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Artigo
A República Popular da China e a geopolítica da Ásia no início do século XXI
Por Carlos Eduardo Riberi Lobo
10/04/2012

Nas últimas duas décadas, a República Popular da China (RPC), tem cada vez mais assumido um papel de potência global em termos econômicos e também vem ampliando seu poder na área militar. Essas mudanças têm sido notadas no cenário internacional, com a RPC assumindo cada vez mais uma posição de destaque no mundo e não somente o papel de potência regional na Ásia, como era perceptível até a década de 1970. O aumento dos gastos militares e o investimento em tecnologia de ponta na área espacial, com o envio de astronautas ao espaço, infraestrutura, transportes, educação, revelam a intenção da RPC de atuar como país líder na Ásia e também como um ator significativo no cenário internacional.

De fato, a RPC busca retomar o tempo perdido. Para uma civilização milenar, que durante séculos esteve à frente do Ocidente em termos tecnológicos e militares, apenas com o início da era moderna no século XV é que os chineses passaram a enfrentar a competição ocidental, mais especificamente da Europa. Nos últimos duzentos anos, com o advento da Revolução Industrial, a influência europeia e ocidental na China foi consolidada, com a exploração comercial e a instalação de enclaves comerciais. Os exemplos das Guerras do Ópio no século XIX e a devolução de Hong Kong e Macau para os chineses apenas em 1997 e 1999 respectivamente, destacam a importância da relação tumultuada entre a China e o Ocidente.

Apenas depois do processo revolucionário chinês, entre 1911 e 1949, e a fundação da RPC, é que o cenário geopolítico da Ásia mudou, saindo do polo japonês para o chinês e mudando definitivamente a partir da década de 1980 a geopolítica regional asiática e global. Nesse sentido, a RPC busca consolidar o seu papel de potência na geopolítica global.

A geopolítica da Ásia nos últimos 200 anos: a dominação europeia e as revoluções chinesas no século XX

Desde meados do século XIX, a Ásia passou por uma nova onda de colonialismo europeu, mais profundo do que aquele iniciado no século XV, quando a presença europeia na Ásia foi iniciada pela expansão marítima portuguesa e o estabelecimento de áreas coloniais voltadas ao comércio. Nos últimos duzentos anos, a presença europeia tornou-se mais consolidada, com a dominação de civilizações milenares como a indiana e a chinesa. O colonialismo europeu, a partir da década de 1850, vai controlar boa parte da população asiática, e mesmo quando não controla toda a população ou seu território, irá exercer o domínio através da utilização da força e da imposição de padrões culturais ocidentais.

A divisão da China entre as potências europeias e o domínio da Índia pelos britânicos, assim como a presença dos franceses na Indochina e dos holandeses nas Índias Orientais, gerou ao longo dos anos uma série de revoltas e conflitos que serão duramente reprimidos pelos colonizadores. Na virada do século XIX para o XX, um novo ator surge na Ásia para desafiar o predomínio ocidental: o Império do Japão unificado depois da restauração Meiji em 1868 e que em 1894-95 derrota o Império Chinês, posteriormente toma Taiwan e em 1905 derrota a Rússia. O Japão mostra o seu poder na região, colonizando a península coreana e buscando novos territórios para abastecer com matérias-primas a sua indústria e ter também mercados cativos para seus produtos. A escola colonial europeia tinha feito adeptos rapidamente. O Japão, a partir do início do século XX, era a potência colonial na Ásia.

O surgimento do Japão como potência militar e econômica no início do século XX, mudou a geopolítica asiática. O equilíbrio do poder colonial europeu na região enfrentava um adversário local, com coesão social, poder militar e capacidade de empreender a sua própria expansão colonial em termos regionais. Entre 1905 e 1945, o império japonês dominou boa parte das antigas colônias europeias na Ásia, principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945. Nesse período, uma parte considerável da China foi dominada e colonizada pelo Japão, fomentando ainda mais o nacionalismo chinês.

