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de junho de 1981. O Relatório Semanal de Morbidez e
Mortalidade do
Centro para Controle e Prevenção de
Doenças (CDC) dos Estados Unidos
registra uma estranha disseminação, entre homens
homossexuais jovens e
saudáveis de Nova Iorque, Los Angeles e São
Francisco, de um tipo raro
e fatal de pneumonia que até então ocorria apenas
em pacientes com
câncer em estágios avançados. No ano
seguinte, já se sabia que a
estranha doença que destruía o sistema
imunológico e deixava os
pacientes vulneráveis à pneumonia e a outras
enfermidades não acometia
apenas homossexuais, mas também usuários de
drogas injetáveis e
receptores de transfusão de sangue, e 14 países,
incluindo o Brasil,
relatam casos da doença posteriormente denominada como
Síndrome de
Imuno-Deficiência Adquirida, mais conhecida pela sigla em
inglês: Aids.
Anos depois, a análise da amostra de sangue de um homem
banto morto no
Congo, no continente africano, de doença não
identificada, em 1959, faz
dele o primeiro caso confirmado de infecção pelo
vírus HIV. De lá para
cá, para onde a doença se espalhou, que estratos
sociais ela mais
atingiu e onde ela se concentra atualmente?
Apesar
do alarme inicial ter acontecido no primeiro mundo, os maiores
números
de casos sempre foram registrados nos países pobres abaixo
da linha do
equador. Os boletins do Programa Conjunto das
Nações Unidas sobre
HIV/Aids (Unaids) e da Organização Mundial de
Saúde (OMS) apontavam que
em 1986, a doença já atingia entre 1 a 5% da
população nos países da
região central da África, e em Uganda, esse
índice já alcançava entre 5
e 10%. Em 1991, a taxa passa dos 10% em Uganda, e Zâmbia e
Zimbábue
também chegam a esse patamar, que nesses dois
países ultrapassaria a
taxa de 20% da população infectada cinco anos
depois, quando a Aids
começa a se concentrar mais ao sul do continente e a
incidência cai em
países como Uganda. No boletim de 2001, Uganda havia
conseguido reduzir
a taxa de infectados para um patamar entre 1 e 5%, enquanto a
África do
Sul e seus vizinhos mais próximos, a exemplo de
Zâmbia e Zimbábue,
amargavam taxas superiores a 20% da sua população
com o vírus HIV.
Atualmente, essa região, chamada África
subsaariana, concentra entre
23,8 e 28,9 milhões de infectados, segundo a estimativa do mais recente relatório
da Unaids/OMS, o que representa 64% do total de casos de Aids no mundo
– e entre as mulheres, esse índice chega a 77%.
Esse
relatório aponta que, embora tenha havido
redução da incidência de Aids
entre jovens na Uganda, entre trabalhadores do sexo na
Tailândia e no
Camboja, entre usuários de drogas injetáveis na
Espanha e no Brasil e
entre homossexuais em vários países ocidentais, o
número de pessoas
vivendo com HIV aumentou em todas as regiões do mundo,
exceto no
Caribe, a segunda região mais afetada do mundo, onde o
número de 2005
se manteve nos patamares de 2003 e a taxa de incidência da
Aids atinge
entre 1,1 e 2,7% da população. Desde 1986, o
país da região com maiores
índices sempre foi o Haiti, com 2 a 8% da
população vivendo com HIV. Na
América Latina, as Guianas atingem uma taxa entre 1 e 2% no
boletim de
1991 e superam os 2% nos boletins seguintes. Países como
Venezuela,
Brasil e Argentina têm índices entre 0,1 e 0,5%
nos primeiros boletins
e entre 0,5 e 1% em 2001. Somados os números de Caribe e
América
Latina, a Unaids/OMS estima que há entre 1,6 e 2,9
milhões de adultos e
crianças vivendo com HIV. O sul e sudoeste da
Ásia, uma das regiões
mais populosas do mundo, tem entre 4,5 e 11 milhões de
pessoas com
Aids, com maiores índices na Tailândia, no Camboja
e na Índia. O
relatório de 2005 destaca o aumento acentuado de
infecções pelo HIV no
leste europeu e na Ásia Central, onde Rússia,
Ucrânica e Estônia já
tinham taxas em torno do 1% agora atingido pela média da
região.
