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Editorial
Linguagem e mente
Por Carlos Vogt
10/12/2012

Há uma estrutura lógica da mente comum a todos os seres humanos, ou o pensamento é determinado por condicionantes e condicionamentos de tempo, espaço, cultura, sociedade, política, raça, credo, religião, e assim por diante?

O polilogismo das doutrinas oficiais comunistas tende a responder que não à primeira parte da pergunta e que sim à sua segunda parte, da mesma forma que o estado totalitário nazista: um, pelas distinções de classe, outro pelas diferenças de raças e nacionalidades.

Não foi sem esforço, no século XX, que grandes teorias, na antropologia e na linguística, propugnaram pela universalidade das línguas e do pensamento e pelos universais da linguagem e da lógica da mente.

Até os fins do século XIX, os filólogos concordavam em definir a língua como expressão do pensamento. A finalidade de uma frase seria, assim, fornecer uma imagem da ideia que ela representa, sem entrar aqui no mérito da questão, nada simples, de saber se a coisa dita preexiste ou não, no espírito, isto é, na mente, ao próprio ato de dizer. A função principal da linguagem é, nesse caso, representar o pensamento.

É nessa linha que se desenvolvem as gramáticas gerais do século XVIII, as gramáticas gerativas transformacionais, mais recentemente, sem deixar de mencionar Humboldt e os comparatistas no século XIX.

O estruturalismo, no século XX, afirmou a intenção de caminhar no sentido do reconhecimento do outro, procurando desembaraçar-se da noção centralizante de sujeito cartesiano e aventurando-se por regiões estrangeiras de línguas e culturas ditas primitivas.

Na bagagem intelectual dessa aventura ia a convicção de que o pensamento só existe na linguagem e que ela é o lugar de sua estruturação.

É este, por exemplo, o sentido do artigo de Benveniste1, "Catégories de pensée et catégories de langue", quando examina as diferenças que podem existir entre as determinações do pensamento e as categorias da linguagem, e busca em Aristóteles as determinações do pensamento, para descobrir que as categorias de Aristóteles são as da língua grega e suas próprias formas são mediadas por essa língua.

Não há, então, nenhum a priori, nenhum transcendental, nenhuma condição de possibilidade, para falar em termos kantianos, para a língua que não seja dada na e pela própria língua.

Como diz Jean Hyppolite2, 1972, p. 160-161, falando de Hegel:

"Não há pensamento fora da linguagem... Não me satisfaz falar em pensamento filosófico, opondo-o a outras formas de pensamento, tais como o pensamento matemático, o pensamento dogmático. Ao invés de falar em pensamento comum, direi linguagem comum, e ao invés de pensamento filosófico, linguagem filosófica. Por quê? Porque a filosofia de Hegel é dominada pelo problema da linguagem, que ele chama de "filha" e "instrumento da inteligência". Filha, porque a linguagem é consubstancial ao pensamento; porque a linguagem é nosso ambiente original; porque a linguagem não pode ser separada do pensamento, nem o pensamento da linguagem. Instrumento, porque é o meio através do qual se transforma o significado; portanto o instrumento da comunicação, mas um instrumento que nunca tem a objetividade total de uma ferramenta. A linguagem é o sujeito-objeto ou o objeto-sujeito. Por mais perfeita que se torne essa ferramenta, precisa sempre ser traduzida numa linguagem mais próxima de nós, que nos é inseparável, ou seja, a linguagem comum. E sem essa linguagem comum não há pensamento, pois o recorte, a organização do mundo se faz através desta linguagem comum".

A linguagem é, assim, o espaço onde o homem existe e no qual o universo convencional dos signos estrutura o seu pensamento e constitui a sua cultura.

O mundo, como diz Otávio Paz3, 1972, p.9, a propósito de Carlos Fuentes4, 1972, já não se apresenta como realidade que devemos nomear, mas como palavra que devemos decifrar.

O homem, carregado das relações desse universo de significações culturais, é ele próprio um signo constantemente interrogado por suas ações e constantemente voltado para a interrogação dos signos, que são a linguagem.

O fato é que tanto o estruturalismo como o transformacionalismo de Chomsky, divergindo embora quanto à forma da universalidade do pensamento e da linguagem e quanto às funções principais que são características desta última, apontaram para a mesma preocupação na busca de seus universais e na afirmação das estruturas intelectuais e lógicas que subjazem a toda manifestação diversificada de línguas e culturas.