O contrário poderia ser dito em relação à China. O império, enfraquecido e dividido, tinha cedido parte do seu território a potências coloniais ocidentais ao longo do século XIX. A revolta dos Boxer, em 1900, foi um primeiro sinal dessa crise. A China buscava, de fato, criar e consolidar o seu estado nacional frente a potências invasoras. A revolução chinesa, com características nacionalistas, iniciada em 1911 por Sun Yat-sem, vai durar até 1949, passando pela invasão japonesa na década de 1930, a luta entre nacionalistas e comunistas, a Segunda Guerra Mundial e o triunfo final dos comunistas sob o comando de Mao-Tsé-tung em 1949, proclamando a República Popular a China nesse mesmo ano. Os nacionalistas se retiram para Taiwan sob o comando de Chiang Kaishek, criando um foco de tensão geopolítica na região até os dias atuais, dividindo a China em duas.

A RPC e a geopolítica da Guerra Fria: a política pendular

O surgimento da RPC em plena Guerra Fria assustou o ocidente. Americanos e europeus estavam agora diante da aliança entre a RPC e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS. Na Ásia tudo indicava que a região parecia caminhar de modo acelerado para o bloco comunista. Cabia agora aos Estados Unidos defenderem o Japão das ameaças chinesa e soviética somadas. Ainda por cima, entre 1950 e 1953, a Guerra da Coreia dividiu a península coreana entre os blocos capitalista e comunista, entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, divisão política e ideológica não solucionada desde então.

Para os Estados Unidos, em termos geopolíticos e estratégicos, a junção política da grande massa terrestre da URSS e dos seus recursos naturais, humanos e poder militar, somados ao peso demográfico da RPC, pareciam confirmar os piores temores da escola clássica geopolítica e a teoria da dominação da Eurásia como passo para a dominação global. Na Ásia, a política norte-americana passou a ser de apoio aos regimes políticos que fossem contra o comunismo, ainda que não democráticos. Prevalecia o pragmatismo da política externa e da geopolítica norte-americana, visando garantir a sua preponderância no Atlântico e no Pacífico ao mesmo tempo.

A aliança entre a RPC e a URSS caminhou relativamente bem até o início da década de 1960, período no qual, além de fomentar a indústria de base e a bélica na RPC, os soviéticos colaboraram para a consolidação de um regime nos moldes do socialismo real na URSS na Europa Oriental. Entretanto, na RPC, com a maioria da população ainda vivendo no campo, o modelo revolucionário do Partido Comunista Chinês, o PCC, sempre foi muito peculiar. A burocracia stalinista e a sua adaptação à cultura e à civilização chinesa tinha seus limites. Essas tensões foram aumentando, até que em 1961, ocorreu o rompimento no bloco comunista, já que a RPC, em busca da bomba atômica, queria ter o controle completo das suas armas nucleares e não se submeter ao comando soviético, tendo obtido a sua arma atômica em 1964.

Esse rompimento e a Revolução Cultural, entre 1966 e 1976, levaram a um isolamento ainda maior da RPC, tanto na Ásia como em relação ao resto do mundo. A RPC era uma potência militar regional em termos geopolíticos asiáticos, mas tinha dois opositores de peso em termos militares e demográficos na região: a URSS e a Índia, países com os quais também tinha fronteiras comuns, além do fato da URSS ser uma aliada econômica e militar da Índia. As tensões entre a RPC e a Índia levaram a um conflito em 1962 e quase a um conflito nuclear com a URSS em 1969. Em termos geopolíticos, a RPC estava cercada, era necessário buscar novos aliados de modo mais pragmático.

