Inicio nosso diálogo com um “causo” ocorrido em Canudos, cerca de 17 anos atrás, quando realizava a documentação do arraial de Antonio Conselheiro, ressurgido com o ressecamento do açude Cocorobó.
Era fundamental registrar, do alto, aspectos da cidadela de Belo Monte evidenciados pelas pesquisas arqueológicas, de modo a permitir a leitura de sua estrutura urbana e sua inserção na paisagem, visto que, mais dia, menos dia, a área seria novamente recoberta pelas águas do Vaza Barris.
Não logrei êxito, à época, em levar à Canudos o único avião disponível no Nordeste adaptado para tal finalidade (dotado de abertura no piso), a fim de realizar o levantamento aerofotogramétrico de precisão almejado. Também se tornou inviável economicamente fazer chegar ao sertão um helicóptero com a verba que dispúnhamos à época para o projeto.
Assim, restou-nos a improvisação, sendo locada uma aeronave mais barata para que fossem efetuados os registros. Ao fotógrafo Nilton Souza, expert na matéria, coube a difícil tarefa de efetuar os takes para compor o mosaico, tendo, durante o sobrevoo, de colocar sistematicamente a cabeça para fora da aeronave a uma velocidade de 300 km/hora! Graças ao profissional, mesmo vítima de sucessivos espasmos gerados pelo deslocamento, os resultados valeram a pena, embora aquém do que desejávamos obter do ponto de vista técnico.
|
|
Imagem aérea da zona nuclear do arraial de Canudos efetuada em 1999. Autor: Nilton Souza/ Zanettini Arqueologia |
Modelagem inicial da Praça das Igrejas sobre a imagem aérea.
Fonte: Zanettini Arqueologia
|
Anos antes, eu havia feito outras tentativas, de forma ainda mais improvisada, tentando realizar o registro de um arraial de mineração colonial no vale do Guaporé, dessa vez, fixando uma a câmera a um balão de gás improvisado. Uma verdadeira patacoada!
Poderia narrar um punhado de outros “causos” e insucessos a respeito, lembrando que soluções para esse tipo de registro vêm sendo arquitetadas desde o final do século XIX, via de regra, impulsionadas por demandas de natureza militar.
Graças aos avanços tecnológicos ocorridos nas últimas décadas, a situação mudou bastante. Ganhamos imagens de satélites, as máquinas digitais, um balaio de geotecnologias, os registros a laser e, na outra ponta, para os simples mortais, os incríveis sobrevoos virtuais propiciados pelo Google Earth, disponível em nossas telinhas mediante um simples enter. E, por fim, surgiram os pequenos veículos aéreos não tripulados (VANTs), veículos aéreos remotamente pilotados (VARPs), popularizados drones (“zangão” em uma tradução literal do inglês).
Utilizados por civis a título de mero entretenimento, os drones foram conhecendo aprimoramento e hélices (dois, três, quatro, seis, oito ou mais rotores), conferindo-lhes grande versatilidade, transformando-os em ferramentas fantásticas de apoio à pesquisa arqueológica.
Na esteira dessa evolução tecnológica, foram integradas às aeronaves câmeras de alta resolução e softwares, com os mapeamentos ganhando em qualidade e desempenho, tornando possível o registro de imagens de precisão, a geração de modelos tridimensionais do terreno, ou mesmo a identificação de estruturas soterradas ou mascaradas pela vegetação a partir de espectros distintos (Dennnis, 2014; Simões, 2016).
Possibilidades para a arqueologia
Se temos diversas aplicações envolvendo drones como ferramentas, facilitando e agilizando a captação de imagens fotográficas a custos extremamente competitivos, também observamos como eles têm impulsionado o avanço e disseminação de perspectivas metodológicas de investigação e abordagens por meio de análises espaciais em ambiente SIG; geração e testagem de modelos relativos a padrões de estabelecimento e assentamento humano; uso e ocupação do solo, e assim por diante. Da mesma forma, drones vêm contribuindo para dar novos contornos à interdisciplinaridade, colocando just-in-time, muitos olhares em sinergia, encurtando distâncias entre equipes de campo, coordenadores, consultores e comunidades locais por meio da internet.
Da mesma forma, esses intrépidos voadores vêm ocupando outro papel igualmente importante, contribuindo para a gestão e preservação do patrimônio arqueológico ao redor do mundo, transformados em verdadeiros fiscais alados, flagrando irregularidades, pilhagens, ajudando antever danos a sítios arqueológicos. Constituindo uma referência importante nesse campo, destaco o arqueólogo Luis Jaime Castillo Butters, vice-ministro do Patrimônio Cultural do Peru, hoje à frente de uma verdadeira esquadrilha aérea em favor da preservação dos recursos arqueológicos de seu país. Castillo, em conferência realizada para poucos experts no ano passado em San Francisco (EUA), não hesitou em tratar os drones como um marco divisório na história da arqueologia.
Vem igualmente se multiplicando os comunicados na mídia a respeito de achados realizados por pesquisadores ao redor do mundo com o auxílio desses robozinhos. E no Brasil não poderia ser diferente, com pesquisadores produzindo resultados concretos e relevantes. Conta-se igualmente com empresas oferecendo cursos e suporte às pesquisas.
| | Primeiros ensaios na região de São Manuel, interior de São Paulo. | Leves e frágeis, os modelos mais simples não se prestam para a realização de registros de qualidade. |
Eu também quero
As tecnologias agregaram aos drones receptores GPS, sensores de direção, magnetômetros, sonares e outras traquitanas que ajudam cada vez mais nos deslocamentos, sejam de forma autônoma, semiautônoma ou rádio controlada (Conte, 2009).
Entretanto, cabe lembrar aos interessados que, apesar de toda essa evolução, eles sofrem com interferências diversas, podendo entrar em colapso, despencando em queda livre, com o risco de ferir gravemente quem estiver na sua rota de colisão com o solo. Logo, acidentes têm gerado regras e legislações visando reduzir tais riscos. Lembro também que esses “brinquedinhos” podem custar desde viáveis R$ 350 até R$ 40 mil, ou muito mais.
Também descobri que estão mais aptos a pilotarem esses zangões os jovens que convivem com joysticks, vídeo games e demais mobilidades.
A curiosidade despertada pelo uso de um modelo simplório serviu de incentivo para que nossa equipe começasse a trabalhar na montagem de um voador mais robusto, que, dentro em breve, deverá ser incorporado à mochila dos pesquisadores como parceiro nas prospecções que desenvolvemos Brasil afora.
E ainda vou arranjar um tempinho para retornar a Canudos e concluir a documentação iniciada há quase duas décadas, percorrendo trilhas utilizadas pela jagunçada na defesa do arraial que nunca consegui atingir.
Paulo Zanettini é doutor em arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo e diretor da Zanettini Arqueologia.
REFERÊNCIAS
Casana, J. et all (2014). “Archaeological aerial thermography: a case study at the Chaco-era Blue J community, New Mexico”, Journal of Archaeological Science, v. 45, pp 207-219.
Conte, G. (2009). “Vision-based localization and guidance for unmanned aerial vehicles”. Master thesis. Linköping: Linköpings Universitet.
Nillson, D. (2013). “The usage of unmanned aerial vehicles and their prospects in archaeology”. Thesis for master degree in archaeology. Institute of Archaeology Lund University.
Simões, P. R. “Drones e geotecnologias na pesquisa arqueológica”. Disponível em www.droneng.com.br (visitado em 29/4/2016).
|