05/02/2010
Como seu estudo com o processo de tomada de decisões na área médica está relacionado com o PBL? Lee Shulman - Quando nós criamos a escola de medicina na Universidade de Michigan em 1968, fomos um dos primeiros a construir o ensino de ciências focado em problemas e grande parte dos conceitos subjacentes ao PBL veio de meu estudo sobre como os médicos fazem diagnósticos complexos. A partir dessa experiência, foram surgindo vários outros temas de pesquisa, entre eles o papel dos problemas na educação para a formação de profissionais capazes de solucionar problemas. As pessoas podem aprender a ser criativas para solucionar os mais diversos problemas, mas como usar sistematicamente métodos de ensino capazes de preparar os estudantes a conviver com o inesperado, o surpreendente e o imprevisível? Este foi justamente o foco de minha palestra na abertura do Congresso PBL 2010 iniciado no dia 8 de fevereiro, em São Paulo. Mostrei exemplos de nossas pesquisas na preparação de advogados, engenheiros, enfermeiras e médicos para discutir os tipos de programas de ensino capazes de preparar pessoas criativas na solução de problemas.
O que as pesquisas mostram quanto aos alunos que são submetidos ao método PBL com relação àqueles que permanecem sob o método tradicional de ensino? Shulman - Não há evidências consistentes de que os estudantes submetidos ao PBL são mais bem sucedidos em seu trabalho ou que se lembrem com maior facilidade dos conteúdos aprendidos do que aqueles que estudaram sob os métodos tradicionais de ensino. No caso dos estudantes de medicina, por exemplo, fica difícil fazer essa distinção porque todos são submetidos aos mesmos tipos de rondas clínicas durante seus estudos e a residência, onde eles têm a oportunidade de praticar frequentemente a tomada de decisões. O que parece claro é que o PBL favorece com que os estudantes sejam mais motivados e tenham atitudes mais positivas do que os estudantes tradicionais.
Que tipo de estudante é necessário para que o PBL funcione? Shulman - O PBL requer que os estudantes assumam os riscos de expor suas opiniões e ideias em público e que mostrem independência para procurar informações novas por conta própria. Geralmente esses pré-requisitos são atendidos por alunos com perfil naturalmente mais ativo no processo de aprendizagem. Mas, mesmo em países onde os estudantes têm a reputação de serem mais passivos, como no caso dos países baixos e escandinavos, o PBL mostrou bons resultados. E se os estudantes querem ser ativos profissionalmente em suas carreiras, seja na medicina, enfermagem ou engenharia, e até mesmo se eles querem ser cidadãos participativos dentro de uma democracia, eles precisam desenvolver novos hábitos para a participação ativa.
Outro domínio importante de sua pesquisa é o conhecimento pedagógico do conteúdo (do inglês, Pedagogical Content Knowledge – PCK). O que seria exatamente isso? Shulman - Quando era professor de psicologia educacional e educação médica na Universidade de Michigan, eu estudei por quase dez anos o pensamento e conhecimento de médicos. Ficou claro para mim que os médicos ganhavam uma boa quantidade de conhecimento a partir de suas práticas e me pareceu óbvio pensar que isso também deveria ser verdade para os professores. Quando nós somos requisitados para explicar o que sabemos aos outros, certamente aprendemos a entender melhor nossas disciplinas. Muitas das boas ideias vêm de nossas experiências de ensino. É a “sabedoria da prática”, como sugere o título de um dos meus livros (The wisdom of practice: essays on teaching, learning, and learning to teach). Mas, além disso, há também uma evolução no entendimento quanto aos modos de ensino capazes de transmitir o conteúdo da forma mais compreensível possível para os outros. Era preciso pesquisar sobre como os professores pensam e compreendem, tal como a razão de suas principais ideias, conceitos e princípios acerca dos diferentes assuntos que ensinam. E é essa ênfase dada ao conhecimento que sustenta o estudo sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo, que se tornou aspecto central de minhas teorias.
Se o PCK é adquirido com a experiência de ensino, como se pode explicar a existência de professores de longa data cuja didática deixa a desejar? Shulman - É claro que professores excelentes podem desenvolver o PCK apenas através de suas práticas de ensino, mas a experiência não é garantia para o desenvolvimento profundo do PCK. Os professores devem ser propositadamente ensinados a enxergar como ideias complexas de sua área do conhecimento podem ser representadas de forma que os estudantes compreendam melhor. E para termos um conhecimento pedagógico do conteúdo, temos que entender o que faz algumas ideias serem de difícil compreensão e que tipos de exemplos, analogias e problemas podem torná-las mais claras para os alunos. Uma preparação efetiva do professor, que o permita desenvolver o PCK, certamente proporcionará um valioso começo em sua trajetória de ensino. É como dizemos, alguns professores têm 20 anos de experiência, outros têm apenas um ano de experiência que eles repetem vinte vezes. Essa é a razão de vermos tanto professores jovens e ótimos, como professores antigos e péssimos. No ensino superior, por exemplo, os professores são mais treinados a fazer pesquisa do que a ensinar, quando a primeira e mais importante responsabilidade de um professor universitário é justamente ensinar os estudantes que fazem parte da universidade. Isso frequentemente acarreta em péssimos professores e em alunos desinteressados por suas matérias.
Como é possível medir essas mudanças no conhecimento dos professores? Shulman - Podemos ver a evidência do conhecimento dos professores a partir da análise dos cursos que eles lecionam e como esses cursos são sistematizados, das leituras que eles selecionam aos alunos, do modo como eles ensinam e lideram discussões e da qualidade dos testes que eles aplicam aos estudantes. Também podemos procurar por evidências nos próprios alunos, que passam a aprender e compreender melhor o conteúdo, além de se sentirem mais motivados e entusiasmados com o curso. Muitos professores, mesmo os mais brilhantes em pesquisa, ensinam de um jeito que os estudantes detestam a matéria e nunca sentem o desejo de estudá-la novamente, o que enfraquece o futuro no campo de pesquisa em questão. Nós podemos ver frequentemente esse fenômeno no modo como as mulheres são ensinadas na universidade a acreditar que elas não podem aprender matemática, ciência ou engenharia tão bem quanto os homens. Esta é uma concepção errônea que destrói a motivação de brilhantes mulheres a darem importantes contribuições à sociedade.
É possível traçar uma conexão entre o conhecimento pedagógico do conteúdo e a aprendizagem baseada em problemas? Shulman - O PCK é o que distingue um professor excelente ou um profissional de determinada área de alguém que apenas sabe a própria disciplina. É o que distingue um excelente biólogo de um ótimo professor de biologia, uma vez que mais do que simplesmente conhecer sua disciplina ele também entende como transformar seu conhecimento em experiências que irão dar suporte ao aprendizado dos alunos. Nesse sentido, o ensino baseado no PBL requer uma forma de conhecimento pedagógico do conteúdo porque o ensino baseado em problemas transforma a compreensão da disciplina em formas destinadas a estimular, engajar e aprofundar a aprendizagem e compreensão do aluno. Engajar e motivar estudantes, guiando-os para enxergar as conexões entre as categorias das disciplinas e os reais problemas no mundo são aspectos do conhecimento pedagógico do conteúdo em professores.
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