Robôs jornalistas já são uma realidade em grandes conglomerados de mídia, como a revista Forbes. As super-máquinas de escrever, criadas pela americana Narrative Science, não reclamam, não tomam café e são tão rápidas que conseguem publicar o resumo de um jogo de futebol na hora em que o juiz apita o final da partida.
Algoritmos processam dados em textos com 'linguagem natural' (Divulgação)
O empresário paulistano Cásper Líbero, então diretor d’A Gazeta, em seu testamento, determinou a criação de "uma escola de jornalismo e ensinamento de humanidades, particularmente português, prosa, estilo, literatura, eloquência, história e filosofia, em cursos de grandes proporções, a começar pelo secundário e finalizar pelo superior".
Romântico, idealista, utopista e sonhador, Líbero enxergava longe. Morreu antes de ver nascer, em 1947, a Fundação Cásper Líbero, até hoje uma referência no ensino de jornalismo. Por mais arrojado que fosse, certamente não suspeitou nem por um instante que, dentro de menos de 100 anos, a profissão dos alunos estivesse ameaçada por máquinas.
Direito à informação
Levando em consideração que a informação é um direito do cidadão e que a imprensa tem papel fundamental na democracia, que a internet alterou profundamente a forma como as pessoas têm acesso, produzem, compartilham e se relacionam com a notícia e que existe uma visível crise do modelo de negócio jornalístico e da credibilidade dos profissionais – a principal pergunta é: como estão sendo formados os jornalistas da próxima década?
Para o professor Lindolfo Alexandre de Souza, diretor da Faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), a resposta não é necessariamente direta, mas se desdobra na forma de ações e na real necessidade de jornalistas e empresas de comunicação mostrarem dinamismo. “Tanto profissionais quanto empresas que não estiverem alinhados aos novos processos sofrerão um duro golpe. Nesse sentido, escolas de jornalismo estão se atualizando para preparar profissionais capazes. Estamos formando jornalistas do amanhã”, analisa.
Para o professor Lindolfo Alexandre de Souza, empresas, profissionais e instituições de ensino devem estar em sintonia (Foto: Álvaro Junior/DCOM/PUC-Campinas)
Na visão de Souza, reorganização é palavra de ordem uma vez que as tecnologias fazem parte da maneira como a notícia é consumida. “Adaptação é uma questão de sobrevivência. A mídia muda, as plataformas idem, mas a necessidade de se ter informação para organizar a vida em sociedade é inerente ao ser humano. Não importa como essa informação chega”, dispara.
Um novo jeito de se fazer jornalismo?
Foi em 2009, mesmo ano em que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou não ser mais obrigatório o diploma de jornalismo para o exercício da profissão, que pesquisadores começaram a desenhar o que e como as escolas de jornalismo deveriam ensinar seus alunos para, quando formados, praticassem um melhor exercício da profissão.
Era dado o primeiro passo em direção às chamadas Novas Diretrizes Curriculares, que regulam o funcionamento dos cursos de graduação em todo o país. A comissão que elaborou o documento foi nomeada por Fernando Haddad, à época ministro da Educação, e que um ano antes, em 2008, já maquinava a criação do grupo.
Questões definidas, formou-se um time de peso: José Marques de Melo liderava o grupo que tinha entre seus membros os professores Alfredo Vizeu, Carlos Chaparro, Eduardo Meditsch, Luiz Gonzaga Motta, Lucia Araújo, Sergio Mattos e Sonia Virginia Moreira. Os pesquisadores debateram o projeto ao longo de cinco anos, quando bateram o martelo, em setembro de 2013, e se estipulou o prazo de dois anos para que as escolas de jornalismo se adequassem.
O primeiro aspecto de mudança observado diz respeito ao nome da formação. Antes “comunicação social com habilitação” em jornalismo ou relações públicas, hoje as graduações são apenas “jornalismo” ou “relações públicas”. Entende-se que “comunicação social” é campo de estudo, não profissão. Ademais, destacam-se nas diretrizes atualizadas as novas formas de avaliação de ensino e aprendizagem, o incentivo à pesquisa e à extensão, a regulamentação das atividades relacionadas ao trabalho de conclusão de curso (TCC), os modos da integração entre graduação e pós-graduação entre outros. “Vale reforçar que o jornalismo impresso deixa de ser o eixo central do curso”, acrescenta Souza, diretor da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas.
