A pesquisa em educação em tempos de cibercultura
Toda
produção cultural e fenômenos sociotécnicos que emergiram da relação entre
seres humanos e objetos técnicos digitalizados em conexão com a internet, a rede
mundial de computadores, caracterizam e dão forma à cibercultura. Em sua fase
atual, a cibercultura vem se caracterizando pela emergência da mobilidade
ubíqua em conectividade com o ciberespaço e as cidades. Com o avanço das
tecnologias da informática e das telecomunicações, estamos vivenciando uma nova
fase da cibercultura que denominamos cibercultura móvel e ubíqua. Além da
evolução dos dispositivos móveis, contamos, sobretudo, com a evolução das tecnologias
sem fio de acesso móvel ao ciberespaço, a exemplo das tecnologias wi-fi, wi-Max,
2G, 3G, 4G. Essas novas tecnologias de conexão móvel, cada vez mais, têm
permitido a mobilidade ubíqua e, com isso, a instituição de novas práticas
culturais na cibercultura. Essas novas formas de acesso não só mudaram a nossa
relação com o ciberespaço em si, mas também vêm modificando radicalmente a
nossa relação com os espaços urbanos em geral e estes com o próprio ciberespaço
(Santaella, 2008; 2010). Outras e novas redes educativas estão em emergência.
Redes
educativas são espaços multirreferenciais de aprendizagem, espaços plurais onde
seres humanos e objetos técnicos reinventam seus cotidianos (Santos, 2011).
Além dos espaços e lugares plurais, estendemos redes educativas também como
modos de pensamento, uma vez que a construção do conhecimento é tecida em rede,
a partir das aprendizagens construídas pela apropriação dos diversos artefatos
culturais, tecnologias, interações sociais, entre outros. Aprendemos porque nos
comunicamos, fazemos cultura e produzimos sentidos e significados. Enfim,
significamos, com nossas redes intrapsicológicas, em interação constante com nossas
múltiplas redes interpsicológicas, condicionadas pela cultura em suas
multifacetadas relações.
Nesse contexto, o Grupo
de Pesquisa Docência e Cibercultura (GPDOC) da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UFEJ) – tem como objetivos: investigar os fenômenos sociotécnicos e
culturais mediados pelas tecnologias digitais de informação e comunicação e
suas implicações para os processos de aprendizagem e docência; desenvolver
metodologias de pesquisa e projetos de ensino e aprendizagem que aproximem o
currículo escolar das práticas comunicacionais na cibercultura; desenvolver
currículos e atos de currículos para o exercício da docência online; mapear os
saberes docentes para o exercício da docência online; compreender como as
interfaces digitais podem contribuir para a produção e gestão do conhecimento.
Assim, desenvolvemos
estudos e projetos sobre a docência na contemporaneidade e as práticas e
processos da cibercultura, em especial a educação online e os processos de
ensino e aprendizagem em espaços multirreferenciais de aprendizagem. Articulamos
as áreas da educação, comunicação e informática.
Nosso principal
engajamento é com a formação de pesquisadores e docentes em processos de
formação inicial e continuada. Este texto é produto da pesquisa intitulada “A
cibercultura na era das redes sociais e da mobilidade: novas potencialidades
para a formação de professores”, que procura compreender os usos que docentes e
pesquisadores têm feito das redes sociais e da mobilidade ubíqua em seus
processos de aprendizagem e formação (Santos, 2010). Para este texto em
especial, apresentamos as noções subsunçoras (usos e sentidos) de uma análise
hermenêutica dos usos que o GPDOC e diversos pesquisadores da cibercultura
fizeram dos dispositivos móveis, em conexão com o software social Twitter no Seminário de 2011 da Associação Brasileira
de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber).
Trataremos também de algumas especificidades da interface social Twitter e seu
uso como locus de pesquisa.
O Twitter como locus de pesquisa
Ao participar da ABCiber
comunicando nossas pesquisas, interagindo com colegas de profissão – muitos
destes nossos interlocutores e parceiros intelectuais –, procuramos vivenciar
essa experiência sobretudo como mais uma ambiência formativa. Além de interagir
com colegas que já fazem parte das nossas redes de relações pessoais e
profissionais, também interagimos com outros interlocutores que conhecemos
durante o encontro de forma presencial ou online. Afinal compreendemos a
formação como um processo cultural, em que cada praticante forma e se forma em
rede.
