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Reportagem
Além do Nobel: outras premiações que permeiam o reconhecimento de um cientista
Por Roberto Takata
10/12/2014

Dia 5 de outubro de 2000, noite de quinta-feira. O salão do Teatro Sanders da prestigiosa Universidade Harvard está lotado de acadêmicos, incluídos vários vencedores de edições passadas do Prêmio Nobel. Por seu trabalho, publicado três anos antes, o físico russo naturalizado holandês e britânico, Andre Konstantin Geim, então na Universidade de Nijmegen (atualmente na Universidade Manchester), e o físico-matemático inglês Michael Victor Berry, da Universidade de Bristol, foram agraciados com o prêmio de Física. O feito? Levitar uma rã sob um campo magnético de alta intensidade – e o artigo, inclusive, tem um título bastante claro e descritivo: Of flying frogs e levitrons (“Sobre rãs voadoras e levitrons”), publicado no European Journal of Physics. O prêmio? Um Ig Nobel. “Láurea” concedida pela publicação humorística Annals of Improbable Research (AIR) para pesquisas que “primeiro nos fazem rir e, depois, pensar”. Geim, longe de se sentir constrangido ou irritado, foi receber a honra pessoalmente. Dez anos depois, Geim, por trabalhos sobre grafenos (sem relação com batráquios voadores), dividiria com o físico russo naturalizado britânico, Konstantin Novoselov, o Nobel de Física. Andre Geim tornara-se o primeiro, e até o momento o único, a ser agraciado tanto pelo AIR quanto pela Real Academia Sueca de Ciências.

Embora o Nobel seja provavelmente a honraria mais conhecida e reconhecida, especialmente nas áreas de ciências, muitas outras premiações surgiram ao longo do tempo. Nos compêndios da editora Gale Research “Awards, Honors & Prizes”, segundo a socióloga americana Harriet Zuckerman, da Universidade Columbia, no início dos anos 1990, havia cerca de 3 mil premiações científicas apenas nos EUA; um número cinco vezes maior do que ao fim da década de 1960, um crescimento que não pode ser explicado somente pelo aumento do número de cientistas,
que se deu a uma taxa bem menor. Parte delas acaba servindo de complemento, contemplando campos que não são agraciados pelo Nobel, como a matemática. A Medalha Fields, criada em 1936 e conferida regularmente a cada 4 anos pela União Matemática Internacional desde 1950, e o Prêmio Abel, da Academia Norueguesa de Ciências e Letras, concedido anualmente desde 2003, são duas das principais nessa área.

A Fields, cujo nome homenageia o matemático canadense John Charles Fields (1863-1932), um dos principais idealizadores do prêmio, tornou-se mais conhecida do público brasileiro este ano pelo fato de, pela primeira vez, um brasileiro (e um latino-americano) ser agraciado. Artur Ávila Cordeiro de Melo, carioca e também naturalizado francês, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, da França) já era cotado há algum tempo. Juntamente com Ávila, foram premiados outros três matemáticos com menos de 40 anos: a iraniana Maryam Mirzakhani, das Universidades de Harvard e de Stanford; Manjul Bhargava, americano-canadense, da Universidade de Princeton; e o austríaco Martin Hairer, da Universidade de Genebra.

Mirzakhani é a primeira mulher a receber o galardão. Seria a Fields uma espécie do clube do Bolinha (acusação também feita ao Nobel)? Hairer acredita que não. “A amostra é muito pequena”, diz o matemático austríaco. “Além disso, a proporção de mulheres (na área) provavelmente não é maior do que 10 ou 15% e, antes dos anos 1980, 1990, esses valores eram ainda menores; então não creio que haja um viés contra as mulheres no comitê da medalha Fields, principalmente dada a grande integridade profissional e humana de seus componentes”, prossegue Hairer, complementando: “Dito isso, claro que o fato de haver tão poucas mulheres matemáticas é lamentável, mas qualquer solução para isso deve começar em estágio muito anterior, como o encorajamento pelos pais às jovens para que acreditem que matemática e ciências não são apenas para meninos”.

Proposital ou não, a baixa presença das mulheres entre cientistas laureados – não apenas entre vencedores da Fields – levou à criação de algumas premiações especiais com a intenção de aumentar a visibilidade de seus méritos. Caso, por exemplo, do L'Oreal-Unesco para Mulheres nas Ciências, cuja versão brasileira conta também com a participação da Academia Brasileira de Ciências. Para Zuckerman, premiações exclusivas para mulheres “não têm sido efetivas na redução da discriminação por gênero”, embora a socióloga considere que sejam realizadas com as melhores das intenções. “Não vejo muitas mulheres serem incluídas nas novas premiações; de fato, há muito pouco delas; no entanto, parece que elas estão sendo, bem aos poucos, reconhecidas pelo excelente trabalho que fazem”, diz.

Novos Nobéis e polêmicas

Parte das premiações tenta se posicionar como concorrente ao Nobel, não apenas por atuar nas mesmas áreas como pelos valores envolvidos. Enquanto a Fields distribui 15 mil dólares canadenses aos vencedores (cerca de US$ 14.700) e o Nobel, atualmente, cerca de US$ 1,2 milhão por área – podendo ser dividido por até três ganhadores – recentemente foram criados prêmios que pagam até US$ 3 milhões para pesquisas como o Breakthrough Prize, nas áreas ciências da vida, física fundamental e matemática. O prêmio Tang, voltado para o desenvolvimento sustentável, biofarmacêutica, estudos chineses e direito, é conferido a cada dois anos com o valor de 40 milhões de dólares taiuaneses (algo como US$ 1,3 milhão) para cada área. Esses valores são bancados por bilionários de diversas origens. O incorporador de imóveis taiuanês Samuel Yin está por trás do Tang; o investidor russo Yuri Milner e o co-criador do Facebook, Mark Zuckerberg patrocinam o Breakthrough Prize em matemática; a área de ciências da vida recebeu aportes do co-fundador do Google, o russo Sergey Brin, do empresário chinês Jack Ma, de Zuckerberg e de Milner; e o de física fundamental, por Milner.

