento do conhecimento. Com isso, a busca por novos recursos talvez seja um importante estímulo para que as universidades e os institutos de pesquisa almejem e participem do processo de cooperação com o mundo produtivo”, aponta Ana Sílvia Ipiranga, pesquisadora da Universidade Estadual do Ceará, em seu artigo intitulado “O empreendedorismo acadêmico no contexto da interação universidade – empresa – governo”. “Além da necessidade financeira, outros fatores contribuem para essa postura da universidade, como a aproximação com a realidade técnica, econômica e social, e sua incorporação nos currículos dos cursos, bem como a contribuição para a transformação tecnológica e social que se espera dos centros de pesquisa e das universidades”, diz ela.
Se, por um lado, as universidades ganham com a obtenção de recursos e possível aumento da relevância da pesquisa acadêmica – e seus alunos com melhores possibilidades de emprego – as empresas também se beneficiam da relação. Dentre as mais importantes vantagens para as empresas estão o acesso a recursos humanos qualificados, laboratórios e instalações, e conhecimento antecipado de resultados de pesquisas. Todos esses fatores contribuem para que o processo de desenvolvimento de novas tecnologias seja feito de modo mais rápido e eficiente.
Apesar dos benefícios, existem dificuldades para realizar o empreendedorismo dentro de universidades. “As relações entre empresas e universidades são motivadas por diversos fatores, mas, ao mesmo tempo, são desestimuladas por outras tantas barreiras. Isso se deve ao fato de que ambas as organizações possuem naturezas distintas, com princípios e valores muitas vezes antagônicos”, afirma Ipiranga. Por um lado, a universidade pode dar mais valor à pesquisa básica do que à pesquisa aplicada e sua comercialização, e ter docentes que não compreendem as necessidades do setor produtivo. Por outro, as empresas têm, em geral, visão imediatista e normalmente exigem o direito de propriedade intelectual.
As diferenças de interesse são parte importante na formação das barreiras. Enquanto as universidades visam à publicação de artigos científicos, as empresas objetivam o desenvolvimento de produtos com aplicações imediatas. “Dentro da universidade frequentemente não se escutam as demandas da sociedade e das empresas. O objetivo final de professores é gerar um paper, e não um produto para impactar e beneficiar a sociedade”, diz Thierry Cintra Marcondes, aluno de engenharia mecânica da Unicamp. Em 2011, Marcondes começou sua trajetória empreendedora, ao vencer o Prêmio Bayern do Projeto Jovens Empreendedores Ambientais, e se apaixonou pela área. No ano seguinte, venceu uma competição de modelos de negócios da Inova Unicamp e decidiu criar a Liga Empreendedora, com o intuito de aproximar o empreendedorismo da universidade e superar as dificuldades da relação entre empresas e centros de pesquisa. “O objetivo da Liga é transformar ideias em produtos ou empresas”, resume Thierry. Fundada em 2012, possui mais de 40 membros ativos entre estudantes de graduação e pós-graduação, que se reúnem semanalmente para discutir projetos.
A importância do incentivo
Ainda são poucos os profissionais aptos a incentivar o empreendedorismo no meio acadêmico. “Como o ensino dessa área ainda é recente no Brasil, a formação de professores especializados é uma dificuldade, assim como mostrar ao universitário a importância de se preparar para empreender no futuro”, diz Mussi, da Endeavor. O estágio em empresas é uma das maneiras de dar o passo inicial. Entretanto, eles são frequentemente conduzidos de maneira inapropriada e distanciam os estudantes do mundo empresarial. “Muitas vezes não estimulam o empreendedorismo nem a troca de conhecimento. Isso acontece, por exemplo, quando os alunos são colocados apenas para realizar tarefas operacionais”, critica Thierry.
Os estágios não são, porém, a única maneira de estimular a mentalidade empreendedora. “Um ótimo começo é incentivar a criação de empresas juniores e estreitar o diálogo com empreendedores, bem como a criação de cursos focados em empreendedorismo que mesclem atividades teóricas e práticas”, sugere Mussi.
É necessária a continuação de incentivos e a melhoria do diálogo entre dois mundos, aparentemente distintos, que unidos podem produzir excelentes resultados, utilizando os conhecimentos gerados nas universidades para a inovação e a produção de tecnologias, empresas e produtos que beneficiem a sociedade. “Além de auxiliar a formação de melhores empreendedores, a universidade, como centro de formação, deve oferecer cursos e atividades para que tenhamos mais e melhores empreendedores no Brasil. Ela pode ter papel fundamental na criação do espírito empreendedor no jovem, independentemente de sua atuação futura. Queremos ver cada vez mais brasileiros que sonhem grande", conclui Mussi. Lei de Inovação e NITs
A Lei de Inovação, criada em 2004, visa ampliar as parcerias entre
universidades e empresas para contribuir com o desenvolvimento
tecnológico do país. Os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) são uma
das maneiras de tentar estabelecer melhores relações entre institutos de
pesquisa e o setor produtivo. Nesses núcleos são detectados resultados
de pesquisas com potencial para patentes, entretanto, ainda é observada
resistência por parte dos pesquisadores. Muitas vezes, a preferência é
pela publicação de um artigo científico, tornando o conhecimento
público, e sem a proteção da patente, qualquer empresa pode se apropriar
da ideia e, caso o faça, o Brasil é forçado a pagar royalties para
reproduzi-la.
Os NITs buscam a proteção dessas tecnologias produzidas em
universidades, podendo gerar lucros e benefícios para o país e para os
próprios institutos de pesquisa. Segundo relatório internacional feito
pela Thomson Reuters, o número de patentes registradas no Brasil cresceu
64% entre 2001 e 2010. O destaque é para as universidades Unicamp e
USP, atrás apenas da Petrobras como principais criadoras de patentes no
período. O ponto negativo é o tempo de espera até a aprovação dos
pedidos. "O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) tem 150
mil pedidos acumulados e não é incomum que a aprovação leve de oito a
dez anos", apontam os responsáveis pelo relatório. De acordo com o Inpi,
esse tempo já caiu para cinco anos e deve continuar diminuindo. |
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