Mas afinal o que é o
Twitter? O Twitter é uma interface social que permite comunicação síncrona, com
mensagens de até 140 caracteres, que também podem ser acessadas por comunicação
assíncrona. Na literatura especializada é conceituado como um microblogging, ou seja, uma interface
para diarismo online que utiliza recursos mínimos de edição de mensagens em comunicação
síncrona.
Antes de apresentarmos
os significados atribuídos por nós a esses usos (noções subsunçoras) da rede
social móvel Twitter por parte dos participantes da ABCiber 2011, é fundamental
entendermos alguns códigos e signos específicos da interface.
Os códigos e signos
citados são fundamentais para o entendimento de como se dão as interações e
laços sociais construídos pela e com a mediação do Twitter e suas variadas
interfaces. Assim, laços sociais vêm sendo instituídos com e a partir das
mediações da interface Twitter. Mas como se constituem os laços sociais no
Twitter? Há diferenças em relação à constituição de laços sociais no mundo
presencial físico? “Podemos definir como sendo um elemento básico de um laço
social, na vida física de uma pessoa, a ação que estabelece em um contato
recíproco e/ou um reconhecimento mútuo” (Santaella & Lemos, 2010, p.95).
No Twitter interagimos
com pessoas que nos seguem, pessoas que seguimos ou com pessoas que dialogam
conosco a partir de um evento ou tema gerador (hashtags). Não precisamos, necessariamente, seguir quem nos segue.
Seguir significa o acompanhamento online das informações veiculadas pelo
perfil. É como se cada perfil fosse uma agência de notícias ou canal de
informação. Muitas vezes seguimos pessoas de nossas relações pessoais,
celebridades, instituições e especialistas que debatem temas do nosso
interesse. Em nosso caso pessoal, costumamos seguir colegas pesquisadores dos
campos da cibercultura e da educação, alguns amigos com repertórios culturais e
políticos do nosso interesse, membros do grupo de pesquisa, comunicadores e
instituições culturais, artísticas, ativistas e políticos.
Como pesquisar com e nas redes sociais? A metodologia da
pesquisa-formação multirreferencial
Como pesquisar no e com
o Twitter? Por que nos interessa pesquisar com o Twitter? Em grupo procuramos
vivenciar situações de comunicação e aprendizagem que não separam as práticas
culturais da pesquisa acadêmica e estas das práticas docentes. Para tanto,
utilizamos o método de pesquisa-formação (Santos, 2005; 2006), inspirado nas
epistemologias das abordagens: multirreferencial (Ardoino, 1998; 2003; Macedo,
2000) e nas pesquisas nos, dos e com os cotidianos (Alves, 2010) para a
compreensão dos fenômenos estudados. Acreditamos que para compreender e
aprender nossos objetos de estudo precisamos mergulhar (Alves, 2010) nos e com
os cotidianos.
Em tempos de
cibercultura, esse “mergulhar” envolve as vivências da imersão, habitando o
ciberespaço e as cidades, vivenciado usos táticos das tecnologias digitais em
rede, para com estas compreendermos os processos educacionais, formativos e de
pesquisa na cibercultura. No seminário de 2011 da ABCiber, procuramos vivenciar
no GPDOC a mobilidade ubíqua, comunicando-nos em rede, via redes sociais e dispositivos
móveis. Essa rede foi tecida pela interação com os membros do grupo de pesquisa
e demais colegas presentes fisicamente ao encontro, como também com membros do
grupo e outros praticantes que não puderam participar do evento fisicamente,
mas que estavam em conexão pelo ciberespaço, utilizando ou não dispositivos
móveis. Os membros do grupo presentes no evento lançaram mão de smartphones, tablets e computadores móveis para se comunicar em rede, tendo como
principal interface o Twitter.
A escolha do Twitter se
deu por basicamente dois motivos. O primeiro foi a sua adoção oficial pela
organização do evento, que, durante sua organização e execução, divulgava
mensagens, convidando os participantes a cocriação da cobertura online do
evento. Assim o grupo pôde acompanhar e interagir com diversos internautas toda
programação evento, uma vez que estávamos espalhados e dispersos em atividades
diferentes que aconteciam, muitas vezes, simultaneamente. O segundo motivo é o
fato de o Twitter ser um dos dispositivos estudados pelo grupo em nossa
pesquisa atual, por ser o mesmo uma interface social para a promoção da
comunicação móvel. Costumamos dizer que não podemos “twitar no desktop”, o que
é até possível, mas denota subutilização das dimensões formativas das redes que
podem ser tecidas em movimento pela cidade e seus espaços urbanos. A cidade
educa! Acreditamos que a comunicação móvel e ubíqua pode potencializar a
autoria em rede, apropriando-nos, ao mesmo tempo que podemos ser protagonistas,
de eventos, fatos e vivências nos, dos e com os cotidianos no ciberespaço em
movimento no espaço urbano.
