Em 2025, a Marinha brasileira prevê o término da construção do primeiro submarino (SN-BR) com tecnologia nuclear brasileira. O projeto, contido no Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), custará cerca de R$ 23 bilhões, e conta com a parceria da França para a construção do casco e treinamento de 31 engenheiros brasileiros.
O químico, biólogo e professor Carlos Alberto Pereira de Campos, especializado em energia nuclear na agricultura, explica que o objetivo do projeto é proporcionar maior tempo de submersão e garantir maior eficiência no patrulhamento de locais economicamente importantes para o país, e que até 2047 serão 26 submarinos patrulhando a costa. Ele, porém, questiona o alto investimento. “Em tempos de crise energética mundial, investimento em projeto militar é, no mínimo, algo a ser pensado com muito mais cuidado“, diz.
A construção tem previsão de início para 2017 e está atualmente na “Fase B” (projeto básico), que, ao ser concluída, permitirá a elaboração dos contratos definitivos de construção e aquisição do pacote de materiais. O contra-almirante da Marinha Flávio Augusto Viana Rocha, porém, já adianta que o projeto não ficará pronto no tempo estimado. “O atual cronograma está passando por criteriosa análise para se adequar ao orçamento disponível e refletir as perspectivas futuras da economia. Haverá atrasos nos prazos de conclusão dos trabalhos”.
Estima-se que, para cada submarino a ser produzido no Brasil, mais de 36 mil itens serão fabricados, por mais de cem empresas brasileiras, incluindo sistemas, equipamentos e componentes; treinamento para o desenvolvimento e integração de softwares específicos e suporte técnico para as respectivas empresas durante a fabricação dos itens. Rocha explica que a capacitação adquirida no processo de construção do SN-BR representará uma vitória da tecnologia nacional, que não se restringirá, exclusivamente, ao setor militar. “Como exemplo dessa possibilidade de emprego dual do conhecimento gerado, podemos citar: a geração de energia elétrica, o desenvolvimento de novos materiais, a produção de radioisótopos para a medicina e a irradiação de alimentos para conservação”.
O programa envolve centenas de empresas - que terão um sensível aumento no seu patamar de conhecimento e que poderão aplicá-lo em outros produtos futuramente - mas há controvérsias sobre a tecnologia nuclear. Recentemente, a extração de uma mina de urânio (material utilizado em reatores nucleares) contaminou a água de uma região do município de Lagoa Real, na Bahia.
Primeiras experiências
O uso do reator nuclear em um submarino é algo diferente da tecnologia nuclear que já está presente no Brasil há várias décadas, desde que os reatores começaram a ser estudados para fins pacíficos e construídos para a realização de pesquisas científicas.
Em 1968, o governo brasileiro decidiu iniciar a produção de energia nuclear como uma forma de complementação termoelétrica, no Rio de Janeiro, adquirindo o primeiro reator nuclear para geração de eletricidade. Segundo o professor doutor em ciências físicas pela Universidade de São Paulo (USP) e atual presidente da Fapesp, José Goldemberg, o reator foi comprado pela empresa americana Westinghouse e instalado em Angra dos Reis. “Ele foi comprado com as 'chaves na mão', sem transferência de tecnologia, com o objetivo de gerar energia (cerca de 600 megawatts) e de familiarizar os técnicos brasileiros com a nova tecnologia”. E foi assim que, em 1972, em Angra dos Reis, começou a construção da usina Angra 1, que gera atualmente 640 megawatts de potência bruta. Em 2014, foi capaz de abastecer 9,9 milhões de habitantes, segundo dados da Eletrobrás.
Alguns anos depois, em 1975, o Brasil assinou o Acordo Nuclear Brasil-República Federal da Alemanha, criando Angra 2 e, dessa vez, com a transferência de tecnologia para o país, fazendo com que pudesse dominar praticamente todas as etapas da fabricação do combustível nuclear. Atualmente, Angra 2 tem a potência elétrica bruta de 1.350 megawatts. A usina de Angra 3 ainda está em construção e, segundo a Eletrobrás, começará a gerar energia em dezembro de 2018.
