O início de 2011 trouxe um grande
e complexo desafio para o Banco Central brasileiro: desenvolver uma política econômica
sofisticada, capaz de manter o ritmo de crescimento do país e diminuir os impactos
da atual escalada mundial de preços, principalmente, dos alimentos. Segundo
informe do Banco Central, o comportamento dos preços das commodities no
exterior deslocou a inflação brasileira em 2,5% nos últimos meses, afastando-a
do centro da meta.
Além disso, fatores internos
também colaboraram para esse aumento inflacionário, como a redução do
desemprego e a elevação do nível de renda, o que pressionou o custo de serviços
como transportes, energia elétrica, TV por assinatura e internet, já que a
demanda aumentou bem mais que a oferta. Mas segundo a professora de economia da
USP Leda Maria Paulani, “essa pressão que existe é muito mais importada do que
algo que tenha a ver com a economia interna. Há um aumento de preços das
commodities que acaba tendo um grande impacto no Brasil”.
Seja qual for a parcela da
contribuição externa, segue o desafio: conter a inflação. Nessa situação, as
políticas ortodoxas recomendam uma elevação nas taxas de juros, para conter o
consumo e tentar o equilíbrio entre oferta e procura, para estabilizar os
preços. Mas isso contribui para uma valorização excessiva do real, já que os
juros altos atraem a entrada de dólar para investimento no mercado financeiro e
a oferta abundante da moeda estrangeira derruba sua cotação frente ao real. Esse
quadro é bastante preocupante para o exportador brasileiro, num momento em que
o dólar já está desvalorizado em todo o mundo, pois o preço das mercadorias de
exportação se torna mais caro e menos competitivo na conversão de um real forte
para a moeda mais usada nas transações internacionais: o dólar, que por sua
vez, está cada vez mais fraco.
Para manter os juros altos e ao
mesmo tempo moderar a valorização da taxa de câmbio, a saída para o Banco
Central é a compra de dólares. Nos últimos anos, o acúmulo de reservas em moeda
estrangeira pelos sucessivos balanços positivos na diferença entre entrada e
saída de dólares – tanto nas transações comerciais quanto no capital
especulativo que passa pelo sistema financeiro – foi um dos grandes trunfos da
política econômica e esteve na base da excepcional resistência do Brasil
perante as crises internacionais. No entanto, quanto mais altos os juros, mais
custam as reservas, já que o Banco Central tem que recorrer mais vezes à compra
de dólares para conter sua desvalorização.
O economista e estrategista de
investimento Ricardo Amorim explica que essa política de reservas funciona como
um seguro e que foi muito eficaz contra a crise de 2008, que teve consequências
seríssimas em todo o mundo, mas impactos bem menores no Brasil. Paulani, da
USP, concorda: “Essa política nos traz certo conforto, uma certa tranquilidade
em relação a momentos como os de crise externa, em que alguns outros países com
menos reservas ficaram mais vulneráveis”.
No entanto, Amorim afirma que “o
custo do acúmulo de reservas é muito alto. Só no ano passado, foram gastos praticamente
R$ 50 bilhões, ou seja, uma despesa maior do que com, por exemplo,
infraestrutura”. Ele explica, ainda, que seria mais eficaz investir em outras
áreas e tornar a economia brasileira mais competitiva do que continuar pagando
por essa política de seguro.
Uma outra solução que o Banco
Central encontrou para conter o consumo e frear a inflação foi combinar a
elevação da taxa de juros com medidas que atuem de forma mais direta sobre o
crédito, como, por exemplo, a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras
(IOF) de 1,5% para 3% ao ano. Essa é uma iniciativa regulatória, ou seja, que
pode ser modificada a partir da normalização da oferta de crédito.
Essas medidas contribuem para a
segurança do sistema financeiro, a moderação da atividade econômica e a queda
da inflação. E têm a vantagem de que não reforçam os efeitos indesejáveis dos
juros altos sobre a taxa de câmbio e as contas públicas. No entanto, o governo
tem recebido críticas de que deveria ter sido mais agressivo nesse processo.
Ricardo Amorim, ao contrário de empresários como o falecido ex-presidente José
Alencar e o atual senador Armando Monteiro Neto, defende que o Banco Central
deveria ter elevado os juros de forma mais rápida e forte, mas acrescenta que o
governo deveria controlar os gastos para ter um instrumento de resposta.
O controle de gastos é uma
importante ferramenta para contrabalançar os efeitos negativos de uma crise
externa. Foi o que ocorreu em 2008: quando a crise chegou ao Brasil, o governo
pôde aumentar os gastos, injetando mais dinheiro na economia, o que minimizou
os efeitos da crise. Só que, desde então, os gastos públicos só têm aumentado e
se houver uma nova crise internacional, não haverá condições de responder de
forma tão agressiva e forte. Para evitar que a economia brasileira sofra
grandes impactos em uma próxima eventual crise, é necessário que o governo
diminua agora os gastos e, no momento em que for necessário, os aumente, tendo
assim um espaço de manobra no caso de um cenário externo desfavorável.
O governo anunciou em fevereiro
que está praticando uma política econômica contracíclica e que pode ajudar a
reduzir significativamente o excesso de demanda com os cortes no orçamento. A
promessa do governo é de cortar pelo menos R$ 50 bilhões no orçamento de 2011. Esse
corte de gastos resulta inevitavelmente numa moderação do crescimento da
economia brasileira e redução da inflação. E, nesse cenário, a estimativa do
Banco Central para o PIB é a de que, após alta de 7,5% em 2010 – a maior desde
1986 –, deverá crescer apenas 4% em 2011.
Ricardo Amorim faz previsões
pouco otimistas para a economia brasileira e diz que, devido a uma piora na
crise europeia, o Brasil terá dificuldades para crescer. Primeiro, porque
haverá uma restrição de crédito externo para o país, e com menos crédito para os
bancos, isso acaba sendo repassado para as empresas e para o consumidor, o que
resulta numa redução do consumo, fazendo com que a atividade econômica fique
mais fraca. O segundo aspecto é que o Brasil terá dificuldades para exportar,
porque a crise externa fará os consumidores internacionais gastarem menos. Mas
isso é algo que, por enquanto, o planeta China e sua voracidade de consumo não
deixará acontecer. O problema é a produção mundial não acompanhar o crescimento
da demanda chinesa. Resultado: fica difícil controlar esse dragão!
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