O
poder e a Peste
A vida de Rodolfo Teófilo
Lira Neto, Ed. Fundação Demócrito
Rocha, 1999.
Por Rafael
Evangelista
Mistura de cientista, escritor, industrial e divulgador científico,
o cearense Rodolfo Teófilo foi um homem que enfrentou praticamente
sozinho, em duas oportunidades, uma doença que vitimou milhares de
pessoas na Fortaleza do final do século XIX e início do século XX:
a varíola. Sem apoio do poder público, Teófilo, formado em Farmácia
pela Faculdade de Medicina da Bahia, empreendeu uma batalha pessoal
contra a Peste de seu tempo, lutando contra o medo daqueles que temiam
a vacina, contra a falta de recursos e contra as consequencias da
seca e da fome, que traziam a migração em massa e a piora das condições
de higiene. Montado em um cavalo branco, cuidou sozinho de uma vacinação
em massa pelos bairros pobres de Fortaleza durante os três primeiros
anos do século XX. Só em 1902 Teófilo vacinou 1940 pessoas, não sendo
registrado nenhum caso de varíola na capital cearense naquele ano.
O Poder e a Peste - A vida de Rodolfo Teófilo (1999, Edições Fundação
Demócrito Rocha, Lira Neto), é um livro que conta a história deste
homem. Com uma narrativa leve, que funde jornalismo, história e literatura,
o jornalista Lira Neto relata cronologicamente a trajetória de Teófilo,
partindo de seu nascimento, em 1853, quando o pai, Marcos José Teófilo,
estava envolvido no combate de outra Peste, a febre amarela. Através
dos anos acompanhamos as dificuldades enfrentadas por Rodolfo, desde
o seu nascimento em um parto difícil, passando pela morte dos pais,
a juventude como caixeiro e a luta contra a varíola. O relato das
mortes causadas pelas epidemias do início do século com certeza traz
a maior carga dramática do livro, que, contudo, não se restringe a
isso. Como Rodolfo Teófilo foi um homem de múltiplas atividades, de
intensa vida intelectual, tendo publicado 27 livros em vida e um postumamente,
sua biografia também é um panorama da política, da história e dos
movimentos literários da capital cearense no início do século XX.
Entretanto, a solução encontrada por Lira Neto para contar a vida
de Rodolfo Teófilo, a descrição cronológica dos fatos mais importantes,
distribuídos de uma maneira mais ou menos igual, acaba causando no
leitor uma sensação de que falta um maior aprofundamento em momentos
importantes da vida do biografado. Teófilo produziu uma quantidade
relevante de livros, entre romances, livros de História, poesias,
divulgação científica, crônicas e contos. Todos recebem um pequeno
resumo, colocado ao final da biografia. Talvez se Lira Neto tivesse
se preocupado em somar estes resumos ao resto do corpo da biografia,
e não em um capítulo à parte esta sensação se atenuasse. Estas obras
poderiam ser relacionadas ao momento da vida em que Teófilo as escreveu,
sendo analisadas em seu contexto, o que poderia criar no leitor um
maior interesse por elas.
Outra solução narrativa interessante encontrada por Lira Neto são
as pequenas notas distribuídas ao longo do livro e colocadas ao lado
das páginas. Estas notas contextualizam ou citam curiosidades que
estão acontecendo na mesma época de que trata o capítulo. É através
destas notas que somos informados desde que o Ceará foi a primeira
província brasileira a proclamar a abolição da escravatura - mesmo
sem nunca ter tido a mão de obra escrava como base de sua economia
- até sobre as brigas de Teófilo com inspetor de higiene do governo
do Ceará. Muitas destas notas poderiam ter sido incluídas no corpo
do texto da biografia.
Com um texto objetivo, de fácil leitura, O Poder e a Peste, é um livro
que desperta a curiosidade pela história do combate às epidemias,
que levaram a tantas mortes no Brasil. Epidemias que foram vencidas
muitas vezes pela teimosia e pela crença na ciência de muitos homens
que, lutando contra a falta de recursos e a falta de apoio dos autoridades,
foram capazes de salvar milhares de vidas. Nada mais atual.