Apesar do esforço de todos, há ainda muitas controvérsias sobre as novas diretrizes curriculares. Daniella Rubbo, diretora da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (ESAMC – Campinas) pondera que percebe poucos avanços em direção ao que está em jogo, que é o cerne da formação profissional. “Não estou totalmente convencida sobre o rumo que as diretrizes curriculares estão tomando. Acredito que elas trabalham muito mais em um sentido de reserva de mercado do que de preparação profissional e melhoria da formação”.
Daniella Rubbo, diretora da ESAMC: cética quanto às novas diretrizes curriculares
Do ponto de vista mercadológico, tanto Daniela Rubbo quanto Souza, da PUC-Campinas concordam. Para ele, “as novas diretrizes nos fazem pensar em um jornalista num mundo em que a tecnologia se coloca como uma das mais proeminentes possibilidades de atuação do profissional. Seja enquanto produtor de conteúdo, seja enquanto gestor de comunicação e conteúdos dentro de instituições. Estamos diante de um fenômeno mercadológico”, analisa.
Daniella Rubbo afirma que um dos problemas da formação de jornalistas está justamente na dicotomia acadêmicos versus profissionais de mercado: “Já fui profissional de redação e rádio e já estive nos bancos da academia. O grande passo a ser dado, é entender que essas posições não são excludentes nem dicotômicas. Enquanto academia e mercado ficarem brigando, quem perderá serão os estudantes e o próprio jornalismo. A academia está sempre distanciada da realidade do mercado, e o mercado distante da reflexão acadêmica. Precisamos de técnicos mais reflexivos e de pensadores mais técnicos”, sintetiza.
Em 2002 – seis anos antes do início da discussão sobre as novas diretrizes – Hélio Ademar Schuch, professor do curso de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), já refletia sobre essas diferentes posições. Em artigo publicado na Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, Schuch questiona o motivo pelo qual não se constitui um currículo em que o jornalismo possa ser aprendido de forma integral, “sem esta dicotomia”, passível de evolução para outros conteúdos de enfoque profissional.
O docente elenca uma série de possíveis razões, dentre as quais destacam-se: a atividade comercial-industrial da mídia jornalística e as complexidades que o ensino (tal como está) tem dificuldade em abordar; a ênfase em conteúdos desconectados do que é, de fato, caro à formação; e uma evidente “falta de contemporaneidade com a atividade jornalística profissional” que, segundo o pesquisador, “provoca distanciamento cada vez maior do seu setor produtivo e torna mais difícil sua abordagem científica”.
Diploma
O debate sobre a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão atravessou as últimas décadas e, novamente, recai sobre as escolas de jornalismo o peso de oferecer respostas à pergunta: Mas, afinal, para que serve a graduação em jornalismo em um país em que a obrigatoriedade do diploma é inexistente no momento?
“Se objetivo é obter conhecimento, a questão do diploma é irrelevante. Em muitos países o diploma não é obrigatório. Como diretora de uma faculdade que ensina comunicação eu acredito em uma formação sólida para exercer o jornalismo. E, tenho certeza que os alunos de hoje estão em busca dessa formação”, afirma Daniella Rubbo.
E o que seria, então, solidez em tempos de uma cultura tão líquida, tão fugaz e etérea? Para Rubbo, a formação sólida tem a ver com técnica, mas também com capacidade de refletir sobre a realidade. “Isso só se aprende estudando, com horas de leitura e observação de boas práticas jornalísticas. Não dá para ser muito lúdico nem flexível quanto ao comprometimento que os alunos devem ter com seus estudos. Não podemos ter medo da técnica, mas ela deve estar a serviço de algo maior que é a nossa capacidade crítica de ler o mundo”, afirma.
As discussões sobre como seria o curso ideal são antigas. Décio Pignatari, já em 1971, fazia planos e ensaios em seu livro Contracomunicação. Para ele, o ponto de partida é entender que comunicação não é sociologia, não é antropologia, não é linguística e não é psicologia. Embora se relacione estreitamente com essas áreas a comunicação é um campo de saber autônomo, que deve defender com unhas e dentes a especificidade de suas leis de funcionamento.
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