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Reportagem
Sob um céu de estrelas
Por Marta Kanashiro
10/08/2007
Seja para o longínquo ou para o ínfimo, há muito fascina o homem a possibilidade de potencializar as capacidades do olhar humano. Binóculos, lunetas, telescópios, microscópios, as máquinas ópticas vieram para responder a esse deslumbramento e deslocar os limites humanos de um dos sentidos fundamentais do corpo: a visão, e ampliar a quantidade de informações que temos sobre o meio que habitamos. Os observatórios e planetários carregam consigo exatamente esse fascínio que nos é tão antigo, locais que por excelência enaltecem a capacidade de olhar.

Enquanto os observatórios são usados para pesquisas, estudos e observações do céu e da Terra, e destinam-se tanto a cientistas, quanto a leigos, os planetários estão mais direcionados para o público em geral. Possuem equipamentos que não observam diretamente o céu, mas sim, o simulam a partir de sua projeção em uma cúpula ou abóboda. São mostradas as diferenças de observação a partir de regiões e épocas diversas do ano e são explicados, na maioria das vezes, conceitos mais simples de astronomia, para que o olhar do espectador seja guiado e informado sobre o céu noturno e sem nuvens que observa.

Já os observatórios, quando não são voltados exclusivamente à pesquisa, também podem educar o público leigo, mesclando esse tipo de atividade com estudos em astronomia, climatologia, geologia e meteorologia, dentre outras áreas. O trabalho de pesquisa dos diferentes observatórios é complementar. Isso porque nem todos se dedicam às mesmas áreas de estudo. Além disso, como se localizam em regiões diferentes podem investigar ângulos distintos do céu.

O Brasil conta hoje com observatórios de vários tipos e planetários espalhados em todas as macro-regiões do país. As regiões Sul e Sudeste concentram a maior parte deles, que estão presentes em todos os sete estados.

De acordo com o pesquisador em história da ciência, Marcos Calil, a concentração de observatórios nessas regiões ocorre sobretudo direcionada por interesses políticos e possibilidades de investimento. Em outras palavras, essas regiões não propiciam uma melhor qualidade na observação, nem estão vinculadas a uma região que permite vislumbrar características ou elementos no céu para os quais as pesquisas brasileiras estejam mais voltadas na atualidade. Segundo Calil, o melhor local no Brasil para construção de um observatório é o sertão nordestino, que congrega pelo menos duas condições importantes: é um local onde chove pouco e que tem pouca poluição luminosa.

O pesquisador explica que os observatórios precisam ser instalados em locais onde as luzes das cidades não ofusquem os elementos que se quer observar no céu, o que não é o caso das regiões Sul e Sudeste do país. O local também deve ter pouca umidade relativa do ar, a qual prejudica a ótica dos telescópios.

O Nordeste tem esses requisitos, mas a construção de mais observatórios na região Nordeste demandaria investimentos em infra-estrutura, como estradas e instalações elétricas, diz o pesquisador.

A questão da localização dos observatórios no Brasil é algo que pode afetar a produção de pesquisas assim como a divulgação da astronomia para um público mais amplo. Isso porque, em função da poluição luminosa, por exemplo, determinados temas em astronomia não podem ser ou são menos pesquisados. Calil exemplifica citando o Observatório de Diadema. “Quando o observatório foi construído, a região do entorno era vazia, mas essa situação e a luminosidade no local modificaram-se com o tempo. Por isso, o observatório teve que passar a se dedicar a pesquisas sobre o Sol, que não são prejudicadas pelas novas condições do local”, diz ele.

Além disso, os pesquisadores em observatórios trabalham com horas agendadas. Numa região que tem muita vegetação e chove muito a produtividade dessas horas de trabalho pode ser afetada. Com a disputa por horas em épocas de menor chuva na região, não há tempo para abrir o observatório para o público leigo e divulgar ou disseminar essa ciência.

Observatórios a olho nu – que são construídos a partir de orientações, tais como a posição de determinadas estrelas em algumas épocas do ano, ou a posição em que o Sol nasce ou se põe no equinócio ou solstício – poderiam ser uma solução para parte desse problema, ao proporcionar a observação do céu por um número maior pessoas, mas eles ainda são raros no país.

Laerte Sodré, astrônomo do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, afirma que a concentração de observatórios nas regiões Sul e Sudeste do Brasil na verdade é um reflexo do maior investimento nessas regiões, que também concentram a maior parte das universidades, centros e institutos de pesquisa. As limitações de pesquisas na área de astronomia, segundo ele, não se devem exatamente à localização dos observatórios nessas regiões, mas sim à capacidade dos telescópios que existem no país. Para ele, apesar da astronomia ter crescido muito nos últimos anos – em especial em função do Laboratório Nacional de Astronomia (LNA) – e apesar do Brasil ser o país com melhor colocação na produção dessa área na América Latina, os telescópios têm uma dimensão menor. Ainda de acordo com Sodré, além da umidade relativa do ar, outro requisito para a construção de um observatório é a altitude da região. Ele afirma que Chile e Havaí são os melhores locais próximos do Brasil para instalar um telescópio. “Foi essa nossa opção com o telescópio Soar. O investimento que a comunidade faz em grandes instrumentos é fora do Brasil porque as condições meteorológicas e atmosféricas são mais adequadas”, afirma o astrônomo.

