Em outubro, a ciência tem um papel de grande
destaque no calendário. Desde 2004 é o mês em que se realiza a Semana Nacional
de Ciência e Tecnologia (SNCT), uma data com programações diversas (5542 atividades até o fechamento desta reportagem),
cujo objetivo é popularizar temas científicos levando discussões e pesquisas
para o grande público.
Coordenado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicação (MCTIC) por intermédio do Departamento de Difusão e
Popularização da Ciência e Tecnologia (DEPDI/SECIS), o tema da 13ª edição é
“Ciência alimentando o Brasil”, pauta que está em consonância com a decisão da
68ª Assembleia Geral das Nações Unidas que definiu 2016 como o Ano
Internacional das Leguminosas. A programação da SNCT acontece entre os dias 17
e 23.
Então, para ser bem direto, pode-se dizer que
ciência se põe à mesa? Sim. Durante a SNCT planeja-se discutir, em linhas
gerais, o papel da ciência e da tecnologia na produção agrícola de alimentos,
refletindo sobre como a ciência tem contribuído para elevar a qualidade – e a
produtividade – do que consumimos, além de trazer à tona reflexões sobre os
impactos da agricultura para os produtores.
Onde entra a
agroecologia na SNCT?
A
agroecologia é um dos temas em discussão durante a Semana Nacional. Douglas
Falcão, diretor do DEPDI e coordenador da SNCT conta que a ideia é estimular
que as instituições, pesquisadores, professores e técnicos discutam com a
população questões sobre a matriz de produção de alimentos. “Por isso vamos
falar de agronegócio à segurança alimentar, passando por pontos controversos
como a utilização de agrotóxicos e uso de alimentos geneticamente modificados”,
avalia.
Douglas Falcão: agrotóxicos e segurança
alimentar em pauta (Augusto Coelho/Ascom MCTIC/2013)
Debates
sobre padrões de consumo, com vias de combate ao desperdício de alimentos,
estão em pauta. O papel da agricultura familiar e de práticas agrícolas também
ganham espaço na SNCT com o projeto “Alimentando o Brasil –
Multidisciplinaridade e convergência da ciência na região amazônica”,
encabeçado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Com esse
programa, o INPA leva ao público seis atividades baseadas em práticas
agroecológicas, com objetivo de capacitar os pequenos produtores de mel,
pescados, além de técnicas para melhorar o manejo de culturas da região ribeirinha.
“Trabalhamos fortemente no incentivo e apoio à agricultura familiar a partir de
práticas agroecológicas, respeitosas ao ambiente e de potencial para geração de
alimentos saudáveis através de processos igualmente saudáveis”, explica Denise
Machado Gutierrez, coordenadora de tecnologia social do INPA.
Dentre os atores envolvidos na SNCT estão escolas,
centros de pesquisa, universidades e, claro, sociedade. “Gosto de destacar que
o MCTIC firmou uma
parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para que
todas as suas sedes participem do evento em seus respectivos estados”, aponta
Douglas Falcão. De alto nível, a programação da Semana se revela também bastante
democrática.
Agroecologia e
ciência: debates na SNCT são importantes para valorizar o saber popular
Esta edição da revista ComCiência já traz uma reportagem explicando
o que é agroecologia, mas vale fazer uma breve contextualização sobre o assunto
antes de prosseguirmos ao cerne desse tópico: afinal, agroecologia é ciência?
Alguns pesquisadores entendem a
agroecologia como um campo do conhecimento que se constitui de “reflexões
teóricas e avanços científicos, oriundos de distintas disciplinas”. Em
concordância, Giovanna
Fagundes, bióloga do Instituto de
Biologia e membro da Rede de Agroecologia da Unicamp analisa que o termo
agroecologia é responsável por agregar diversas áreas do conhecimento.
“É um
campo do conhecimento que integra várias áreas para análises dos sistemas
convencionais de produção, e para estabelecer princípios e conceitos que
fundamentem processos de transição do modelo convencional para os de base
ecológica”, avalia.
“Alguns dos principais pesquisadores que contribuem com
o referencial teórico da agroecologia sintetizam o termo ‘como um campo do
conhecimento de natureza multidisciplinar, cujos ensinamentos pretendem
contribuir na construção de estilos de agricultura de base ecológica (...)
tendo como referência os ideais da sustentabilidade numa perspectiva
multidimensional’”, aponta Fagundes.
O
conhecimento empírico é igualmente valorizado na dimensão agroecológica.
Falcão, coordenador da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, lembra que a Embrapa
tem inúmeros estudos nos quais os agricultores são incluídos como participantes
ativos das pesquisas, de forma a integrar o saber popular ao conhecimento
científico. “Estamos propondo discussões que apresentam as práticas
agroecológicas não apenas como fruto do saber popular, mas como uma área de
pesquisa”, explica.