A produção de energia elétrica nas Angras 1 e 2, juntas, em 2014, representou apenas 2,8% da geração de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional (SIN). Para Goldemberg, o alto custo do investimento e risco de segurança não compensam a quantidade de energia que produz. “O país dispõe de vastos recursos energéticos inexplorados, o principal dos quais é a energia hidroelétrica, limpa e renovável. Além disso, as novas formas de gerar eletricidade - como moinhos de vento, energia solar, cogeração de eletricidade queimando bagaço nas usinas de cana de açúcar - estão sendo utilizadas com sucesso no Brasil e têm grande potencial de ampliação. São todas mais seguras e menos caras do que energia nuclear. Por conseguinte, energia nuclear tem um papel secundário na matriz energética nacional”, complementa.
Já para o professor Carlos Campos, as usinas nucleares poderão ter destaque maior no país a partir de 2025, pois “segundo o Plano Nacional de Energia 2030, quando o potencial hidráulico brasileiro será reduzido sensivelmente, e a restrição imposta pela legislação ambiental forçará a utilização de térmicas”.
Os perigos do uso nuclear
O Brasil já tem histórico de danos gerados por contaminação nuclear pelo episódio de 1987 em Goiânia, conhecido como o maior acidente radiológico do mundo. Em setembro daquele ano, o manuseio de um aparelho de radioterapia indevidamente descartado acabou atingindo direta e indiretamente centenas de pessoas. Quatro morreram, 28 desenvolveram síndrome cutânea da radiação, 14 apresentaram falência da medula óssea e uma sofreu amputação do antebraço.
A probabilidade de acidentes graves no circuito primário com fuga de radionuclídeos para o meio ambiente em usinas nucleares como as de Angra é de ordem mínima, porém não desprezível, conforme aponta o artigo “O espaço da energia nuclear no Brasil”, de Joaquim Francisco de Carvalho, pesquisador associado ao IEE/USP. O sistema de proteção contra acidentes nas usinas é bem desenvolvido, as reações nucleares acontecem no interior de um vaso de pressão, que é separado do meio ambiente por duas envoltórias e a camada de ar que fica entre elas é mantida a uma pressão inferior à atmosférica, e, sendo assim, possíveis vazamentos são absorvidos antes de entrarem em contato com o ambiente externo. No caso do projeto do submarino brasileiro com reator nuclear, os riscos de acidentes também são mínimos, pois a tecnologia de controle é muito avançada e existem mecanismos de segurança que desativam o reator caso algo não funcione bem.
Mas os riscos da tecnologia nuclear não existem apenas dentro de usinas. Na região de Lagoa Real, na Bahia, a água está contaminada com urânio, muito utilizado em usinas nucleares, devido à extração do material em uma mina em Caetité, município vizinho. A exploração da mina é feita pela estatal federal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), a qual nega o fato.
O que torna os acidentes nucleares tão temidos são suas proporções devastadoras, que levam cidades inteiras a serem evacuadas e ficarem interditadas durante décadas. Anos se passam e pessoas ainda sentem os males da exposição radioativa após um acidente, como acontece até hoje em regiões próximas a Chernobyl ou Fukushima. Por isso, em casos acidentes nucleares, os danos são incalculáveis e mortais. Para o químico Carlos Campos, após os acidentes desastrosos, novas medidas foram implementadas. “A usina de Chernobyl não adotava todos os procedimentos e sistemas de segurança, como, por exemplo, a existência do prédio de contenção. Todas as usinas iguais a Chernobyl foram desligadas ou modernizadas, para se adequarem às normas ocidentais de licenciamento”, diz.
Para Goldemberg nenhum país, mesmo os com alto desenvolvimento tecnológico, como União Soviética e Japão, possui estrutura perfeita para lidar com possíveis acidentes nucleares. "Basta lembrar de Chernobyl e de Fukushima”, finaliza.
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