Mais de 30 mil pessoas participaram da I Feira Iberoamericana de Ciência, Tecnologia e Inovação – Empírika 2010, que aconteceu entre os dias 12 e 21 do mês passado em Salamanca, na Espanha. O número, grandioso por si, ganha mais força quando revelado o número de habitantes da cidade que a sediou: cerca de 180 mil pessoas. Mas as cifras não param por aí. Participaram do evento 38 instituições de países iberomericanos, entre eles México, Colômbia, Portugal, Brasil e, é claro, Espanha. "No século XXI, as feiras do futuro serão as de ciência e tecnologia”, afirma Miguel Ángel Quintanilla, coordenador da feira e ex-secretário de Universidades e Pesquisa da Espanha.
Para o pesquisador, que dirige também o Instituto de Estudos da Ciência e da Tecnologia (Ecyt), da Universidade de Salamanca (Usal), o ponto forte de eventos como esse é atrair a atenção da sociedade para a ciência, a tecnologia e a inovação (C,T&I), o que ele considera parte de um processo de cidadania. “Hoje a ciência é um elemento central, assim como foi a agricultura há alguns séculos”, afirma.
Para Cristina Garmendia, atual ministra de Ciência e Inovação da Espanha, as feiras de ciência possuem, além de seu caráter cultural, uma grande importância social e econômica. Garmendia, que também é bióloga e empresária, afirmou, na cerimônia de abertura do evento que “cada vez mais os conceitos de ciência e economia estão caminhando juntos”. Quintanilla concorda: “A economia vive da ciência, a vida depende da ciência; a ideia é que as pessoas tenham acesso a ela, e possam decidir e influenciar essa ciência que as rodeia”. A ministra acredita, ainda, que a divulgação de atividades de pesquisa por meio de eventos abertos para a sociedade serve como estímulo para que os jovens sigam a carreira científica.
A ciência do cotidiano
Em uma maçã que cai no chão, atua a Lei da Gravidade. Um bebê dentro de uma banheira ilustra o Princípio de Arquimedes. Com o slogan “Porque a ciência está em todas as partes”, os organizadores da feira deixam clara a sua intenção de “abrir a todos os cidadãos o verdadeiro espetáculo da ciência na vida cotidiana e, dessa forma, fazer com que temas de C,T&I sejam incorporados na cultura popular, fortalecendo assim a chamada “cultura científica”, como afirmou Quintanilla. Outro objetivo do evento foi incentivar o contato entre instituições científicas e acadêmicas, empresas e a sociedade como um todo, favorecendo, dessa forma, o espírito empreendedor e o encontro entre o Espaço Europeu de Educação Superior e o Espaço Iberoamericano do Conhecimento.
As exposições e atividades da Empírika aconteceram em diversos lugares e tiveram públicos dos mais variados. Durante os quatro primeiros dias, a feira contou com dois espaços abertos à visitação, com estandes de 32 entidades científicas de países iberoamericanos, tais como universidades, museus e fundações de amparo à pesquisa, por onde circularam mais de 18,6 mil visitantes entre estudantes, crianças, idosos e famílias inteiras. No espaço “¡Investiga!”, voltado à divulgação da pesquisa básica, os participantes puderam se envolver em atividades e conhecer as pesquisas desenvolvidas em algumas instituições, tais como o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (Conacyt, na sigla em espanhol), do México; o Centro de Investigações Energéticas, Ambientais e Tecnológicas (Ciemat), da Espanha; o braço espanhol do Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica (Scar, na sigla em inglês); o Parque de Ciências de Granada; o Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) espanhol; o museu de ciências Maloka, da Colômbia; e a Fundação Dinossauros de Castela e Leão. Além desses, havia dois estandes brasileiros: do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp e do Catavento, espaço cultural e educacional que, em suas atividades, procura mostrar o mundo das ciências e as necessidades sociais.
No espaço “¡Innova!”, que teve como foco as inovações resultantes de parceiras entre universidades e empresas, os participantes puderam conferir as últimas novidades em termos de robótica e tecnologia de materiais nos estandes da Fundação México-Estados Unidos para a Ciência (TechBa/Fumec), do Instituto Geológico e Mineiro da Espanha (IGME), do Centro Internacional de Tecnologias Avançadas (Cita), ligado à Fundação Germán Sánchez Ruipérez (Espanha), do Instituo Nacional de Saúde Pública do México, e da Unidade de Transferência de Tecnologia (Uatec) da Universidade de Aveiro (Portugal), entre outros. Do Brasil, participou nesse espaço a Universidade Federal do ABC (UFABC).