Mas,
eventualmente, esse mesmo saber tradicional entra em conflito com o saber
científico. Então, será que existe consenso entre pesquisadores de que a
agroecologia é (ou pode ser) entendida como ciência? “Sim, existe um consenso
de que a agroecologia é uma ciência, e a universidade já tem cadeiras, ou,
melhor dizendo, disciplinas, que a tratam dessa forma”, pondera Edmilson José
Ambrosano, pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios
(APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo.
Ele
recorda a criação, em 1991, da primeira comissão de avaliação de diagnósticos
em agricultura ecológica e, um ano depois, da comissão técnica da Secretaria de
Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, ambos no Instituto
Agronômico de Campinas (IAC). “Essa comissão é atuante até hoje entre os institutos
desta pasta, trabalhando na criação de bases científicas para o desenvolvimento
da agroecologia e também para sua difusão entre os produtores”, conta.
Afonso Peche Filho: “conhecimento tácito e
explícito” permitem avanços na ciência (Arquivo/IAC)
“De
longa data utilizamos (do saber) dos agricultores experimentadores na gestão da
informação e do conhecimento”, avalia Afonso Peche Filho, pesquisador do IAC.
“A têmpera entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito”, continua,
“permite avanços significativos na ciência”. Esse é o tipo de discussão sobre
agroecologia que se fará presente durante a Semana Nacional de Ciência e
Tecnologia 2016, indicando que há muito mais sobre o que refletir do que se
pode sintetizar na reportagem.
Ciência alimentando o Brasil: abastecendo o
país com base na agricultura sustentável
Será
que uma agricultura com base agroecológica é capaz de prover os recursos para
alimentar um país de proporção continental como o Brasil? Será possível suprir
a demanda nacional por alimentos com base em uma perspectiva sustentável?
Analisando os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) identificamos que a agroecologia já faz parte do cotidiano
do brasileiro.
Conforme
o Censo Agropecuário 2006
(último estudo realizado – o IBGE está sem verba para financiar um
novo levantamento), nada menos do que 70% dos alimentos presentes na
mesa do brasileiro vêm da agricultura familiar, que tem grande afinidade e
conhecimento dos princípios agroecológicos. Podemos afirmar que esses produtores
não dispõem dos mesmos investimentos em recursos tecnológicos empregados na
agroindústria produtora de grãos para exportação. E é aí que a ciência e a
tecnologia com o background
agroecológico se manifestam.
“Os
conceitos de agroecologia são aplicados ao que chamamos de ‘processo de
transição agroecológica’, de forma que os sistemas convencionais sejam
redesenhados tendo como base a questão da sustentabilidade”, explica Fagundes, da
Rede de Agroecologia da Unicamp. Essa tecnologia mais social – e mais verde –
empregada no campo, ajuda o pequeno produtor a ficar menos suscetível às
questões climáticas, às pragas e, consequentemente, cada vez mais independente
de insumos sintéticos.
O fato
de que mais da metade do que é consumido pelo brasileiro vem da agricultura
familiar, por si só, já é um fator que derruba o mito de que uma agricultura
sustentável e com viés social é menos eficiente. “Coloca-se como verdade
absoluta que a agricultura de base ecológica produz menos. Talvez você tenha,
sim, uma queda de produção no início de um processo de transição se o seu
sistema de produção estiver muito degradado, porque o sistema precisa de um
tempo maior para se recuperar. Isso faz com que, num primeiro momento, seja observada
uma queda de produção, mas quando se consegue que esse sistema volte ao seu
equilíbrio, com as suas funções ecológicas operando naturalmente, você pode ter
uma produtividade equivalente”, explica Fagundes.
Para Edmilson
Ambrosano, pesquisador da APTA, a agroecologia está em expansão acelerada em
todo o mundo, em grande parte por conta de ações de políticas públicas. “Quando
a Dinamarca cria leis para dobrar suas áreas de produção orgânica até 2020, ela
está acelerando a agricultura sustentável no país”, explica. Mas não é preciso
ir tão longe: “Olhando para o Brasil, quando algum estado estabelece a compra
de alimentos orgânicos para merenda escolar, por exemplo, está criando
mecanismos para desenvolver a agricultura ecológica e, principalmente, a
agricultura de base familiar”, pontua.
Montanha de soja: tal como o petróleo,
grão é commodity negociada na bolsa (Foto: Gazeta do Povo/ http://bit.ly/2dyRc45)
Mas e
as grandes fazendas? Aquelas que produzem em larga escala e que vemos na TV, na
propaganda Agro é POP? Será
que elas não alimentam o Brasil? “A produção brasileira de larga escala são commodities. Produtos que, na maioria
das vezes, não entram na mesa do brasileiro, mas servem para abastecer o
mercado externo”, finaliza Fagundes.
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