O físico teórico russo da Universidade Princeton, Alexander Polyakov, relata à jornalista Zeeya Merali para o site da Nature, ao receber o Breakthrough Prize em física fundamental deste ano: “Esses prêmios de grandes valores monetários podem se tornar muito influentes e podem ter um impacto positivo ou podem ser muito perigosos”. Zuckerman concorda com Polyakov: “Prêmios com muito dinheiro, que atraem grande atenção do público e que são grandemente desejados, ao menos por alguns, distorcem as prioridades e reforçam as tendências já fortemente competitivas nas ciências; mas também chamam a atenção do público para a importância das ciências e das novas contribuições e também recompensa os que pensam e trabalham duro em ideias frequentemente difíceis de se compreender e que não necessariamente têm aplicações práticas”.

Mas as polêmicas não terminam aí. Em vários casos, as novas premiações vão para cientistas já renomados e premiados anteriormente. Para Zuckerman, isso se deve aos organizadores desses prêmios considerarem que é mais seguro prestigiar quem já foi agraciado anteriormente sem que tenha ocorrido qualquer problema. Isso acaba se constituindo no que é conhecido como efeito Mateus – cientistas já eminentes tendem a ter ainda mais crédito em relação a cientistas menos conhecidos. Além disso, os organizadores gostam de ser associados a cientistas que já são famosos. O que pode render acusações de tentativa de se obter prestígio vicário. Na reportagem de Merali, o físico nobelista Frank Wilczek, do MIT, considera que algumas pessoas estão “ou tentando tomar emprestado o prestígio de ganhadores do Nobel ou tentando comprá-lo”.

Suspeitas similares são evocadas a cada vez que algum cientista eminente aceita o prêmio da Fundação Templeton, voltada para a “catalisar descobertas a respeito das grandes questões sobre o propósito humano e a realidade final”, isto é, a conciliação entre ciência e religião. Como em 2011, quando o astrofísico britânico Martin Rees, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, aceitou o prêmio de 1 milhão de libras (cerca de US$ 1,56 milhão). O jornalista de ciências norte-americano John Horgan considera a premiação como uma tentativa de legitimação da agenda religiosa da entidade, como escreveu em seu blog. Já o físico norte-americano Sean Carroll brinca em seu blog dizendo que aceitaria o prêmio e o utilizaria para financiar a evangelização para o naturalismo e o ateísmo – depois de pagar a hipoteca.

A origem do dinheiro das premiações e o histórico dos patronos também são alvo de preocupações. Yin, do prêmio Tang, já foi citado em investigações de corrupção de políticos taiuaneses, embora não tenha sido processado.

Algumas categorias de premiações, no entanto, são ainda mais polêmicas – as que cobram dos agraciados alguma contribuição: seja por meio da venda de catálogos nos quais seus nomes estão incluídos, seja para a confecção de medalhas e placas ou para a organização da cerimônia.

O anti-Nobel

Uma premiação que poderia ser alvo de polêmicas e críticas termina por ser muito bem vista pela comunidade científica – ao menos por parte dela. Geim, do Ig Nobel, não é um caso isolado, vários outros pesquisadores recebem de bom grado o prêmio – os organizadores tomam o cuidado de entrar em contato com antecedência com os potenciais ganhadores para verificar a aceitação.

Em entrevista telefônica a Adam Smith para a Fundação Nobel, Geim diz ter ficado orgulhoso do Ig Nobel. A ideia da rã flutuando sob o campo magnético era, desde o começo, uma imagem com o intuito de ser divertida, mas o fato de ter tido a coragem de aceitar o prêmio, para o físico, foi particularmente motivo de orgulho.

Os arqueólogos Astolfo de Araújo, da Universidade de São Paulo, e José Carlos Marcelino, do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo, são os únicos brasileiros vencedores. O mérito foi por um trabalho publicado em 2003: The role of armadillos in the movement of archaeological materials: an experimental approach, sobre o efeito da escavação do tatu na distribuição de itens em sítios arqueológicos – com as implicações na datação na medida em que mistura camadas mais novas com as mais antigas. “Acho que a ciência é algo que deve ser levada a sério sem que seja sisuda e mal-humorada”, diz Araújo. “Aceitar o prêmio é entender que você ajuda a disseminar a ciência como uma coisa interessante”, opina o arqueólogo da USP e completa: “Um ótimo exemplo é uma outra premiação do Ig Nobel de 2008, em que os pesquisadores trabalharam dentro de uma boate de strip-tease, e descobriram que as dançarinas ganhavam mais gorjeta quando estavam no período fértil. Muito engraçado, mas ao mesmo tempo faz pensar um bocado, não? Será que somos tão racionais assim? Será que somos sujeitos à ação de feromônios de uma maneira muito mais forte do que imaginamos? Será que existe livre-arbítrio? Ou seja, uma coisa engraçada pode levar você aos mais altos questionamentos filosóficos”, diz.

Zuckerman também considera a premiação como benigna: “Isso me diverte e acho que fazer piada com o que é geralmente visto como sagrado é bom para todo mundo”. Mas se ela gostaria de receber o prêmio? “Absolutamente não!”.