O Brasil poderia adotar algumas medidas que foram bem sucedidas em países emergentes para ocupar uma melhor posição nos rankings de inovação. No recém-divulgado Índice Global de Inovação 2013, o país ficou na 64ª posição, entre 142 analisados, seis posições abaixo do ano passado, e em 8º lugar entre os latino-americanos. 84 variáveis foram analisadas para se chegar a esse resultado, entre as quais capital humano, infraestrutura, sofisticação de mercado e de negócios, capacidade comprovada de conhecimento e tecnologia e criatividade.
Dos latino-americanos, nenhum país ficou entre os 35 mais inovadores, segundo o ranking, mas a China, que ao lado do Brasil, Rússia, Índia e África do Sul compõem os Brics, sim. Embora tenham economias e tamanhos diferentes, esses países têm em comum crescimento recente acima dos países tradicionalmente mais ricos o que levou analistas da área econômica a considerá-los um grupo econômico importante e que compete entre si pela atração de negócios, desenvolvimento econômico, tecnológico e social.
Dentre eles, a China, que está em 35º lugar nesse ranking, embora Hong Kong esteja em 7º, se destaca. O exemplo foi apontado por Sérgio Queiroz, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências da Unicamp, e um dos líderes do Grupo de Estudos de Empresas e Inovação (Gempi). “A China é o país que mais se destaca nos Brics, é quem vem mostrando desempenho mais impressionante nos fatores que aumentam a produtividade e estimulam a inovação, como os gastos em pesquisa e desenvolvimento”, explica o professor.
Considerando o salto chinês de um patamar inferior ao do Brasil em termos de gastos em P&D, como percentual de Produto Interno Bruto (PIB), esse número, que no Brasil está estagnado em torno de 1,1%, na China evoluiu de 0,9% para 1,8% em aproximadamente 10 anos. A produção científica chinesa também cresceu bastante, com aproximadamente 120 mil papers produzidos por ano, quando no Brasil esse número está próximo de 30 mil. Porém, apenas o volume de produção não é suficiente como indicativo de sucesso na área de C&T, mais importante que comparar os números é comparar o impacto dessa produção científica. Nesse sentido, nem a China e nem o Brasil têm demonstrado grande desenvoltura. A China tem impacto de 0,7% e o Brasil de 0,6%. Nesse quesito, a Espanha, que tem uma produção um pouco maior, mas comparável à do Brasil, tem impacto de 1,2%. Embora não se possa fazer comparações pontuais, pela diferença do tamanho dos países, de suas economias, regimes políticos, contextos históricos, entre outras variáveis, o melhor posicionamento de alguns concorrentes em rankings globais de inovação e competitividade levam o Brasil a olhar com atenção as experiências de sucesso para saber quais poderiam ser inspiradoras. Nesse sentido, o Chile, que ocupou o 46º lugar no Índice Global de Inovação, pode inspirar o Brasil em algum sentido. Hérica Righi, mestre em política científica e tecnológica e pesquisadora da Fundação Dom Cabral, foi uma das autoras da pesquisa Inovação na América Latina, feita em parceria com a Rede Enlaces (Escolas de Negócios da América Latina pelo Crescimento Econômico Sustentável). A proposta do trabalho foi analisar o desenvolvimento e gestão da inovação da Argentina, México, Brasil, Colômbia, Chile, Peru e Venezuela, e o destaque foi para os resultados dos chilenos. “O Chile pode inspirar o Brasil não somente na visão tecnológica da inovação, mas também no setor de serviços. O governo está investindo muito em movimentos de incentivo à inovação, e como o mercado consumidor deles é bem pequeno, a solução encontrada foi apoiar a internacionalização da economia do país”, explica a pesquisadora.
Apesar de se destacar, os dois países possuem modelos diferentes de atuação com relação às políticas de incentivo à competitividade. Os asiáticos provêm de um comunismo que a partir do final da década de 1970 começou a abrir seu mercado para empresas capitalistas, processo no qual foi decidido que a produção chinesa deveria ser tão eficiente quanto a do resto do mundo, criando assim as zonas de processamento de exportação, de investimento de capital estrangeiro, porém com o controle estatal chinês. “A Ásia tem um modelo de produção voltado para a competição internacional. Os chineses não produzem para a China, e isso está começando a gerar impactos na economia local. O que eles precisam fazer atualmente é mudar essa dinâmica, procurar vender para esse mercado interno que é muito grande”, explica Queiroz.
