Uma feira de ciências não é mais uma simples feira de ciências. Ou pelo menos não precisa ser quando há tanta tecnologia disponível, capaz de criar efeitos visuais e sonoros muito mais atraentes do que a mera representação de fenômenos científicos em painéis meio sem graça, ou contando apenas com equipamentos mais simples de laboratório. A I Feira Iberoamericana de Ciência, Tecnologia e Inovação - Empírika - provou que efeitos em três dimensões (3D), jogos digitais, robôs e computadores podem ser muito mais estimulantes para o público. Sem deixar, é claro, de cumprir o papel de divulgar e até mesmo de ensinar conceitos científicos.
Do mesmo modo que a ciência tem avançado, a tecnologia não para de surpreender. A cada dia, os computadores ganham mais funções, as plataformas para jogos digitais se tornam mais amigáveis e controladores de processos industriais, agora mais baratos, ganham utilização fora das fábricas. Esses são alguns exemplos de tecnologias que têm sido usadas em exposições de temas científicos, seja em feiras ou em museus de ciência.
Sylla John Taves, coordenador técnico do projeto NanoAventura, exposição interativa do Museu Exploratório de Ciências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que foi replicada no Catavento cultural e educacional, espaço que trata de ciências e problemas sociais, afirma que há muitas opções tecnológicas que são usadas há anos no setor industrial e que, como estão depreciadas pelo tempo de uso na indústria, custam mais barato e podem ser usadas por um outro público.
Um exemplo é o Controlador Lógico Programável (CLP), sistema computadorizado, programado para armazenar instruções e implementar funções específicas num processo industrial, e que pode ser usado para monitorar um museu ou uma exposição, ajudando na controle de gestão do espaço e no desenvolvimento de novos projetos, como ocorre no Museu CosmoCaixa, localizado em Barcelona (Espanha). Segundo Taves, esse museu utiliza um CLP para monitorar todos os espaços, desde o acender e apagar de luzes, até o controle de entrada e saída do público, por meio de sensores. Ele diz que esse monitoramento é muito importante para medir a apreciação do público em relação a determinadas experiências que são divulgadas no museu, mas, principalmente, para se ter retorno sobre as exposições temporárias. “Se não estiver agradando, a exposição pode ser retirada antes do tempo previsto. Por outro lado, se a visitação for muito alta, isso se torna um fator de decisão para estender a temporada, ou mesmo para incorporar a exposição ou experimento às atividades permanentes”, diz Taves.
Terceira dimensão
No caso da NanoAventura, que esteve representada na Empírika, além de folderes explicativos sobre o projeto e sobre o Catavento, o público foi atraído para o estande pelo vídeo em 3D que mostra o próprio público – de 9 a 12 anos, em geral – em plena ação nos jogos que simulam experimentos em nanociência e nanotecnologia. O estande da Fundação para o Estudo dos Dinossauros em Castela e Leão – região em que se insere Salamanca, cidade onde foi realizada a Empírika – também reuniu um grande público interessado em assistir os dinossauros “saindo da tela”.
Crianças e adultos ficaram fascinados com animação em 3D sobre os dinossauros
Fotos: Simone Pallone
Essa impressão de que as imagens saltam da tela, no caso do cinema e agora também dos aparelhos de TV e celulares, é possível graças a um fenômeno chamado estereoscopia, termo que surge da junção de stereo , relativo a dois (duplo) e scopus , relativo à visão (ou observador) e diz respeito à visualização de um mesmo foco por dois mecanismos de captação de imagens. A imagem percebida pelo cérebro resulta de duas imagens captadas pelos olhos, distantes um do outro aproximadamente 5 cm , o que faz com que cada olho faça a observação de pontos ligeiramente diferentes. Quando recebe as duas mensagens, o cérebro se encarrega de fundi-las, obtendo informações sobre a profundidade, distância, posição e tamanho dos objetos, gerando uma sensação de visão tridimensional, mas de uma imagem única. Cada olho, separadamente, também consegue calcular a distância do objeto focado, mas a precisão do cálculo é reduzida.