Isso ocorreu em 1972. Surpreendendo o mundo, Henry Kissinger, secretário de Estado dos Estados Unidos, vai à RPC como representante de Nixon, aproximando os dois países e buscando uma aliança estratégica contra a URSS na geopolítica global. Um velho ditado chinês diz: “O inimigo do meu inimigo é meu amigo”, mesmo que esse antigo inimigo fosse o tigre de papel capitalista, ou seja, surpreendentemente, os Estados Unidos. Essa virada estratégica colocou a RPC novamente como um ator relevante no cenário global, e não mais apenas na geopolítica regional asiática. A aliança estratégica com os Estados Unidos colocava em xeque o papel estratégico da URSS na Ásia, agora em desvantagem.

Ao mesmo tempo, as reformas econômicas iniciadas por Deng Xiaoping em 1979, logo depois da morte de Mao e da neutralização da gangue dos quatro, começaram a modernizar a economia chinesa, saindo do modelo soviético e se aproximando mais do modelo dos tigres asiáticos, Taiwan, Hong Kong, Coreia do Sul e Cingapura, que obtiveram grande desenvolvimento econômico desde a década de 1960.

Desses países, apenas a Coreia do Sul não tem população predominantemente chinesa. O capitalismo de estado centralizado dos tigres era exercido em sua plenitude por chineses étnicos. De fato, bem longe dos modelos liberais de democracia ocidentais. Esses exemplos de desenvolvimento econômico, principalmente de Hong Kong e Taiwan, estavam literalmente em frente da RPC em termos geográficos. Isso levou à criação das Zonas Econômicas Especiais, nas regiões costeiras da RPC, com grande eficácia. O confucionismo e o capitalismo pareciam andar lado a lado sem grandes preocupações liberais ou a importação de modelos ocidentais de democracia.

Essa mudança de rumo também teve implicações geopolíticas importantes na Ásia até o final da Guerra Fria em 1991. As relações econômicas com os tigres asiáticos foram ampliadas e também com o Japão e países do sudeste asiático. Entretanto, em termos regionais, a RPC era vista cada vez mais pelos seus vizinhos como a grande potência regional, mesmo depois da crise política decorrente da repressão aos movimentos ocorridos na Praça da Paz Celestial em 1989, mostrando que o Partido Comunista da China - PCC e o Exército Popular de Libertação - EPL estavam de fato no comando da abertura chinesa, muito mais econômica do que política. O exemplo do fim do bloco comunista na Europa e o próprio colapso da URSS depois da glasnost e da perestroika, reforçaram ainda mais o modelo autoritário modernizante chinês, de crescimento econômico e reformas políticas graduais sob a tutela do PCC.

A RPC na geopolítica da Ásia desde o fim da Guerra Fria: islamismo, Índia, Japão, Rússia, ASEAN, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Taiwan e Estados Unidos

Com o fim da Guerra Fria, o cenário geopolítico da Ásia tornou-se mais volátil e complexo. A extinção da URSS, além de resultar no surgimento de novos estados-nação na Ásia, resultou na diminuição relativa do poder da Rússia na região, a herdeira geopolítica e militar da antiga URSS.

Os novos países da Ásia Central, em sua maioria muçulmanos, trouxeram novas demandas para a política externa regional e o papel geopolítico da RPC na Ásia:

1 – A questão muçulmana, abafada por décadas pela URSS e pelo domínio das repúblicas soviéticas, com população majoritariamente islâmica, agora surgia com mais força, principalmente no início do século XXI, depois dos atentados terroristas em 11 de setembro de 2001, e as guerras do Afeganistão e do Iraque. A RPC passava a possuir novos vizinhos com novas demandas internas. Por outro lado, essas antigas repúblicas soviéticas, com consideráveis reservas de petróleo, passavam a ser estrategicamente importantes para a RPC.

2 – A Índia, nas últimas duas décadas, passou por reformas econômicas que levaram ao crescimento econômico do segundo país mais populoso do mundo. Ao mesmo tempo, depois do fim da Guerra Fria, as relações entre a Índia e a RPC melhoraram, apesar das diferenças históricas e da disputas entre os dois países por preponderância regional como potências econômicas, militares e demográficas. A Índia também vem se aproximando, em termos militares e estratégicos, dos Estados Unidos na última década, além de reforçar a aliança militar com a Rússia, herdeira da URSS no papel de aliada militar. Não devem ser esquecidas também as boas relações da Índia com o Reino Unido, principalmente em termos militares, e com a Comunidade Britânica de Nações.