No Brasil, esse processo deve ser o inverso. Embora o mercado brasileiro seja grande, o desafio é vender e competir no mercado externo, incentivando o investimento, e não o consumo. Segundo Queiroz, o país não consegue executar esta tarefa devido ao câmbio atual, fator que dificulta as transações das empresas exportadoras. Para compensar essas dificuldades, portanto, as empresas se fecham num sistema de protecionismo, e acabam se voltando para o mercado interno. “O correto seria remover essa proteção tarifária e oferecer um câmbio mais atrativo, estimulando a empresa a brigar pelo mercado externo. O caminho do consumo brasileiro se esgotou quando a maioria das pessoas foi incorporada ao mercado de trabalho, e a maneira de crescer é fazendo com que essas pessoas sejam mais produtivas. Se as empresas quiserem competir, elas precisam inovar”, completa.
Hérica analisou outros dados importantes sobre a economia latino -americana, como a falta da sustentação de longo prazo dos planos de desenvolvimento e inovação das empresas, e a baixa taxa de empreendedorismo das mesmas. “Na América Latina, por uma questão cultural de industrialização tardia e intolerância a erros, falta para os empresários a disposição de assumir riscos, de serem ousados nas estratégias de desenvolvimento. É preciso ter um foco, um ramo inicial de negócios, porém, para sobreviver às crises econômicas, é quase que obrigatório ter outras visões de mercado e ramificações de serviços ”, diz ela.
Para exemplificar, a pesquisadora destaca a Bic, empresa que começou seu negócio com uma caneta esferográfica de plástico e hoje produz também acendedores, barbeadores e pilhas. Uma situação oposta é a da Kodak, que manteve o foco em máquinas e filmes fotográficos e hoje enfrenta uma crise mercadológica. E é isso que os chilenos estão tentando incorporar no seu plano de inovação, buscar a diversificação das empresas e novos mercados-alvo.
Voltando às comparações com a China, o professor da Unicamp reitera que, para inovar, é preciso unir fatores de oferta com fatores de demanda, ou seja, alguém interessado em inovar e fatores que ofertem elementos para que essa inovação aconteça, como mão de obra qualificada, atividades de pesquisa e desenvolvimento, programas do governo de incentivo à inovação, universidades que formam pessoas qualificadas. E nisso, ele afirma que os chineses ultrapassaram o Brasil.
Na questão da demanda, é preciso que alguém queira contratar serviços e pesquisas, seja o governo ou as empresas. Porém, o setor empresarial não parece muito disposto a investir nessa área e uma empresa de pesquisa nacional ou o próprio governo, só irão desenvolver um centro de P&D se houver demanda para o setor. No Brasil, um exemplo é a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que por meio do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) produz vacinas por encomenda do governo para imunização da população contra várias doenças. “As empresas brasileiras investem pouco em P&D. Por mais que os governos estaduais e federal ofereçam programas de apoio à inovação, é preciso mais do que isso, é preciso mexer na demanda por tecnologia, essa é a grande diferença do modelo asiático e o do Brasil ”, finaliza Queiroz.
China, o desafio a ser vencido
A capacidade inovativa dos países é avaliada também, há mais de três décadas, pelo World Economic Forum ’s Global Benchmarking Network, que reúne diversos institutos ao redor do mundo, sendo considerada a avaliação mais abrangente de competitividade nacional. Alguns dos indicadores utilizados para essa aferição são infraestrutura, ambiente macroeconômico, saúde e educação básica, inovação, desenvolvimento do mercado financeiro, entre outros. O resultado das pesquisas de cada um dos países é o Ranking de Competitividade Global, que, no período 2012-2013 analisou o desempenho de 144 países. Nele, a China está na 29ª colocação, e, como afirmou Queiroz, deve ser o grande espelho de desenvolvimento do Brasil. O país é o de maior destaque econômico dos Brics, sendo a segunda maior economia do mundo, e já incomoda algumas potências científicas e tecnológicas, como Estados Unidos e Alemanha.