Além da feira, diversos outros eventos e exposições ocorreram por toda a cidade durante a semana. O planetário móvel, que ficou por quatro dias em uma das praças do centro histórico da cidade, recebeu cerca de 1.800 salmantinos. Dois ônibus equipados com laboratórios científicos também ficaram em diferentes pontos da cidade durante o evento e tiveram grande procura: 2.250 visitantes se interessaram pelo futuro das energias renováveis no ônibus da Iberdrola (empresa energética espanhola), e cerca de 800 estudantes do ensino básico observaram culturas de células através de microscópios instalados no Movilab (veja mais sobre o projeto). A exposição interativa “Sua Casa Biotech”, da Associação Espanhola de Bioempresas (Asebio), recebeu cerca de dois mil participantes.
Os clientes do Café Corrillo, um emblemático café no centro histórico de Salamanca, puderam assistir a palestras com renomados cientistas em um clima intimista nas sessões do “Café com Ciência”. O biólogo português Carlos Duarte revelou detalhes da Malaspina 2010 – expedição marítima com o objetivo de gerar um inventário sobre o impacto das mudanças climáticas nos oceanos; Francisco Pellicer e José María Delgado, cientistas mexicano e espanhol, respectivamente, falaram sobre a dor e os mais recentes avanços na área de neurologia; e o físico espanhol Manuel Lozano Leyva discorreu sobre o futuro da energia nuclear. Na loja de departamentos El Corte Inglés, cerca de oito mil clientes puderam conferir as informações nutricionais e a análise química de alimentos, além de ações teatralizadas sobre o assunto na iniciativa “Ciência no Mercado”.
Política científica
No âmbito acadêmico, alguns eventos, palestras e reuniões promoveram a discussão sobre os modelos atuais de políticas públicas nas áreas de C,T&I e de divulgação científica nos países da Iberoamerica. Quintanilla, que há anos atua na área de divulgação da ciência, acredita que a informação científica deve ter como objetivo suscitar no indivíduo a responsabilidade pela ciência que é produzida em seu país e fortalecer a prática da cidadania. Segundo o modelo de “perspectiva cívica”, defendida por ele, a divulgação de temas científicos deve se dar de forma horizontal, por meio da difusão de publicações jornalísticas, clubes, museus, escolas e feiras de ciência.
León Olivé, matemático e filósofo da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), que participou da Jornada Pública de Política Científica promovida durante a Empírika, acredita que a participação da sociedade na determinação da agenda científica é essencial. "As políticas de C&T devem estar integradas com as demais políticas públicas, como nas áreas social e econômica”, afirma. O pesquisador defende a aproximação sistemática entre as políticas públicas e ao mesmo tempo considera que, para a concepção de políticas, "deve-se levar em conta as diferenças regionais entre os sistemas de C,T&I", bem como as diferentes necessidades sociais de grupos específicos.
Agenda cidadã
No sentido de promover a participação cidadã no debate científico, diversos grupos presentes assumiram a colaboração em uma ambiciosa iniciativa para o próximo ano. A ideia é criar uma Agenda Cidadã semelhante ao projeto desenvolvido pela Fundação Espanhola para a Ciência e Tecnologia (Fecyt), no primeiro semestre deste ano, sob a presidência da Espanha na União Europeia, em que uma comissão composta por especialistas de várias disciplinas, da arte ao ensino de ciências, selecionou 14 cientistas europeus que delinearam 14 desafios a serem resolvidos pela C&T até 2030.
O projeto foi apresentado por Lourdes Arana, diretora da Fecyt, na Jornada de Política Científica da Empírika. "A Agenda é um ponto de encontro para cientistas e inovadores, cidadãos e políticos", enfatizou Arana. A ação de participação pública promovida pela internet conseguiu mobilizar mais de 107 mil pessoas em 122 países, e a população participou votando nos tópicos que considerou prioritários.
"Estamos orgulhosos de ser cidadãos comprometidos com o exercício democrático e de atingir novos públicos através de novas formas e canais de relacionamento", disse Arana. Os temas que receberam mais votos da população foram, em primeiro lugar, a pesquisa sobre armazenamento da energia elétrica e, em segundo, medicina regenerativa e terapias personalizadas. O projeto deverá ser estendido para países iberoamericanos a partir de 2011 e contará com a participação do Brasil.
Brasil na rota
A primeira edição da Empírika se encerrou dando lugar a um evento de caráter bienal e itinerante. “Não nos conformamos apenas com Salamanca. Queremos que a feira vá para mais regiões da Iberoamérica, incluindo a América Latina”, comenta Quintanilla. A próxima Empírika será realizada em 2012 no Brasil e a ideia é que a feira, depois da edição brasileira, circule por outros países, como México e Colômbia, e volte para a Espanha em 2018, quando a Universidade de Salamanca, uma das mais antigas do mundo, completará 800 anos. A expectativa é que a edição da Empírika de 2012 seja realizada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na Universidade de São Paulo (USP), no Catavento, e em uma iniciativa bastante inovadora, incluindo-se algum tipo de participação virtual, com apoio da estrutura da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp).
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