Para produzir esse efeito de distanciar levemente a imagem, são usadas duas câmeras, as quais produzem imagens levemente diferentes, que quando projetadas, geram uma imagem desfocada, e é aí que entram os óculos 3D. Eles fazem com que cada uma das imagens atinja um olho. As lentes – uma azul (ou verde) e a outra vermelha – irão filtrar o sinal de cada ângulo projetado, fazendo com que cada olho receba uma imagem diferente. Esse sistema é chamado de anáglifo. Como não se usa todas as cores, a qualidade da imagem fica comprometida.
Em outro sistema, o polarizado, as duas imagens possuem perspectivas e polarizações diferentes. Os óculos permitem que cada olho enxergue apenas uma das imagens, porque elas contêm lentes com diferentes polarizações. Esse é o sistema mais usado no cinema hoje, por garantir mais luminosidade e uma imagem mais perfeita. Há ainda outros sistemas, mas além de mais complicados são mais caros e, por essas razões, são menos comuns, principalmente nas exposições de ciência e tecnologia.
A Universidade Pontifícia de Salamanca também fez uma demonstração muito interessante da tecnologia 3D. Um de seus pesquisadores criou códigos numéricos que foram traduzidos em figuras geométricas, as quais, por sua vez, se transformam em figuras animadas quando se projeta o usuário com as cartelas contendo as figuras geométricas em uma tela. A animação “cola” na sua mão, ou no seu nariz, ou na sua roupa, ou onde quer que se coloque um dos cartões com a figura geométrica, provocando risos e admiração na plateia que observa atenta.
Universidade Pontifícia de Salamanca que usou a tecnologia 3D associada a algorítimos
Robótica
Embora tenha sido uma das grandes vedetes da feira, a tecnologia 3D não foi o único destaque. No espaço Inova, duas empresas que ofereciam kits científicos colocaram os de robótica em evidência, não por acaso. Era impossível não parar para observar o caminho que o robô da Green Science fazia entre os transeuntes. Tampouco deixar de observar as crianças controlando o robô que construíram, cumprindo determinadas tarefas, ao comando do controle remoto. Esse segundo robô, que na verdade era um carro, representa um recurso inovador com o qual trabalha o Centro Internacional de Tecnologias Avançadas (Cita), que desenvolve pesquisas na área de robótica educativa. Essa disciplina envolve diferentes áreas do conhecimento, tais como matemática, ciências naturais, mecânica, eletricidade, eletrônica, informática e a própria robótica. Esse tem sido um método de estimular os jovens a aprenderem os conceitos ligados a essas disciplinas, com o objetivo de encontrar soluções para as funções desejadas para os seus robôs. Através desse recurso educativo, se fomenta também o interesse pela pesquisa científica e tecnológica, a criatividade, a responsabilidade, autonomia, ao mesmo tempo em que se desenvolve o aprendizado de trabalhar em equipe, como meio para a resolução de problemas.
Público observa menina movimentar carro-robô em estande da Cita, uma instituição que desenvolve pesquisas em robótica
Dentre várias atividades apresentadas na Empírika, a montagem desses robôs é uma que é possível classificar como “mão-na-massa”, como uma experiência “empírica”, já que este é o nome da feira. Porém, substituir as experiências que se fazia nas feiras mais tradicionais não representa uma perda em relação à aquisição de conhecimentos. Taves lembra que, “inicialmente, a ideia de interatividade em museus e feiras de ciências preocupava-se somente com a interação manual, experimentos do tipo 'hands on'. Recentemente, buscou-se desenvolver aparatos expositivos do tipo 'minds on', em que além da interação manual, você consegue chamar a atenção do visitante para os fenômenos e conceitos que envolvem o experimento. Nesse sentido, as tecnologias contribuem muito para criar esse ambiente lúdico, mas sem fantasias, trabalhando com conceitos científicos reais”.
Segundo ele, Jorge Wagensberg, diretor do CosmoCaixa, faz uma observação interessante a esse respeito: “Ele diz que o visitante deve encontrar algumas respostas no museu de ciências, mas o ideal é que ele saia do museu com mais perguntas do que quando entrou. O experimento deve provocar e instigar o visitante o suficiente para ele tomar gosto pelo saber científico. Ele deve ser mais que 'minds on', deve ser 'hearts on'”, conclui Taves.
