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Artigo |
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Considerações políticas sobre a Defesa Nacional |
Por Eliézer Rizzo de Oliveira
10/04/2006
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Neste outono de 2006, os candidatos começam a ser
definidos para a eleição presidencial de outubro. Pode-se esperar que
ocorram debates sobre políticas públicas e sobre o futuro do Brasil.
Porém, é improvável que algum candidato venha a dizer ao país o
pretende realizar no campo da defesa nacional.
Não será surpresa se isto vier a se confirmar, pois a defesa nacional –
essencial para a preservação do Estado democrático – tem pouca
importância para o país. Basta constatar a pouquíssima atenção que tem
recebido dos sucessivos presidentes da República. Lula a relegou à
condição de mera orquestração cerimonial, depois de – ao final da
campanha eleitoral em 2002 – haver induzido os clubes militares a
acreditar que aplicaria recursos ao longo de seu governo. O pior é que
o público militar acreditou, quando o candidato não dedicou mais do que
um parágrafo de programa eleitoral à defesa nacional.
É preciso mudar esta atitude. É isto que propomos neste artigo: que o
Brasil atribua um lugar e uma atenção adequados à defesa nacional na
plena vigência do regime democrático.
Sociedade civil e defesa nacional
A sociedade civil é capaz de influenciar a adoção e o desenvolvimento
de políticas públicas, a exemplo do que ocorre com a saúde e a
educação. No entanto, dado que vigora uma percepção social do baixo
nível de importância da defesa nacional, os governos ficam à vontade
para empurrar com a barriga. Assim, o primeiro fator a destacar é a
infecunda e insensível percepção da sociedade civil sobre a necessidade
de defesa nacional. Ora ela é vista como coisa de militares, ora como
resquício de regime autoritário. Com a exceção de centros
universitários de pesquisa e de entidades de militares da reserva,
predomina o silêncio. Os partidos – ora, os partidos! – vivem para
disputar eleições e exercer o poder político em nome do povo. Há crises
demais, CPIs em abundância. Já a defesa nacional, esta lhes passa
despercebida.
Por que ninguém parece se tocar com a defesa nacional? A explicação
remete a quatro fatores. Primeiro: ao superar o passado autoritário,
uma parte articulada da sociedade rejeitou as forças armadas. No
entanto, é preciso considerar a história e as gerações em cada
instituição. Se as universidades fossem julgadas com idêntico critério,
também poderiam ser rejeitadas já que várias cultivaram um profundo e
enraizado autoritarismo.
Se não chegou a prosperar a tese da falta de necessidade das Forças
Armadas – que deveriam ater-se ao policiamento de fronteiras e a outros
fins gerais, tais como a segurança pública, o meio ambiente – foi
elevado o preço pago ao desprestígio das funções de defesa nacional.
Em segundo lugar, nossos governantes e legisladores parecem acreditar
que não temos problemas de defesa e segurança. O raciocínio é simples:
não temos conflitos nas fronteiras (temos, sim), não participamos dos
centros mundiais nem das disputas que contam no plano mundial.
Portanto, o Brasil não correria riscos. Esta percepção é equivocada,
pois as ameaças assumem novas formas: narcotráfico, crime organizado, a
presença ineficiente do Estado em áreas rurais e urbanas, tráfico de
pessoas, o poder despótico da delinqüência sobre populações que não
gozam da proteção do Estado. Tais problemas devem ser incluídos no
domínio da defesa nacional, cujo foco principal continua voltado para o
campo internacional.
Terceiro: vigora uma forte competição temática pelo interesse dos
partidos e da sociedade civil. As carências sociais são tão gritantes
que as prioridades não acolhem a defesa nacional. Enfim, os políticos
têm outros assuntos para cuidar e com mais resultados. A sensibilidade
dos políticos diz o seguinte (e aqui introduzimos a quarta explicação):
os temas prioritários “dão votos”, a defesa nacional “não dá votos”. A
escolha é previsível: excluem a defesa nacional de qualquer
consideração programática. O resultado é o insucesso na disputa pelos
recursos destinados à defesa nacional.
A defesa nacional padece de muita abstração e da falta de comunicação
social. Ela perde ao concorrer com políticas operadas por médicos e
professores em locais e instituições reconhecidas. Daí a necessidade de
uma Pedagogia da Defesa Nacional, a ser desenvolvida pelo Ministério da
Defesa e pelas instituições militares, destinada a esclarecer e motivar
o país. O Livro de Defesa Nacional, adotado em diversos países (de
memória: Estados Unidos, Canadá, França, Inglaterra, Itália, Espanha,
China, Alemanha, Argentina, Chile, Equador, Colômbia, etc.) terá um
papel essencial a este respeito.
A defesa nacional como política pública
O primeiro aspecto a destacar da política de defesa na condição de
política pública é que ela constitui (ou deverá vir a ser) uma política
de Estado. Isto pressupõe um acordo conceitual e político
(especialmente entre a diplomacia e os militares, mas também entre
partidos e a sociedade civil) sobre os perigos, os riscos e as ameaças,
assim como sobre os objetivos e os recursos da Defesa Nacional. Tal
política de Estado deve navegar acima jogo situação versus oposição.
