O método Problem-based Learning (Aprendizagem Baseada em Problemas), como conhecido em seus parâmetros atuais, remete ao Canadá na década de 1950, especificamente no ensino na área da saúde na McMaster University, que até os dias atuais tem em seus quadros curriculares a presença marcante do mesmo. Apesar da sua relação original com a medicina, desde então reconhece-se sua ligação com diversas áreas de conhecimento, não necessariamente relacionadas à saúde, tais como: administração, arquitetura, ciências ambientais, ciências da computação, ciências sociais, economia, educação física, engenharias, matemática/estatística, turismo, entre outras.
Além do Canadá, com a mencionada McMaster University, ressaltamos que o PBL vem sendo aplicado em diversos países no mundo como: África do Sul (University of Cape Town), Austrália (Griffith University), Dinamarca (Aalborg University), Estados Unidos (Samford University), Finlândia (Jyvaskyla University), Holanda (Maastricht University), Peru (Pontifícia Universidad Católica), Suécia (Linkoping University), Suíça (Universitat Zurich), entre outras. No Brasil, vemos um quadro crescente de implantação em diversas universidades, sobretudo federais.
No caso da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo – EACH/USP, enfatizamos que o PBL foi parcialmente incluído no currículo dos dez cursos de graduação da unidade como método-base das disciplinas intituladas Resolução de Problemas I e II, o que em si já resultou no desenvolvimento de uma série de trabalhos produzidos pelos alunos desde sua implantação em 2005. Ressaltamos que, ao longo dos anos, o processo de reestruturação curricular dos cursos da EACH/USP vem permitindo a inclusão do PBL em outras disciplinas, em distintos semestres e atrelados às mais variadas temáticas profissionais.
É proposto no PBL uma alternativa ao ensino convencional em Lecture-based Learning – LBL, em que comumente se tem salas com um grande grupo de alunos e em que a aula é fundada no aprendizado de conteúdos previamente estabelecidos pela instituição de ensino e/ou professor da turma. Em outras palavras, enquanto que nos métodos mais convencionais se tem como propósito a transmissão do conhecimento centrada no professor em seus aspectos disciplinares, no PBL o conhecimento é construído a partir do protagonismo do aluno sob a lógica de uma formação interdisciplinar.
Para o professor, o PBL geralmente se coloca como um grande desafio, pois a maior parte dos docentes que são levados a experienciá-lo em sala de aula não tiveram uma formação em tal método. É pertinente salientar que o professor atua como um “facilitador” das discussões, utilizando sua formação acadêmica para auxiliar o andamento das atividades com os alunos e constantemente avaliando elementos no interior do grupo, como a cooperação, o envolvimento e a motivação.
No entanto, o papel do professor nesse contexto está longe de ser passivo, visto que sua atuação se mostra fundamental no sentido de mediar as discussões e auxiliar o grupo a manter uma estrutura de foco no problema e determinação em sua resolução. Assim, espera-se do docente um estímulo para o grupo de alunos no sentido de se aproximar com o contexto do problema e promover o aprendizado pelas seguidas tentativas de resolvê-lo.
A operacionalização do PBL consiste geralmente na resolução de um problema, em sua maioria factual, que serve como relevante estímulo na busca de instrumental para encontrar conhecimento apropriado no sentido de entender como o problema foi gerado e de que forma pode ser solucionado. Daí também o porquê desse método ter encontrado ressonância direta na área da medicina, já que a análise de intrigantes casos apresentados por pacientes auxiliou o alunado a criar uma conjuntura de entendimento e resolução de um problema real ou hipoteticamente apresentado. Nesses casos, os problemas são muito objetivos e a tentativa de sua resolução implica em acessar conhecimentos sistêmicos, para muito além do problema específico.
Um grande desafio se coloca quando buscamos a inserção do método na área de ciências humanas e sociais. Entretanto, encontramos relatos dos pioneiros do desenvolvimento do PBL que afirmam ter sido sua inspiração a obra do educador Paulo Freire, que desenvolvia suas atividades relacionadas à educação para a cidadania, buscando estabelecer um processo educativo nos quais os problemas específicos eram estabelecidos como o ponto de partida de sua proposta pedagógica.