3 – O Japão, mesmo sendo um parceiro importante em termos econômicos, ainda gera desconfianças sobre o seu papel na Ásia como aliado preferencial dos Estados Unidos desde o final da Segunda Guerra Mundial. Potência econômica, mas não militar, mas contando com forças armadas modernas e com padrão tecnológico norte-americano, é ao mesmo tempo posto avançado das forças armadas norte-americanas no Pacífico. Tem ainda contra si, na relação diplomática e econômica com a RPC, a herança negativa do seu papel imperialista na China nas décadas de 1930 e 1940, até sua derrota para os aliados em 1945. Mas apesar de ser um potencial adversário, cada vez mais as relações econômicas entre a RPC e o Japão, nas últimas décadas, têm aumentado em complexidade e complementariedade.

4 – A Rússia passou a ser uma aliada importante desde o fim da Guerra Fria. Diferente da URSS, não havia mais uma disputa pela hegemonia na condução ideológica do mundo socialista, e a Rússia aparece como um contrapeso importante em termos geopolíticos e militares, em relação aos Estados Unidos, Japão e Índia. Nos últimos anos, a RPC tem sido um dos maiores compradores de armamentos russos no mundo, seguida de perto pela Índia, outro grande comprador. Aliás, tanto a RPC como a Índia estão construindo e reequipando sua aviação naval e adquirindo cada uma um porta-aviões de origem russa, ou seja, há um planejamento claro para a construção de forças aeronavais que possam ter projeção de poder, algo restrito à marinha dos Estados Unidos e de países da Otan com apoio norte-americano: Reino Unido, França, Itália e Espanha, que possuem porta-aviões operativos, como foi visto recentemente nos conflitos da Líbia em 2011-2012. A Rússia também pode ser uma grande fonte de recursos naturais para a RPC, como petróleo, minérios, nas próximas décadas, aumentando o laço estratégico entre as duas nações, que ainda têm uma fronteira em comum.

5 – Os países do sudeste asiático surgem como uma reserva estratégica da RPC em termos econômicos e geopolíticos. Vistos como área de influência da civilização chinesa desde o século XV, e possuindo um considerável contingente populacional de chineses da diáspora, são pontos de interconexão com a RPC na Ásia, cada vez mais ampliando uma relação de interdependência principalmente em termos econômicos.

6 – A península coreana é um ponto de fragilidade na geopolítica da RPC. A Coreia do Norte é o aliado necessário, mas instável, e com uma política externa bem agressiva em relação à Coreia do Sul, os Estados Unidos e o Japão, com uma retórica mais belicosa do que a própria RPC em relação a esses países, além da Coreia do Norte possuir armamento nuclear. A Coreia do Sul, além de um bom parceiro comercial e tecnológico, poderia ser um modelo de desenvolvimento a ser seguido no futuro pela RPC, com maior abertura política e democracia, mas com o estado forte, isso para algumas gerações à frente, pelo menos daqui a cinquenta anos.

7 – Taiwan é uma questão geopolítica central para a China desde a proclamação da RPC em 1949. Para Pequim, Taiwan deve voltar para a casa, ou seja, se submeter ao poder central como Hong Kong e Macau, adotando a solução de um país com dois sistemas. Entretanto, apesar da aliança estratégica de Taiwan com os Estados Unidos desde os tempos da Guerra Fria, atualmente a interdependência econômica com a RPC aumenta cada vez mais, e num futuro próximo, essa aproximação parece que irá aumentar. Todavia, a principal relação estratégica e militar de Taiwan ainda é com os Estados Unidos, e parece que isso não irá mudar num curto período de tempo. Aliás, essa é uma forma dos Estados Unidos pressionarem a RPC e a ampliação da sua atuação geopolítica na Ásia, assim como o apoio militar e estratégico norte-americano ao Japão, Coreia do Sul e Cingapura, cercando a RPC em termos geopolíticos.