Seus conceitos estarão sob permanente reexame, tão cambiante é a
situação internacional. Será muito relevante – indispensável, mesmo – a
atuação do(a) Ministro(a) da Defesa junto ao Congresso Nacional, em
busca de apoio político e de recursos. O mesmo na direção da opinião
pública, universidades, etc. A gestão do embaixador José Viegas Filho
no Ministério da Defesa teve este significado.
O segundo aspecto da defesa nacional enquanto política pública diz
respeito à sua conexão com o regime democrático: (a) ela é dirigida
pelo chefe de Estado, que a associa à política exterior e a outros
domínios da vida nacional (como educação, ciência e tecnologia e
outros); (b) as forças armadas respondem administrativa e politicamente
à direção suprema do presidente da República, (c) atuando segundo
diretrizes presidenciais e no respeito à legalidade democrática tanto
no país quanto no exterior; (d) estruturas profissionais à
administração da capacidade de violência do Estado, as forças armadas
são apartidárias, não dependem dos partidos para o seu funcionamento
institucional nem os partidos se beneficiam de fatores estritamente
militares. Elas não contam para a definição de quem dirige o país,
exceto pelo fato de que os militares e familiares têm direito ao voto.
O jornalista e escritor Rodrigo Átria, assessor de Michele Bachelet
enquanto ministra da Defesa do Chile, afirmou com razão que a política
de defesa “significa um compromisso de participação e um compromisso de
transparência. É necessário considerar que a elaboração do Livro de
Defesa constitui um nicho de participação na formulação de uma política
de defesa”.1 Ainda, que a “defesa nacional serve aos propósitos que
lhe
são próprios, posto que lhe foram atribuídos pelo ordenamento do Estado
e pela autoridade política à qual está submetida. Através de suas
instituições, em particular das forças armadas, a defesa nacional é
responsável pelo oferecimento de um serviço permanente, que é a
capacitação militar em termos materiais, doutrinários, científicos e
tecnológicos, bélicos e de recursos humanos”.
Arrolo algumas sugestões para a defesa nacional a partir das nossas necessidades e de algumas experiências internacionais:
1. ampliação dos atores sociais no debate sobre a defesa nacional e incremento da qualidade da produção intelectual a respeito;
2. definição da natureza da cooperação militar no Mercosul: colaboração
profunda (em curso) e/ou estrutura regional de defesa sobre o eixo
Brasil – Argentina;
3. participação do Congresso Nacional na formulação da política de
defesa nacional, devendo pronunciar-se (autorização ou referendo) sobre
a decisão presidencial de empregar forças militares na segurança
pública e em forças de paz;
4. a consolidação do Ministério da defesa é primordial, envolvendo,
dentre outros aspectos: (a) uma carreira pública de defesa, a ser
implantada paulatinamente; (b) em cooperação com as forças armadas,
oferecimento de cursos com o propósito de formar e aperfeiçoar seus
funcionários; (c) contratação temporária de pessoal externo, de
proveniência universitária ou outra, para colaborar na formulação e
acompanhamento da política de defesa nacional; (d) desenvolvimento de
uma “pedagogia da defesa nacional”, de modo a contribuir para o
acatamento do Ministério da Defesa na cultura castrense e nas
instituições educacionais e culturais brasileiras; (e) elaboração do
Livro de Defesa Nacional;
5. o processo de integração das Forças Armadas deverá incluir as
escolas de preparação, formação, aperfeiçoamento, Estado-Maior e outras;
6. a elaboração do Livro de Defesa Nacional contribuirá para a
consolidação do Ministério da Defesa e para a ampliação da atenção da
sociedade civil à defesa nacional. Quanto às relações com o exterior, o
documento servirá como afirmação do diálogo e da solução diplomática de
conflitos, mas conterá a percepção brasileira acerca da sua inserção
regional e mundial, da natureza dos conflitos e dos riscos, da natureza
da guerra, das estruturas internacionais de Defesa e Segurança, da
orientação para o preparo militar. Quanto às relações com a sociedade
civil, tenderá a ampliar a legitimidade das missões militares e o
diálogo com instituições educacionais, científicas, culturais,
imprensa, etc.
7. política de ampliação da cooperação do Brasil com seus
vizinhos. Neste particular, a ampliação de vagas das nossas
escolas aos militares provenientes desses países poderá reforçar essa
cooperação e a saudável influência brasileira para a consolidação da defesa nacional e a direção política das forças armadas;
8. retomada dos Encontros Nacionais de Estudos Estratégicos por iniciativa do Ministério da Defesa;
9. estudo sobre criação de Universidade de Defesa com os seguintes
objetivos, dentre outros: (a) atualização periódica da Política de
Defesa Nacional; (b) oferecer um guarda-chuva institucional
aos
programas de pós-graduação (mestrado e doutorado) oferecidos pelas
forças armadas; (c) oferecimento de cursos sobre defesa nacional; (d)
desenvolvimento de programas complementares, tais como: aquisição de
livros e revistas especializadas; modernização das bibliotecas
militares; preservação da memória das forças armadas e da defesa
nacional;
10.estabelecimento de fundos específicos para a defesa nacional, como ocorre no Chile.
Nota:
1
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