A objetividade a que nos referimos relaciona-se com os pressupostos da prática educativa direcionada para a formação de profissionais em áreas específicas. Um objetivo para o profissional de medicina pode ser muito específico como, por exemplo, entender os mecanismos que regem uma contaminação viral e suas formas de enfrentamento. Entretanto, como esses processos são socialmente influenciados, essa forma não pode se reduzir, única e exclusivamente, à prescrição de medicamentos, mas extrapolar para práticas sociais onde a doença se desenvolve. Então, o enfrentamento desse problema médico embebe-se de relações sociais e atrela-se notoriamente às questões associadas às ciências humanas e sociais.
A realidade é uma totalidade: a fragmentação é produto de nosso olhar e não da própria realidade. O objetivo de cada ciência ou disciplina é o desvendamento da realidade que, entretanto, apresenta diferentes perspectivas, pois pode ser observada por diferentes olhares.
Os olhares relacionados às ciências humanas e sociais buscam elucidar diferentes aspectos da realidade que, grande parte das vezes, não está ao alcance de procedimentos específicos, mas sim de considerações mais gerais que explicam determinadas especificidades. Nesses casos, inverte-se a cadeia da resolução específica dos problemas, uma vez que a ação individualizada é pouco eficaz.
A definição dessas características é essencial no processo de ensino, independentemente da metodologia a ser utilizada, uma vez que é fundamental que se estabeleçam os objetivos do processo pedagógico específicos para a disciplina que está sendo desenvolvida.
Feito isso, abre-se o universo da abordagem disciplinar (entendendo-a como um dos olhares da realidade) e pode se estabelecer o foco das temáticas e dos instrumentos conceituais que serão desenvolvidos. É nesse contexto que podem se firmar as práticas de desenvolvimento da Aprendizagem Baseada em Problemas.
Com esses procedimentos podemos construir uma grade curricular que contenha todos os elementos de uma grade tradicional, mas que não se institua a partir dela mesma, mas da realidade onde o processo pedagógico está inserido. É essa realidade que passa a ser a base dos conteúdos programáticos, para a elaboração dos quais não se dispensa o papel dos especialistas, mas o currículo tem sempre como ponto de partida a experiência dos próprios alunos.
O conhecimento desenvolvido nesses processos identifica os problemas e suas relações de determinação que são estabelecidas pelos próprios alunos na busca de entendimento do mesmo. Ao final, pode-se chegar a um determinado conhecimento específico que explicaria porque, no nosso exemplo, uma área específica é considerada de risco e porque uma comunidade ali se instalou. Mas saber isso não resolve o problema imediato, na medida em que tal fato não ocorre como exceção, mas permeia o tecido urbano. Somente a ação social pode encaminhar a resolução dos problemas.
É importante ressaltar que o “processo” de entendimento e discussão de um problema geralmente se mostra mais relevante até mesmo que o “produto” por ele a ser gerado, ou seja, a resolução do mesmo é algo de fato esperado, porém entendido como possível consequência de todo o debate realizado no grupo de alunos.
Quanto às instituições de ensino, é fundamental que haja específica formação sobre as principais características do método para todo o staff, incluindo aí o corpo administrativo. Nesse sentido, deve-se prover mobiliário e equipamentos próprios que permitam trabalhos/discussões em grupos informais, além da possível mobilização de espaços fora da sala de aula, como pesquisa na biblioteca, em livrarias e museus, na comunidade e em conjunto com o setor público. Assim, o aluno deve se sentir motivado a encontrar material de apoio, seja no interior da instituição (laboratórios, biblioteca, sala de consulta virtual), seja no ambiente externo à mesma como a possível visita in loco a grupos diversos nas comunidades.
Ao levar os alunos a lidar com problemas e procurar solucioná-los, defendemos que esses são levados a compreender de que forma aprendem determinado conceito e/ou utilizam determinada competência, conduzindo-os a uma reflexão sobre o seu papel no mundo e potencializando sua atuação no mercado profissional temático. Com a vivência em tal método, se espera do aluno o debate crítico em torno da resolução de um problema, auxiliando na criação de um ambiente de respeito ao professor e aos seus colegas no grupo.
Os dados em geral permitem considerar o PBL como um notório método de ensino, já que se consolida como poderosa ferramenta em prol da mobilização do grupo de alunos, seja na relação crítica com o mercado de trabalho temático, seja no estímulo para a reflexão sobre cidadania e conectividade com a comunidade local e com a complexidade da sociedade mais ampla.
Ricardo Ricci Uvinha é professor livre-docente do Bacharelado em Lazer e Turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo EACH/USP. Contato: uvinha@usp.br e Diamantino Alves Correia Pereira é professor doutor do Bacharelado em Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo EACH/USP. Contato: diamantino@usp.br
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