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Estratégia da decepção. Paul Virilio. Ed. Estação Liberdade, 2000 por Rafael Evangelista Muitos analistas interpretaram a derrubada das torres gêmeas do World Trade Center como um evento que trazia uma ruptura, um desvio daquele que parecia ser um futuro que se consolidava, em que a tônica era a paz e o desarmamento contínuo. Não é essa a impressão que fica após a leitura de Estratégia da decepção, do filósofo francês Paul Virilio. A idéia que fica é a de que o conflito no Afeganistão - em que foram usadas em larga escala informações exclusivas da região captadas por satélite - teve antes um "campo de testes" para os novos métodos militares localizado na região do Kosovo. O livro de Virilio é formado por quatro crônicas, três delas escritas durante o conflito do Kosovo, mostrando como o que ocorreu nos Bálcãs foi uma demonstração da hegemonia industrial, militar e científica. Os EUA elaboram novas formas de deixar clara sua superioridade militar aos outros Estados. No Afeganistão, o que se viu foi a deposição de um grupo que exercia o poder político, o qual só pode chegar ao poder por ter sido apoiado, em um período anterior, pelos próprios Estados Unidos, e se recusou a combater um grupo terrorista que exercia atividades em seu território. Na Guerra dos Bálcãs, da mesma forma, um Estado foi bombardeado e seu governante acusado de práticas terroristas violadoras de direitos humanos. Em ambos, a ação militar foi internacional e os objetivos eram baseados em um discurso "humanitário". Esse bombardeio "humanitário" acabou trazendo consequências violentas tanto para os kosovares como para o povo afegão. Editado em 2000, Estratégia da decepção traz a análise de Paul Virilio sobre a passagem de um contexto em que a posse de armas nucleares por duas grandes potências era, por si só, capaz de dissuadir qualquer Estado do objetivo de deflagrar um conflito em grandes proporções, para um contexto em que um único Estado hegemônico utiliza um grande complexo de informações como arma principal. O conceito de informação pode ser aqui entendido tanto como a capacidade tecnológica de produzir artefatos militares sofisticados, como pelo controle de satélites capazes de captar e interceptar imagens, sons e dados de qualquer parte do mundo. Segundo Virilio, o que a guerra nos Bálcãs mostrou foi a passagem de uma eletronic warfare (um conflito militar eletrônico) como aconteceu no Iraque, para um information warfare (um conflito militar informacional). Além dos mísseis teleguiados que foram usados no Iraque, o conflito do Kosovo foi baseado em informaçoes do território captadas por satélites, responsáveis por localizar o armamento utilizado, obter imagens do local e identificar o movimento das forças em campo. A isso somaram-se os bombardeios com as novas Bombas de Grafite, aparatos não diretamente mortais mas capazes de criar uma pane na geração de energia elétrica, levando à escuridão. O objetivo era criar pânico e confusão nas hostes inimigas. À "guerra das imagens" que assistimos na Guerra do Golfo (com a aliança CNN-Pentágono) se sucedeu, segundo o autor, o "policiamento das imagens" no Kosovo. Prova disso é que um dos primeiros alvos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi a RTS, a rede de televisão iugoslava. A isso, seguiram-se missões do avião Hércules EC 130E, repleto de aparelhos de transmissão de TV e rádio dirigidos à população servo-croata. Não apenas os aparelhos de comunicação entre os próprios militares inimigos pasaram a ser alvo de destruição mas também a capacidade do governo sérvio de comunicar-se com sua população foi visada. Virilio lembra que o ataque à Iugoslávia foi promovido sem autorização da Organização das Nações Unidas (ONU) e afirma que, com isso, a Otan tornou-se uma força militar supranacional não mais baseada apenas em uma ação de defesa para os países membros mas em uma ameaça de possível ataque a outros países. Nesse quadro, enfraquecem-se os países periféricos, que podem ser alvo fácil de ataque, e a própria União Européia, que pode ser observada e controlada pelo espaço. A acusação feita pela Otan contra a Iugoslávia, de violar os direitos humanos dos kosovares, é invertida por Virilio, que mostra como armas como a Bomba de Grafite e o bombardeio exagerado buscaram atingir as populações civis. Mesmo as comparações entre a limpeza étnica dos sérvios e os princípios nazistas que foram veiculadas pela imprensa na época do conflito, são redirecionadas, pelo autor, à Otan. Segundo o ele, os Estados Unidos tiveram objetivos experimentais no Kosovo - ao preparar o novo modelo de guerra - que os aproximam do modelo nazista de ciência Ao contrário do que aconteceu no período de 1943 a 1945, na Europa, que se tornou um lugar fechado, sitiado em suas fronteiras, o conflito do Kosovo mostrou um novo tipo de sitiamento, orientado verticalmente. O Kosovo tornou-se um forte, cercado pelo alto, mas sem fronteiras no chão. Segundo Virilio, esse é o novo modelo de conflito a que devemos assistir. Mesmo tendo sido escrito antes do fatídico 11 de setembro, Estratégia da decepção é um competente quadro dos novos conflitos contemporâneos, já que o Kosovo foi apenas o campo de provas dos ataques ao Afeganistão. O quadro que Virilio descreve é sintomático de que o desenvolvimento tecnológico levou a alterações profundas nas características e nos componentes dos conflitos militares do futuro, incorporando o monitoramento constante de informações visuais, sonoras e digitais. A nova infra-estrutura tecnológica, que hoje é parte da vida cotidiana das grandes cidades, torna-se um alvo frágil e importante. Apesar de ser uma obra de análise político-social, Estatégia da decepção tem um estranho sabor de ficção científica pessimista.
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