No dia 11 de
fevereiro de 2016, veio ao mundo a informação de que, pela primeira vez,
cientistas haviam conseguido detectar as ondas gravitacionais, fenômeno
descrito pelo físico Albert Einstein em sua Teoria da Relatividade Geral há
mais de um século. Boom! O tema caiu
como uma bomba nas redações e agências de notícia de todo o mundo. Afinal, como
explicar uma descoberta tão importante para um público tão amplo? Sob as ondas,
repousam números superlativos e termos que dificultam a assimilação de todas as
informações. Justamente por isso, é oportuno recapitular alguns dados.
O aparelho,
chamado Observatório de Interferometria a Laser de Ondas Gravitacionais (Ligo,
na sigla em inglês), que detectou o choque entre dois buracos negros – daí as ondas
gravitacionais – custou US$ 620 milhões. Instalado nos Estados Unidos, ele é
formado por sensores, espelhos e um laser. Combinados, esses artefatos foram
capazes de captar “sinais do passado”: as ondas gravitacionais estão a 1,3
bilhão de anos-luz. Simulação entre o encontro de dois buracos negros (Reprodução / National Science Foundation)
Isso significa
que o Ligo detectou, na verdade, o fenômeno como era há um bilhão e 300 milhões
de anos, e que apenas agora nos atingiu. Um ano-luz corresponde a
9.460.730.472.580 quilômetros (mais de nove trilhões de quilômetros). "Ano-luz"
é uma unidade de distância, não de tempo. É a distância que a luz percorre em um ano.
Tudo isso pode parecer mais do mesmo para os iniciados, mas é vital para a
compreensão daqueles que não têm familiaridade com astronomia. O Ligo tem dois detectores: um em Washington e outro em Louisiana (foto acima) (Reprodução / California Institute of Technology)
Ciência
básica representa desafio à imprensa Embora o tema
seja complexo até mesmo para a própria comunidade científica, a detecção das ondas
gravitacionais rendeu notícias e reportagens nos mais importantes veículos de
comunicação do Brasil e do mundo. Sites como BBC Brasil, que traduziu na
íntegra o conteúdo produzido pela BBC Mundo, e BBC News, conforme contou à
reportagem o jornalista Rafael Barifouse, o portal, G1 e os jornais El País, Estadão e Folha de S. Paulo
deram em suas páginas principais reportagens bastante didáticas sobre a
descoberta. Observa-se a
ampla utilização de tópicos para facilitar a compreensão, com escrita que se
assemelha a um diálogo entre público e cientista. Mas, afinal, os jornais cumpriram
bem o papel na divulgação desse assunto? O público foi capaz de entender o que
essa descoberta representa? Pode-se dizer
que sim. Para o doutor em ciências e vice-reitor da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar) Adilson de Oliveira, o relatório sobre as ondas gravitacionais
escrito pelos cientistas – mais de 1000 autores assinam o documento, entre eles
sete brasileiros – foi bastante satisfatório. “Essa informação veio de forma
muito mais clara e muito mais didática para a imprensa, facilitando o trabalho
e permitindo que um tema tão complexo como ondas gravitacionais tenha ficado
mais palpável”, avalia. No entanto, Oliveira acredita que a imprensa perdeu a
oportunidade de recapitular outros aspectos da Teoria da Relatividade que poderiam
ajudar na compreensão. O vice-reitor da UFSCar destaca que, sempre que possível,
é importante aproximar o público de outros conceitos para que a assimilação
aconteça de forma mais lúdica. “Procuro sempre
fazer isso nas entrevistas e nos textos que escrevo”, pontua. “Por exemplo,
quando estamos num ônibus fazendo uma curva, parece que nosso corpo é jogado
para fora. Isso é a força centrífuga. Do ponto de vista da (teoria da)
Relatividade, é como se surgisse um campo gravitacional fora do ônibus que o
atraísse. O efeito é similar, a descrição é a mesma, e isso é uma das ideias
que Einstein chamou de princípio da equivalência. Eu acho que essas coisas
poderiam ter sido trazidas na cobertura para aproximar o tema do cotidiano”,
avalia, acrescentando que isso contribui para que as pessoas percebam que nada
do que é pesquisado parte de uma “teoria maluca”. Mas para que
serve o conhecimento sobre as ondas gravitacionais? Na opinião de Oliveira, a ocorrência desse questionamento precisa
diminuir. “Parece que toda descoberta científica tem que servir para alguma
coisa prática. Parece que a ciência tem que descobrir somente coisas com
utilidade prática, mas não é assim. O conhecimento, por si só, carrega desafios”,
opina. A construção de um equipamento como o Ligo é bastante complexa, o que já
é uma grande motivação, uma razão: “A ciência não pode se resumir a produção e
ganho”. De acordo com o
jornalista e professor da PUC Campinas Marcel Cheida, o problema no Brasil, de
modo geral, é que a produção do que ele chama de “jornalismo sobre ciência” é
muito incipiente. “Se você pegar as grandes redações, você conta no dedo um ou
outro jornalista especializado. E, muitas vezes, ele faz todos os papéis. É
repórter, editor, comentarista”, analisa. Na esteira das críticas, Cheida
avalia que a questão de fundo é que “não somos uma sociedade que tem simpatia
sobre ciência, não somos leitores de ciência. E os jornais refletem isso”. Cheida observa
que outro problema é a percepção do público sobre a ciência, um objeto
sofisticado, complexo e que demanda uma educação para que se tenha leitores e
consumidores sobre o tema. “E o Brasil não tem”, pontua. Dentre tantas
barreiras, percebe-se que estamos diante de um obstáculo que também é, de certo
modo, educacional. A carência de laboratórios e de infraestrutura nas escolas
de nível básico – fundamental e médio – reflete, segundo o pesquisador, em um
jornalismo científico menos crítico. Não pela falta de capacidade dos
jornalistas, mas pelo nível intelectual da esmagadora maioria da população.
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