A tela multi-toque é outra tecnologia com grande chance de agradar em exposições científicas, assim como os vídeos interativos, como o realizado na exposição interativa Epidemik, uma exposição francesa que ficou aberta ao público brasileiro de julho a setembro de 2010, na Estação Ciência. Porém, segundo Taves, essas tecnologias ainda têm um custo muito alto. O desenvolvimento de tecnologia nacional deverá, em pouco tempo, reduzir esse custo. “Por enquanto, esse tipo de tecnologia tem sido mais utilizado pela publicidade, gerando interação por poucos minutos”. As duas tecnologias são um pouco diferentes. No caso da tela multi-toque, a interação é diretamente na tela e, no caso do piso interativo e alguns semelhantes, é preciso ter uma mesa multi-toque, que é um projetor que coloca uma imagem gigante no piso e com uma gama enorme de sensores, os quais são controlados por um CLP. O sistema reconhece o toque (a pisada) do usuário, gerando respostas e novos passos para o jogo.
Certamente, a Empírika, com seus 32 estandes, entre os quais muitos exploraram bastante as novas tecnologias, colocou para um público de idades polarizadas – muito pequenos ou de idade mais avançada – o desafio de operar computadores, mouses, circuitos de energia, para atingir o objetivo de descobrir qual era o assunto que estava sendo tratado, que conceito se estava pretendendo passar, e quais eram, ainda, as suas possibilidades de interferir no movimento de setas, avatares, monstros. Esse é o espírito da Empírika e que deve ser mantido nas versões que se seguem, sendo a próxima a ser realizada no Brasil, mais especificamente em Campinas e São Paulo.
Inovação tecnológica
É possível falar da presença da tecnologia na Empírika em outro sentido também. A feira estava dividida em dois espaços principais – Investiga e Inova –, mas espalhou-se pela cidade em atividades realizadas em dois caminhões – MovLab e Iberdola – e no supermercado da loja de departamentos El Corte Inglés. No espaço Inova, havia a proposta de universidades e empresas mostrarem o que estão desenvolvendo em termos de tecnologia. Esse foi o caso da Universidade de Aveiro que, representada por seu escritório de transferência de tecnologia, mostrou alguns dos desenvolvimentos mais recentes. Ícaro, o carro criado pelo Departamento de Mecânica e pelo Instituto de Eletrônica, Telecomunicações e Informática da Universidade de Aveiro, por exemplo, foi desenvolvido com uma tecnologia que lhe permite percorrer grandes distâncias, com um consumo de gasolina bastante inferior. Em prova realizada antes da Empírika, chegou a fazer 673 quilômetros com apenas um litro de combustível. Outros projetos da Universidade já foram ou estão sendo transferidos para o mercado, como a camiseta Vital Jacket, que faz um eletrocardiograma, mede as batidas cardíacas ou a temperatura corporal e coleta toda essa informação para transferi-la a um computador; e porcelanas elaboradas com um método de cozimento de micro-voltagem que é feito com o uso de microondas, através da radiação. Segundo Eva Andrade, mestre em gestão de informação e gestora de projetos e eventos da Universidade de Aveiro, o escritório foi criado em 2006. A Universidade já dispunha de uma incubadora de empresas, mas os pesquisadores consideraram que era preciso criar um aparato para proteção e valorização do conhecimento desenvolvido ali, e que tivesse um sistema organizado para colocar as tecnologias no mercado, processo semelhante ao que vem ocorrendo no Brasil, com mais empenho depois de aprovada a Lei de Inovação. Uma diferença interessante entre um modelo e outro é que na Universidade de Aveiro faz parte de todos os cursos a disciplina “Empreendedorismo”, uma reivindicação antiga de pesquisadores da área de inovação no Brasil.
Estande da Universidade de Aveiro mostrou exemplos de tecnologias que estão sendo transferidas para o mercado |
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