Concordamos com Santaella (2008, p.318) checar
o ano, 2010 seria com coautora, para quem “a imersão pressupõe o conceito de
interface, quer dizer, a membrana inteligente que permite a entrada e
negociação dialógica em ambiente virtual”. Nesse sentido, utilizamos o Twitter
com a intenção de vivenciar a comunicação ubíqua em rede, prática cultural do
grupo em outros contextos, mas também, e, sobretudo, produzir usos e conteúdos
com e por essas mediações, forjando assim um dispositivo formativo coletivo,
colaborativo e em rede.
Para tanto, utilizamos a
técnica da cartografia semântica (Santos, 2005; Okada, 2008), pela qual
organizamos as mensagens dos participantes do evento, procurando interpretar
suas intenções e significados individualmente e em conjunto, uma vez que todos
os membros do GPDOC são seguidos e seguidores uns dos outros. Assim, procuramos
analisar os fluxos de mensagens e seus significados.
Síntese dos achados da pesquisa: usos do Twitter pelos
praticantes culturais A seguir apresentamos uma síntese dos achados da
pesquisa. Pela limitação deste texto, não traremos a análise em profundidade. Contudo,
a síntese a seguir apresenta as noções subsunçoras mapeados por nós a partir das
mensagens que utilizaram a hashtags #abciber2011.
Considerações finais
A interação no Twitter
potencializou, sobremaneira, nossa vivência com diversos tipos de letramentos
digitais, ou seja, usos sociais das tecnologias digitais. Processos de leitura
e escrita, divulgação de informações, debates e conversas formais e informais,
orientações acadêmicas, entre outros. Esse entendimento pessoal identifica-se
também com as vivências de letramentos dos demais membros do grupo de pesquisa.
Podemos afirmar que vivenciamos com as redes sociais da internet experiências
formativas bastante significativas, constituindo assim a emergência de novas
redes educativas. Por esse motivo, nos interessa compreender tais dinâmicas no
conjunto de nossas pesquisas e práticas educativas. Este texto é apenas uma
pequena amostra do nosso esforço investigativo que não só ousa em interagir com
novas redes educativas, como também busca forjar modos outros de pesquisar
cientificamente em nosso tempo.
Edméa Santos é
professora do Proped da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e líder
do grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura (GPDOC).
Email: edmeabaiana@gmail.com
Referencias bibliograficas Alves, N. "O uso de artefatos tecnológicos em redes educativas e nos contextos de formação"/ In: V Colóquio Luso-brasileiro sobre Questoes Curriculares. Mesa-redonda Currículo e tecnologias, 2010.
Ardoino, Jacques. “Abordagem
multirreferencial (plural) das situações educativas e formativas”. In: Barbosa, Joaquim (Org.). Multirreferencialidade nas ciências e na
educação. São Carlos: EdUFSCar, 1998, p. 24-41. ______. Para uma pedagogia
socialista. Brasília: Editora Plano, 2003. Macedo, Roberto Sidney. S. A
etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação.
Salvador: EDUFBA, 2000. Santaella, Lúcia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2008.
Santaella, Lúcia & Lemos, Renata. Redes sociais digitais a conexão conectiva do twitter. São Paulo:
Paulus, 2010.
Santos, Edméa. “Educação
online como campo de pesquisa-formação: potencialidades das interfaces digitais”.
In: Santos, Edméa; Alves, Lynn. Práticas pedagógicas e tecnologias digitais. Rio de Janeiro: E-papers, 2006.
______. Educação online: cibercultura e
pesquisa-formação na prática docente.
Salvador. Tese de Doutorado. Faced/UFBA. 2005.
______. “A informática na educação
antes e depois da web 2.0: relatos de uma docente-pesquisadora”. In: Rangel, Mary; Freire, Wendel
(Orgs.). Ensino-aprendizagem e
comunicação. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2010, p. 107-127.
______. Projeto de pesquisa “A cibercultura na
era das redes sociais e da mobilidade: novas potencialidades para a formação de
professores”. Rio de Janeiro: Proped-UERJ, CNPq,2010.
______. Entrevista para o programa Salto para o futuro. Série Cibercultura: o que muda na Educação.
Santos, Edméa (Org). In: http://tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/
, 2011.
|