8 – A grande relação da RPC é com os Estados Unidos nesse início do século XXI. A parceria econômica nas últimas três décadas, ampliada desde o fim da Guerra Fria, apesar das crises econômicas de 1997 e 2008, parece continuar, pois atende a interesses mútuos dos dois países. Com relação à geopolítica e ao poder militar, os Estados Unidos não parecem querer ceder o seu papel de potência global, controlando os mares, o poder aéreo e a tecnologia de ponta. Os gastos militares dos Estados Unidos superam em sete vezes os gastos militares da RPC e mesmo depois dos últimos cortes no governo Obama, correspondem a cerca de 45% do total mundial dos gastos em armamentos. Se fossem somados os gastos da Otan e aliados preferenciais na Ásia, como Japão e Coreia do Sul, a RPC não teria condições de alcançar esses gastos sem comprometer o seu crescimento econômico. O fim da URSS e o seu gasto considerável com orçamento militar ainda estão muito claros para os líderes de Pequim.

Na realidade, a postura geopolítica e militar da RPC é defensiva, ainda mais com relação aos Estados Unidos e aos seus aliados. A RPC e as suas forças armadas buscam garantir a soberania nacional, a integridade do território chinês e, principalmente, a defesa da revolução e do PCC no poder, levando-se em conta o histórico de conflitos e revoluções ao longo da história chinesa. A meta da RPC é manter a sua influência regional e global como potência econômica e militar. Seria um erro estratégico buscar um confronto direto com os Estados Unidos, grande parceiro comercial nas últimas três décadas e responsável também em parte pela reinserção da RPC no sistema internacional desde a década de 1970. A RPC pensa em si como potência global a longo prazo, em termos de séculos e não décadas.

A RPC como potência global, novos cenários geopolíticos: os BRICs, a África e a América Latina, o Brasil e a RPC

Um fato importante na geopolítica global no início do século XXI é a volta da China como um ator importante nos assuntos mundiais. Se a partir do início do século XIX a China perdeu poder real e econômico em relação a Europa, Estados Unidos e Japão, agora, pelo menos na visão chinesa, a posição “natural” da China foi alcançada novamente, principalmente depois da proclamação da RPC em 1949 e do projeto estratégico da sua classe dirigente de colocar a China novamente de pé. Mao a colocou de pé a duras penas para a sua população; Deng fez a RPC andar adiante mais confiante e pragmática, deixando de lado o voluntarismo, mas sem abandonar o papel de potência na geopolítica global.

Nesse novo contexto, novas áreas de influência surgiram como reservas estratégicas chinesas no século XXI: a África e a América Latina e também os parceiros do bloco dos BRICs, que em conjunto correspondem a cerca de 40% da população global e 25% da sua economia. Ocorre uma assimetria de interesses e políticas comuns entre os membros, Brasil, RPC, Rússia, Índia e África do Sul. Não parece ocorrer uma coesão como no caso da União Europeia ou outros blocos regionais, por razões políticas, econômicas, estratégicas e geopolíticas. Entretanto, dos membros do bloco, apenas o Brasil e a África do Sul não possuem territórios na Ásia, não são potências nucleares e estão também situados na periferia geopolítica do mundo até o momento, o hemisfério sul.

Com altos índices de crescimento econômico desde a década de 1980, a RPC, para manter esses patamares de crescimento, necessitará cada vez mais de produtos estratégicos como petróleo, minérios, alimentos etc. Duas regiões aparecem como fontes de abastecimento para a RPC: a África e a América Latina.

