09/03/2015
A partir do debate recente sobre a pouca visibilidade e o modesto prestígio da ciência brasileira em comparação com outros países em desenvolvimento, a ComCiência conversou com o coordenador científico e co-criador do portal de periódicos SciELO, Rogerio Meneghini, que falou sobre a importância do projeto para o Brasil e demais países que possuem produção científica ampla, mas pouco reconhecida internacionalmente. Nesta entrevista, também foram abordados temas como a atual situação da ciência no Brasil e o que tem sido feito e pensado para avanços no setor.
Como o SciELO analisa a qualidade das revistas?
O SciELO é o resultado de um projeto de pesquisa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O processo de indexação de um periódico no SciELO passa por diversos crivos. Um muito importante é o de avaliação por pares. Contamos com um grupo de pesquisadores de diferentes áreas que formam um conselho. Nesse conselho, temos professores universitários e pesquisadores de áreas específicas. Alguns são editores de periódicos, que possuem familiaridade com a produção de periódicos científicos. Eles são responsáveis pela decisão final de aceitar ou não um periódico para integrar a coleção do SciELO. O SciELO avaliou, ao longo de quinze anos, cerca de 1.000 periódicos desde sua criação e atualmente contamos com 280 periódicos indexados. Muito importante também é que a indexação desses periódicos requer uma moderna tecnologia da informação. Estamos bem atualizados.
Qual o impacto do SciELO para a produção científica internacional?
O SciELO, desde o início, teve um papel inovador, por conta de seu acesso aberto. Sua criação e seu progresso foram possíveis graças, principalmente, ao apoio financeiro da Fapesp, que representa 90% dos recursos necessários. Os periódicos no SciELO têm uma grande projeção internacional e são hoje muito procurados por autores que buscam neles publicar e por leitores que se interessam pelos artigos disponibilizados em acesso aberto. Países como China, Índia, Irã e Turquia têm procurado nossas revistas. Hoje, cerca de 60% dos artigos científicos brasileiros são publicados em periódicos internacionais. Em vista disso, o SciELO busca internacionalizar os seus periódicos. Estamos caminhando nesse sentido e o número de artigos de outros países submetidos aos periódicos no SciELO têm aumentado.
Recentemente, a revista Nature acusou o Brasil de publicar artigos considerados “lixo”. Podemos fazer uma relação entre esses resultados e a pressão exercida pelos órgãos financiadores de pesquisa para o aumento de publicações?
Em primeiro lugar, não foi a Nature que fez a acusação. Uma jornalista brasileira utilizou uma base de periódicos do grupo Nature para se manifestar dessa forma. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior), o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e as FAPs (Fundações de Amparo à Pesquisa) fazem uma pressão grande para que os pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa publiquem crescentemente. Esses órgãos financiadores sustentam a grande maioria das pesquisas no Brasil e publicar é a única maneira de mostrar o aproveitamento advindo do auxílio financeiro. Essa pressão para o aumento das publicações leva ao aumento da criação de revistas institucionais que, de início, são fracas, em sua maioria. Por outro lado, esse é um primeiro passo e, com o tempo, os periódicos tendem a melhorar de qualidade. É indiscutível que o SciELO tem tido um papel importante no sentido de alavancar o padrão dessas publicações. Porém, isso não vai ser fácil de ser alcançado. Comparada com a de países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, Holanda, Inglaterra, nossa ciência é mais jovem, levará muito tempo para obtermos avanços.
O senhor acredita que a crise financeira das principais universidades brasileiras como Unicamp, Unesp e USP, prejudicará ainda mais a produção científica do país?
A ciência brasileira está inserida majoritariamente nas universidades públicas, com pouca contribuição de universidades particulares, sendo que as universidades estaduais têm recursos assegurados. Cerca de 10% da arrecadação estadual do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é destinado à USP, à Unicamp e à Unesp. Ainda assim, acredito que as universidades têm de ter autonomia total – como nos Estados Unidos e em alguns países da Europa – para definir seus passos e obter recursos de fontes variadas, para cobrar dos alunos e para receber contribuições dos ex-alunos.
Comparando o Brasil a outros países em desenvolvimento, como podemos classificar nossos avanços em relação à produção científica?
Nós medimos a qualidade da pesquisa pelos indicadores científicos, como o Web of Science e o Scopus, que não são a única forma de se fazer essa aferição, mas são as mais práticas e os resultados são confiáveis e obtidos rapidamente. Há poucas periódicos brasileiros indexados nessas bases (cerca de 1%). A grande maioria se concentra nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. Porém, esse 1% é significativo se considerarmos que há dez anos, esse número estava ao redor de 0,5%. Um fato importante e comum a vários países emergentes, como os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e mais a Coreia do Sul, é que eles não conseguem dar vazão aos seus artigos científicos através da publicação em periódicos internacionais. Então, começam a investir em revistas nacionais. Alguns dos nossos grandes periódicos têm uma grande procura de autores internacionais, como a China, por exemplo, pois eles produzem muito e os periódicos nacionais não comportam tamanha produção, de modo que eles nos procuram para publicar em nossas revistas. E a produção científica deles é tão frágil quanto a nossa.
Quais são as perspectivas para os próximos anos?
Esses países vão demorar para avançar cientificamente, o Brasil em particular. Eu não creio que terá um avanço significativo nos próximos anos, pois enquanto tivermos uma educação e uma economia fragilizadas, a produção científica estará comprometida. O SciELO tem uma boa visibilidade internacional, mas percebo que chegamos a um limite de possibilidade de avanços e precisamos de mudanças. Nós estamos começando a elaborar uma condição para criarmos um publisher para ter uma forte influência na estruturação do sistema editorial dos periódicos.
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