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Reportagem |
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A arte que trafega em dados |
Por Janaína Quitério
10/07/2015
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Junto com o crescimento exponencial do big data, proliferam na rede diferentes formas artísticas que se alimentam, justamente, do tráfego desses metadados. “Trata-se de uma prática não apenas diversificada como muito disseminada entre artistas, designers e agências de comunicação no mundo todo, que produzem dispositivos sensoriais – desde uma simples imagem a materiais audiovisuais, instalações interativas etc. – a partir do propósito de criar visualizações estéticas e até mesmo provocar reflexões sobre vigilância de dados e outros consensos na tecnologia”, aponta Daniel Hora, que defendeu em abril a tese de doutorado Teoria da arte hacker: estética, diferença e transgressão tecnológica, na Universidade de Brasília (UNB).Hora cita o trabalho disseminado pelo coletivo de Nova York Radical Software Group (RSG), que, no início dos anos 2000, criou um software inspirado num programa de escuta telefônica do FBI (a polícia federal dos Estados Uniodos) – chamado Carnivore –, não para fazer espionagem, mas para transformar os dados rastreados em visualização estética. No descritivo institucional do grupo, lê-se: “Carnivore é uma ferramenta de vigilância para redes de dados. No coração do projeto está o CarnivorePE, aplicativo que atende todo o tráfego de internet (e-mail, navegação na web etc.) em uma rede local específica. Em seguida, CarnivorePE oferece esse fluxo de dados para um número ilimitado de interfaces criativas chamadas ‘clientes’. Os clientes são concebidos para animar, diagnosticar ou interpretar tráfegos da rede de várias maneiras”.O código do Carnivore está disponível na comunidade colaborativa processing.org – uma linguagem de programação que evoluiu para uma ferramenta de desenvolvimento para profissionais da arte, amadores e para estudantes usarem em suas aprendizagens e produções artísticas – e pode ser aproveitado por outros interessados.Projeto interativo criado pelo estúdio de arquitetura e design Minimaforms, localizado em Londres, por meio do processing. Câmeras de monitoramento e verificação de dados permitem identificar a presença humana, e os comportamentos são identificados pelos robôs, que interagem. Mais informações em: http://minimaforms.com/#item=petting-zoo-frac-2 Da ciência para a arteUm projeto que ganhou as páginas midiáticas no final de 2014 foi o projeto We Need Us, da artista digital Julie Freeman, atualmente integrante do Ted Fellows Program. Voltando suas pesquisas para a criação de tecnologia a partir de dados vivos advindos da natureza, Freeman criou uma obra baseada em metadados provenientes da rede de ciência cidadã Zooniverse – um site que recebe, de forma colaborativa, informações que ajudam a classificar um conjunto de dados científicos relacionados à biologia ou à astronomia – a partir de códigos que conseguem manipular os dados obtidos em tempo real. “Essencialmente, eu uso os metadados como material de arte. Manipulo e processo os dados e, em seguida, uso-os para controlar animações e composições sonoras, feitas a partir de gravação em campo”, descreve Julie Freeman em entrevista concedida ao site do TED Fellows Program. Nesse projeto, a ideia não é usar os metadados para interpretá-los, mas, segundo Freeman, o objetivo é pensar sobre a vida dos próprios dados e suas dinâmicas, a partir da produção “viva” de obras de artes.Da arte para a ciênciaO pesquisador Daniel Hora chama a atenção também para o projeto chamado SelfieCity – a cidade dos selfies – como exemplo ambicioso de investigação que combina métodos artísticos, teóricos e quantitativos e está sendo feito, desde o início de 2014, em cinco cidades do mundo, incluindo São Paulo, a partir dos autorretratos (selfies) publicados na rede. “È um projeto grandioso relacionado à visualização de dados na internet, com direção de Lev Manovich. Eles rastreiam imagens publicadas em redes sociais, como o Instagram, a partir de georreferenciamento e, com isso, propõem uma análise cultural, uma espécie de ferramenta de cultural analytic (em referência a ferramentas de web analytics)”.
No site do Selfcity, é possível comparar o padrão de selfies tirados nas cidades estudadas (Bangkok, Berlim, Moscou, Nova York e São Paulo). Acima, os selfies coletados em São Paulo.
De acordo com a página do projeto, primeiro, foram coletadas aleatoriamente 120 mil fotos (entre 20 mil e 30 mil por cidade participante), todas no Instagram. Como primeiro critério de seleção, era necessário o selfie ser, de fato, de apenas uma pessoa, de forma que sobraram apenas mil por cidade. Um segundo critério determinava que as fotos precisavam ser capazes de fornecer estimativas algorítmicas de posições de olhos, nariz e boca, bem como graus de expressões emocionais e, assim, restaram registradas, no total, 640 fotos por cidade. Algumas problematizações já estão sendo levantadas por pesquisadores que integram o projeto: Como pode a história da fotografia ajudar a entender melhor o fenômeno dos selfies? Como aproximar teorias usadas no estudo de mídia social com imagens? Essas e outras perguntas já têm sido motes de reflexão em diversas universidades do mundo – todo um conhecimento novo sendo desenvolvido a partir de autorretratos.
Entre as descobertas desse tipo de pesquisa está a de que em São Paulo e em Bangkok as pessoas sorriem mais que nas outras cidades estudadas. “Nossa análise revelou que o humor pode encontrar lotes de rostos sorridentes em Bangkok (0,68 é a sua pontuação média de sorriso) e São Paulo (0,64). As pessoas que tiram selfies em Moscou dão menos risadas (apenas 0,53 na escala de pontuação de sorriso)”, afirma a pesquisadora da Universidade da Califórnia, Elizabeth Losh. Em São Paulo, os dados revelaram que as mulheres fazem poses mais expressivas que os homens, a partir da inclinação da cabeça. Para Losh, a base de dados formada a partir dessa pesquisa coletada em cinco cidades de quatro diferentes continentes indica que a selfie se tornou um gênero transnacional, mas, só agora, a literatura acadêmica começa a teorizar essa forma específica de autorrepresentação.
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