Isso explica a ofensiva econômica e politicamente estratégica da RPC em relação a essas duas regiões do globo, vistas cada vez mais como reservas estratégicas em disputa possível com outras potências, tais como os Estados Unidos, países da União Europeia, Índia e Rússia. Mas a RPC está à frente nessa corrida por influência econômica e política.

Com o Brasil, as relações são estratégicas desde a década de 1970 e o reconhecimento da RPC pelo governo Geisel. Se num primeiro momento foram mais políticas do que econômicas, atualmente são de fato relações político/econômicas, como demonstram as relações comerciais entre os dois países nos últimos anos, sendo a RPC, ao lado dos Estados Unidos, o grande parceiro econômico do Brasil na atualidade. Entretanto, a aproximação do Brasil com a RPC gera incertezas na indústria brasileira pela competição dos produtos chineses e o predomínio da exportação de produtos primários pelo Brasil, apesar das parcerias na área aeroespacial com satélites e da Embraer ter uma fábrica na RPC.

Por outro lado, a aproximação cada vez maior da RPC com os países da América do Sul, em termos econômicos e diplomáticos, pode indicar para o Brasil, a percepção de uma possível busca do enfraquecimento de acordos econômicos com os países da região, frente à enorme capacidade industrial chinesa e à sua penetração em toda a América Latina.

Qual o papel da RPC na geopolítica global no século XXI?

A geopolítica global do século XXI terá na RPC um dos seus atores principais. Ainda que demore algumas décadas para alcançar os Estados Unidos em termos econômicos e principalmente militares – se é que os Estados Unidos irão permitir isso pacificamente – o papel da RPC será o de um ator principal na geopolítica global, mas não o ator principal solitário; deverá compartilhar anseios e deveres de um mundo multipolar com potências militares e nucleares.

Entretanto, o papel da RPC será cada vez mais relevante e a sua atuação no mundo será sempre significativa por razões econômicas, demográficas e militares, nessa ordem, em termos da geopolítica global. A RPC é a grande indústria do mundo para os produtos de consumo, mas não em termos de alta tecnologia e produtos militares. Nesse campo, ainda é superada atualmente pelos Estados Unidos, Europa Ocidental e Rússia. Aliás, a RPC continua a adquirir equipamentos militares desses grandes centros, principalmente da Rússia e em menor escala da Europa e dos Estados Unidos, particularmente na área da aviação.

É possível pensar em vários centros geopolíticos no início do século XXI, com os quais a RPC deverá provavelmente estabelecer relações mais amplas em termos econômicos e estratégicos, marcando a sua presença ao redor do globo com as seguintes nações: os Estados Unidos estariam à frente numa posição ao mesmo tempo de aliado e adversário, seguido dos países membros do Conselho de Segurança da ONU, Rússia, Reino Unido e França, como potências econômicas e militares e com um papel semelhante ao dos Estados Unidos. Logo atrás viriam as potências médias como Índia, Brasil, África do Sul, Egito, Irã, Indonésia; potências econômicas mas não militares e sem poder nuclear, aliadas dos Estados Unidos, como Japão, Alemanha, Itália, Espanha, Canadá, Austrália etc; e potências nucleares não pertencentes ao grupo principal do Conselho de Segurança da ONU, como Israel, Coreia do Norte e Paquistão. Não casualmente, os dois últimos são aliados estratégicos da RPC na Ásia e no xadrez geopolítico regional; e Israel, é cada vez mais um parceiro na área militar da RPC em questões de inteligência, guerra eletrônica e indústria aeronáutica. Por fim, os países subdesenvolvidos na África, América Latina e Ásia, onde a RPC poderá desenvolver uma relação mais intensa, defendendo os seus interesses como potência em ascensão no início do século XXI.

Carlos Eduardo Riberi Lobo é pós-doutorando em ciências sociais na área de relações internacionais pela PUC-SP, professor do Centro Universitário Assunção (Unifai) e membro do Núcleo de Estudos em Relações Internacionais e do Grupo de Estudos Ásia-Pacífico, ambos da PUC-SP.

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