Greimas, no artigo "Les jeux des contraintes sèmiotiques", escrito em colaboração com François Rastier e publicado como um dos textos que integram o livro Du sens, propõe que, ao menos para efeito de compreensão, quer dizer, metodologicamente, é possível "imaginar que o espírito humano para chegar à construção dos objetos culturais (literários, míticos, picturais etc), parte de elementos simples e segue um percurso complexo, encontrando em seu caminho tanto as restrições que ele deve sofrer quanto as escolhas que lhe é permitido realizar."5

Segundo Greimas esse percurso vai da imanência à manifestação passando por três etapas principais, nas quais se veem claramente a inspiração, sobretudo nas duas primeiras, da linguística transformacional gerativa fundada por Noam Chomsky a partir do livro Syntactic structures, de 19576.

As estruturas superficiais correspondem à gramática semiótica que organiza em formas discursivas os conteúdos suscetíveis de manifestações e as estruturas de manifestações são particulares a línguas específicas ou a materiais também específicos, sendo, assim, responsáveis pela produção e organização dos significantes.

As estruturas profundas, cujo estatuto lógico define as próprias condições de existência dos objetos semióticos constituem o ponto focal do artigo em questão.

Ao tratar da estrutura elementar da significação, Greimas7 toma como referência para a apresentação da estrutura de seu modelo constitucional o hexágono lógico de Robert Blanché, confirmando essa influência não só pela menção explícita de seu nome e do livro Les structures intellectuelles8, como também pela forma que dá à estrutura dos sistemas semióticos totalmente inspirada nas relações de oposições ali apresentadas, discutidas e analisadas.

Greimas cuja extensa obra tratou de diversos objetos semióticos, da língua à literatura, da política às palavras cruzadas e destas às máximas e provérbios, entre outros, dedicou também especial atenção à narrativa mítica confessando frequentes vezes sua admiração intelectual pelos estudos do mito de Georges Dumézil e pelos trabalhos de Claude Lévi-Strauss na mesma área9.

Para Lévi-Strauss a antropologia deve buscar as propriedades fundamentais que subjazem à imensa variedade dos produtos culturais, já que, se eles são produzidos por cérebros humanos, deve então haver entre eles, mesmo os das mais diferentes culturas, elementos comuns que eles compartilham num nível mais profundo, quer dizer numa estrutura lógica profunda que, escondida sob a superfície da variação e da diferença, a gera, prediz e explica sua transformação. São os universais que, como Chomsky, Lévi-Strauss vai também buscar nos estudos de Roman Jakobson, ligado à escola de Praga e com quem ele conviveu nos anos 1940 na Nova Escola de Pesquisa Social em Nova Iorque.

Mais precisamente é nos estudos de fonologia de Jakobson e Halle10 baseados nas propriedades acústicas dos sons linguísticos e nos traços distintivos binários estabelecidos como propriedades constitutivas da estrutura fonêmica universal da geração das línguas que Lévi-Strauss vai buscar a referência de seu modelo lógico, feito também de oposições binárias triangulares, para a análise e a explicação da imensa variedade das narrativas míticas na variação imensa de culturas variadas: Mitológicas.

Assim, o triângulo culinário

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no qual se representam as oposições binárias transformado/natural e cultura/natureza e que tem para Lévi-Strauss um papel fundamental na caracterização da estrutura profunda da cultura humana, baseia-se totalmente no triângulo vocálico e no triângulo das consoantes de Jakobson, ambos gerados a partir de um sistema comum a todos os fonemas e que supõe a distinção entre vogal e consoante e se desenvolve sobre a dupla oposição entre os traços compacto/difuso e grave e agudo, conforme mostra a figura abaixo:

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E para o triângulo culinário de Lévi-Strauss:

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Em outras palavras, como observa Edmund Leach, o que busca Lévi-Strauss é estabelecer os rudimentos de uma álgebra semântica, já que o comportamento cultural, segundo sua hipótese, capaz de transmitir informações, deve supor um código que, possuindo uma estrutura algébrica, subjaz à ocorrência das mensagens culturais, possibilitando sua expressão11.

O código nesse caso corresponde, nos termos de Saussure, ao eixo paradigmático, e as mensagens culturais expressas, ao eixo sintagmático, ecoando, desse modo, a distinção básica entre língua e fala. Em Barthes, a mesma oposição aparece no binômio sistema/sintagma que corresponde, por sua vez, em Jakobson e Halle, à oposição entre metáfora, cujo fundamento é a semelhança, e metonímia, cuja base de reconhecimento é a contiguidade. Lévi-Strauss também faz uso dessas distinções que aparecem, ainda, como vimos, em Greimas, todas elas remetendo, direta ou indiretamente, no caso dos triângulos, às estruturas intelectuais desenhadas para essas figuras por Robert Blanché no livro já acima indicado.

A busca da estrutura algébrica do código da cultura humana em Lévi-Strauss é, pois, semiológica, da mesma maneira que em Saussure, em Benveniste, em Barthes, em Greimas e em Jakobson.