Após a abertura econômica do país, o governo chinês conseguiu se recuperar rapidamente da sua disparidade com relação a outras nações mais desenvolvidas e projetadas economicamente para o exterior. Aproximadamente 30% do investimento direto externo que os chineses recebem são destinados a negócios, setor hoje totalmente voltado à exportação. Políticas de apoio à P&D, com atração de centros de pesquisa no país, investimentos na formação dos profissionais para atuar na área, foram as peças-chave para esse sucesso. Em números, os investimentos chineses em ciência e tecnologia cresceram em torno de 20% ao ano desde 1999, já atingindo médias dos países considerados referências em inovação.
Além de subsidiar as despesas com educação, fornecendo 4% do seu PIB para o setor em 2010 para universidades e centros de pesquisas avançadas, a China ainda tenta ao máximo reter esses pesquisadores, bem como repatriar empreendedores que atuam no exterior, com maiores incentivos fiscais. No quesito patentes, os números são ainda mais animadores: o aumento de 90 patentes em 1999 para 2.657 em 2010 diz tudo. Verifica-se que o conhecimento produzido pelos centros de pesquisa está sendo aplicado, e tem tudo para continuar expressivo, uma vez que desde 2008 é o segundo maior produtor de conhecimento científico mundial, segundo análise realizada em 2011 pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
O estudo do Iedi mostra ainda que o governo chinês trabalha com uma visão de longo prazo, com planos de desenvolvimento científico e tecnológico, priorizando aspectos como a formação de recursos humanos, estratégias setoriais, propriedade intelectual e uso seletivo do investimento direto estrangeiro. Exemplo disso é o Plano Nacional de Médio e Longo Prazo para o Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (MLP), que tem como objetivo convergir a economia da China para a inovação até 2020. O foco seria em algumas áreas-nicho da economia, como energia, recursos minerais, tecnologia de informação, viabilizando tecnologia para o desenvolvimento de inovação e criando novas demandas e indústrias, expandindo, assim, seu mercado. De fornecedor de produtos de qualidade baixa ou duvidosa, hoje a China passou a produtor de tecnologia competitiva.
O destaque na América Latina
Outro país que se destaca, o Chile, ocupa atualmente o 33º lugar no Ranking de Competitividade Global, e a 46ª no Índice Global de Inovação (neste ranking está atrás da Costa Rica, que fica em 39º lugar), firmando-se como a economia mais competitiva da América Latina. O ano de 2012 foi marcado pela criação de mais agências de inovação e eventos para empresários, principalmente com foco no setor de serviços, que vem recebendo atenção dos investimentos do governo chileno.
Colaboram para a boa atuação do país nesse ranking a sólida estrutura macroeconômica, que apresenta baixos índices de dívida pública, além da eficiência em infraestrutura de transportes, instituições públicas transparentes e superávit do orçamento do governo. O país tem um histórico de políticas de liberalização comercial e financeira desde o governo de Augusto Pinochet, que foram aprofundadas na década de 1990, ações como incentivos fiscais, liberação de preços e salários, privatização de empresas, educação e previdências sociais, além da desregulamentação e fiscalização das despesas públicas.
Hoje, os empresários são cada vez mais incentivados a internacionalizar sua economia. Exemplo disso é o ProChile (Instituto de Promoção de Exportações do Chile), instituição ligada ao Ministério de Relações Exteriores, encarregada de promover as exportações de produtos e serviços do país, e que também colabora com a difusão do investimento estrangeiro e turismo no país.
O programa oferece uma variedade de ferramentas para os empresários locais adquirirem conhecimento, treinamento e desenvolvimento das capacidades exportadoras das empresas, com mais de 50 oficinas comerciais mundiais e 15 oficinas regionais em todo o país, contribuindo para a diminuição dos riscos inerentes ao processo de internacionalização. O objetivo dessas ações é a possibilidade de diversificar a economia desses negócios e auxiliá-los na conquista de um novo alvo de mercado, com foco naqueles que atualmente exportam somente para um local.
Ainda segundo as análises, se o Chile almejar avançar ainda mais nos quesitos inovação e competitividade, precisa apresentar melhoras no seu sistema educacional, aumentar a utilização das tecnologias de informação e comunicação, reforçando seu sistema de pesquisa. Aspectos que, no final das contas, não diferem tanto da realidade brasileira.
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