Nesses
25 anos, desde os primeiros casos registrados pelo CDC, nos Estados
Unidos, a incidência predominante em homossexuais masculinos
caiu
gradativamente, com aumento percentual das transmissões
sanguíneas e da
transmissão heterossexual. Nessas duas categorias, a
incidência em
mulheres aumentou e já chega a 46% do total de infectados
pelo HIV no
mundo. O relatório da Unaids/OMS aponta que apesar de o
Zimbábue ter
reduzido as taxas de HIV entre mulheres grávidas, esse
índice ainda
está em torno dos 20%. O texto destaca, ainda, que se
não forem tomadas
medidas preventivas, como as que praticamente eliminaram dos
países
ricos a transmissão vertical (de mãe para filho),
cerca de 1/3 das
crianças nascidas de mulheres com Aids poderão
contrair o vírus HIV em
regiões como a África subsaariana. Em 2005, mais
de 500 mil crianças
morreram em todo o mundo em decorrência da Aids e mais de 2
milhões
vivem atualmente com o vírus.
A
transmissão vertical pode se dar em três fases:
nos quatro últimos
meses da gestação, durante o parto (onde se
concentram 60% dos casos) e
na amamentação, que pode ser
substituída por alimentação
alternativa
quando se sabe que a mãe é soropositiva.
“Para reduzir as transmissões
durante o parto, a solução é dar uma
dose injetável de AZT para a mãe e
para a criança”, afirma Daniela Ligiero, oficial
de projetos HIV/Aids
do Unicef. Segundo ela, os grandes doadores, como o Banco Mundial e o
Fundo Global criado pela ONU para o combate à Aids, ajudam
os países
pobres na obtenção de medicamentos como o AZT e
outros do coquetel para
tratamento da doença, e o Unicef negocia com grandes
laboratórios o
barateamento do teste rápido de soropositividade e o
distribui a um
custo de apenas US$ 1 cada. “Muitas mulheres nem sabem que
estão com o
vírus, mas apesar de o teste ser oferecido, em
países muito pobres as
mulheres sequer fazem o exame pré-natal”, observa.
A
Aids no Brasil
Entre
os brasileiros, os primeiros casos são notificados na
capital paulista
em 1982, e as regiões metropolitanas de São Paulo
e Rio de Janeiro
concentram, nos primeiros anos de controle epidemiológico,
os maiores
números de portadores do HIV. Até 1987, alguns
estados das regiões
Norte e Nordeste apresentavam menos de cinco
notificações da doença,
mas a epidemia se espalha gradativamente pelo país e as
taxas anuais de
incidência da Aids crescem em quase todos os estados
até 1992. No final
daquele ano, o Brasil tinha uma taxa global de 36,3 casos por cem mil
habitantes, próxima à dos países
europeus mais afetados pela doença –
na França, por exemplo, a taxa era de 48,12/100 mil
– e São Paulo e Rio
de Janeiro tinham as maiores taxas acumuladas: 93,4/100 mil e 62,4/100
mil, respectivamente, com incidência de Aids
comparável a países como a
Zâmbia. As novas incidências apresentaram quedas
significativas entre
1998 e 2000 e de 2003 para cá, com total acumulado de
370.499 casos no
país. As maiores taxas continuam no Sudeste e no Sul
– que em 1999
tinha três municípios entre os quatro com maiores
incidências de Aids –
e oito estados e o Distrito Federal têm taxas acima da
média nacional
de 17,2/100 mil. O Rio de Janeiro, que encabeça a lista,
reduziu o
índice de infectados a quase a metade do registrado em 1992,
que está
atualmente em torno de 31,6/100 mil.