"A divisão dos signos em índices, ícones e símbolos, que foi originalmente proposta por Peirce em seu famoso artigo de 1867 e elaborada durante toda a sua vida, é, de fato, baseada em duas consistentes dicotomias. Uma delas é a diferença entre contiguidade e similaridade. A relação indicial entre signans e signatum consiste na sua contiguidade factual e existencial. O dedo indicador apontando para um objeto é um típico índice. A relação icônica entre signans e o signatum é, nos termos de Peirce, 'a mera comunhão baseada em alguma qualidade', uma semelhança relativa percebida desse modo pelo intérprete, por exemplo uma pintura reconhecida como uma paisagem pelo expectador. Preservamos o nome símbolo usado por Peirce para a terceira classe de signos ... Diferentemente da contiguidade factual entre o carro apontado e o gesto do dedo apontando e da semelhança factual entre este carro e um desenho ou um diagrama do mesmo, nenhuma proximidade factual é requerida entre o nome carro e o veículo assim denominado. Neste signo o signans está ligado ao seu signatum 'a despeito de qualquer conexão factual'. A contiguidade entre os dois lados constituintes do símbolo 'pode ser chamada de qualidade atribuída', de acordo com a feliz expressão de Peirce"12.

Certamente, como de fato aconteceu, os estudos linguísticos, semiológicos e antropológicos muito contribuíram, e continuam a contribuir para os grandes avanços já conquistados do conhecimento da estrutura e dos complexos mecanismos de funcionamento do cérebro e da mente humana, mostrando que esse conhecimento, como acontece, de forma geral, na epistemologia contemporânea, só tem sido possível graças à agregação de áreas e ao enfoque multidisciplinar de um objeto de estudo ele próprio tão múltiplo e multifacetado quanto a riqueza do que ele permite: a inteligência de nossas relações com o mundo e o mundo de nossas relações com as sociedades que criamos para nelas vivermos.

* Este texto é resultado, com algumas costuras, da colagem de partes de artigos e ensaios publicados, anteriormente em livro, ou em revista. Ver, nesse sentido, "Os dois labirintos". In: Vogt, C. Linguagem, pragmática e ideologia. 2ª ed. aum. São Paulo: editora Hucitec, 1989, p. 61-76; "Blanché e a semiologia estrutural", Apresentação ao livro de Robert Blanché, Estruturas intelectuais : ensaio sobre a organização sistemática dos conceitos. In: Guinsburg, Gita K. (Trad.), São Paulo: Perspectiva. 2012. p. 9-21 e também "Semiótica e semiologia" In: Orlandi, E. P.; Lagazzi-Rodrigues, S. (orgs.). Introdução às ciências da linguagem do discurso: discurso e textualidade. Campinas: Pontes, 2006. p. 105-141.

1 Benveniste, E., 1966b. Catégories de pensée et catégories de langue. In: Benveniste, E. Problèmes de linguistique générale. Paris: Gallimard, 1966. p. 63-74.
2 Hyppolite, J. The Structure of philosophic language according to the
"Preface" to Hegel's phenomenology of the mind. In: Machsey, R. & Donato, E. (orgs.), 1972. The structuralist controversy. Baltimore & Londres. Tradução brasileira, ed. Cultrix, São Paulo, 1976. p. 157-185.
3 Paz, O. La m¨¢scara y la transparencia.
"Prologo" a Fuentes, C., Cuerpos y ofrendas. Madrid: Alianza, 1972.
4 Fuentes, C. Cuerpos y ofrendas. Madrid: Alianza, 1972.
5 Greimas, A.J., Du sens. Paris: Seuil, 1970.
6 Chomsky, N., Syntactic structures, Mouton., Haia & Paris, 1957.
7 Greimas, A.J., ob. cit., p. 137
8 Ver, Blanché, R. Les structures intellectuelles. Paris: Libraire Philosophique J. Urin, 1969 e também a tradução para o português: Estruturas intelectuais: ensaio sobre a organização sistemática dos conceitos, já citado anteriormente.
9 Ver, por exemplo, o artigo
"La mythologie comparée" publicado no livro Du Sens, p.117-134 e dedicado a Georges Dumézil e o artigo "Elementos para uma teoria da interpretação da narrativa mítica" publicado em homenagem a Lévi-Strauss em Análise estrutural da narrativa, seleção de ensaios da revista Communications, ed. Vozes, Rio de Janeiro, 1971, p. 59-108.
10 Jakobson, R. e Halle, M., Fundamentals of language, Mouton, Haia, 1956.
11 Leach, E. As ideias de Lévi-Strauss. São Paulo: editora Cultrix, 1977, p. 36.
12 Jakobson, R.
"Language in relation to other communication systems", p. 6-7 in Linguaggi nella società e nella tecnica, edizioni di comunità, Milão, 1970, p. 3-16