O “Céu” para amplo alcance

Apesar desse panorama, existem iniciativas brasileiras que procuram dar conta da disseminação da astronomia. Uma delas iniciativas é da Fundação CEU, uma organização sem fins lucrativos voltada para a divulgação e ensino de astronomia, astronáutica, geologia e ciências afins, no município paulista de Brotas. A CEU realiza atividades de ensino e divulgação para escolas, empresas e outros grupos, desde 2001, tanto por meio de um planetário, como de um observatório.

Outro caso é do Momento Astronômico, um programa de entrevistas da TV Climatempo organizado por Marcos Calil, que já entrevistou mais de 40 astrônomos durante um ano e meio de existência. Em função do programa, foi criada também uma página, com mesmo nome do programa, no site Climatempo. A partir desta página o espectador pode ter acesso às entrevistas, a informações mensais sobre eventos (chamados efemérides) previstos para ocorrer no céu brasileiro e a dados sobre as condições de tempo para observadores e astrônomos amadores.

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Fig.1 - Cobertura do Eclipse anular do Sol de 22 de setembro de 2006, durante a programação da TV Climatempo.

Atualmente, um dos projetos mais amplos no sentido de difundir a astronomia no país é o “Telescópios na escola” (TnE). Participa dele há um ano e meio um grupo de seis instituições acadêmicas sob a coordenação do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG) com o objetivo de estimular o ensino de ciências por meio da astronomia. Além do IAG, compõe o projeto a Universidade Federal do Rio de Janeiro (Observatório do Valongo), Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. As instituições oferecem a utilização de telescópios robóticos, acessados por meio da Internet, para escolas de ensino médio e fundamental. Conectadas aos telescópios robóticos instalados nos observatórios das instituições envolvidas no projeto, as escolas operam remotamente os telescópios e obtêm imagens dos astros em tempo real.

Segundo Laerte Sodré, o objetivo básico do projeto – do qual é também coordenador no IAG – é promover o ensino de ciências. “Entendemos a astronomia como um meio e não como um fim. Queremos estimular o interesse em ciência em geral, mas possibilitando que os jovens desenvolvam um projeto científico”, explica ele. A idéia central, portanto, é que a própria escola e seus alunos elaborem e desenvolvam um projeto, façam a observação, analisem os dados e tirem suas conclusões. Sodré acrescenta que atualmente nem todos os telescópios robóticos das seis instituições estão funcionando, e no IAG, por exemplo, eles atendem apenas às sextas-feiras. Mas esse atendimento deverá ser estendido para todos as noites, incluindo a realização de pesquisas em geofísica e meteorologia.

A autonomia na pesquisa também deverá ser estimulada na medida em que todas as informações necessárias para que professores e alunos elaborem um projeto está disponível na internet. “Durante a fase piloto, chamada “observatórios virtuais”, notamos a necessidade de desenvolver um material que fosse auto-suficiente. O professor encontra tudo o que precisa em nosso site e também pode participar dos cursos sobre astronomia que oferecemos”, esclarece Sodré.

Ainda segundo o coordenador, está sendo criado um projeto complementar a este, que adiciona à observação o acesso a dados. Segundo Sodré, weblab é um sistema de ensino pouco utilizado nas nossas escolas e que deveria ser mais difundido uma vez que oferece grande retorno. “Os maiores beneficiados serão os próprios alunos”, argumenta ele.

Os mais antigos do país

No Brasil, o observatório mais antigo é Observatório Nacional (ON), localizado no Rio de Janeiro. Criado por D. Pedro I, em 1827, para realizar estudos geográficos e de ensino de navegação, o ON, atualmente subordinado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, realiza pesquisas em astronomia, geofísica e metrologia em tempo e freqüência, forma pesquisadores, capacita profissionais e ainda integra uma rede com o Observatório Magnético de Vassouras (também no Rio de Janeiro) e um observatório na ilha de Tatuoca, na foz do Rio Amazonas. O ON participou também da criação do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast) e do atual Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), responsável pelo avanço da astronomia brasileira nos últimos vinte anos.

Apesar de seu maior envolvimento com pesquisas, o Observatório Nacional também se dedica a divulgar a astronomia para professores e estudantes do ensino médio, a partir do curso “Astronomia no Verão”, que acontece desde 1997, geralmente no período de férias escolares. Dentre muitas outras atividades, o observatório ainda publica, há mais de cem anos, o Anuário do Observatório Nacional, que traz os principais acontecimentos em astronomia durante o período de um ano.

Já entre os planetários, o Planetário do Ibirapuera é o mais antigo, foi o primeiro a ser instalado na América Latina, em 1957. O prédio é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat). Com 2.800 lugares, o planetário foi reaberto no final de 2006 depois de vários anos fechado para reformas. O atual projetor, chamado StarMaster, funciona em conjunto com mais 44 projetores periféricos para mostrar o céu a partir de qualquer ponto do sistema solar. O sistema de projeção (fibra óptica) também permite que todas as estrelas sejam reproduzidas com cor e brilho reais.