Na
população adulta maior de 15 anos, a
incidência de Aids em usuários de
drogas injetáveis pulou de 2,9% dos casos notificados em
1986 para
25,1% em 1992. Um estudo sobre a evolução da
epidemia ao longo da
década de 1990 por municípios brasileiros apontou
que a incidência
nessa categoria se estabilizou em locais de médio e alto
desenvolvimento socioeconômico, mas aumentou em
municípios de baixo
IDH, embora o relatório de 2005 da Unaids/OMS aponte uma
redução geral
no país. Antonio Luiz Rodrigues Júnior, da
Faculdade de Medicina da USP
de Ribeirão Preto, um dos autores do estudo, explica que o
tráfico
barateia a droga no percurso até os pontos de
saída do país em direção
à Europa e Estados Unidos, para facilitar a
distribuição, e acaba
atingindo pessoas de baixa renda. “O que está em
jogo é a capacidade da
sociedade em discutir abertamente o consumo de drogas, sem considerar o
tema como um problema policial e sem dar uma abordagem
punitiva”,
alerta. Segundo ele, para diminuir a incidência de Aids entre
usuários
de drogas, é preciso diminuir o risco de
transmissão do HIV pelo
compartilhamento de seringas contaminadas, com a
distribuição gratuita
de seringas, como se faz com as camisinhas em algumas campanhas de
prevenção. “As causas do uso de drogas
são um outro problema. O que se
discute aqui é o enfrentamento da epidemia de
Aids”, completa.
A
transmissão heterossexual do vírus
também teve um salto de 0,2% em 1986
para 11% do total em 1992, ano em que o número de casos de
Aids em
mulheres superou o de homens nessa categoria de transmissão.
O fenômeno
chamado pelos pesquisadores de
“feminização” da
doença fez a incidência
entre as mulheres passar de 18% do total de casos diagnosticados entre
1980 e 1993 para 32% do total acumulado até 2005. Para
Rodrigues
Júnior, embora programas de saúde reprodutiva
estimulem a discussão
sobre comportamento ligado ao sexo e as mulheres incorporem bons
hábitos com mais facilidade que os homens, elas
têm menor capacidade de
negociar sexo seguro com o parceiro e muitas sequer têm
acesso aos
serviços de saúde reprodutiva. “Nas
localidades subdesenvolvidas, a
condição de pobreza extrema induz a um grau de
vulnerabilidade muito
grande, que atinge principalmente as mulheres pobres”,
avalia. Daniela
Ligiero, da Unicef, concorda que a maioria das mulheres deixa a
decisão
sobre o uso do preservativo para o parceiro e alerta:
“Mulheres casadas
podem se sentir seguras fazendo sexo com um só parceiro, mas
muitos
maridos procuram as trabalhadoras do sexo, mais vulneráveis
à
transmissão, e podem passar o vírus para sua
esposa”.
Na
distribuição da incidência de Aids por
grau de escolaridade, as pessoas
com nível superior, que representavam 20,1% dos casos em
1986, tiveram
essa taxa reduzida para 6,6% em 1999, enquanto entre analfabetos ou
pessoas com 1º grau, esse índice passou, no mesmo
período, de 13,9%
para 60,4% do total de notificações. De 2001 a
2005, o índice reduziu
entre brancos de 64,1% para 55,4% (homens) e 53,6% (mulheres), enquanto
entre negros ele subiu de 35% para 43,3% (homens) e 45,2% (mulheres).
De acordo com o IBGE, os negros superam os brancos na parcela da
população com baixa escolaridade e baixa renda
(veja notícia sobre
o assunto). Rodrigues Júnior associa esses
números ao velho problema da
desigualdade social no Brasil e à má cobertura
dos sistemas de
vigilância e assistência médica para os
menos favorecidos
economicamente. “O grande perigo da Aids, atualmente,
é a banalização,
por incidir nas camadas mais pobres da população.
O acesso aos serviços
de saúde deve ser garantido por quem trabalha no setor
público,
independentemente das crises econômicas, morais e
políticas”, defende.
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