Percentual de crianças diminui, mas é grande o número das que vivem na pobreza
De acordo com relatório da Divisão de População da Organização das Nações Unidas (ONU), o número de crianças entre 0 e 14 anos no mundo, atualmente, é de 1,82 bilhões, o que representa 28% da população mundial. Esse percentual é exatamente o mesmo no Brasil, que tem mais de 50 milhões de crianças, segundo o Sistema Integrado de Projeções e Estimativas Populacionais e Indicadores Sociodemográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com o aumento gradual, no país, da expectativa de vida de uma criança ao nascer, que passou de 62,6 anos em 1980 para 71,3 anos em 2003, o Brasil está seguindo a tendência mundial de envelhecimento da população, que já é realidade nos países desenvolvidos e preocupa os analistas quanto às projeções para a previdência. O IBGE estima que a população brasileira entre 0 e 14 anos representará cerca de 24,3% do total em 2020. Já a ONU prevê que a população mundial de crianças até 2050 será de apenas 20% do total, diminuindo nas regiões mais desenvolvidas e aumentando apenas nos países mais pobres ou emergentes, onde 1 bilhão de crianças vive em condição de pobreza.
Os países mais populosos do mundo, a China e a Índia, têm o maior número absoluto de população infantil e concentram um terço do total de crianças do planeta. Mas em termos relativos, os habitantes de 0 a 14 desses países representam, respectivamente, 21,4% e 32,1% da população total, e portanto, pode-se dizer que há nações bem mais jovens, no que diz respeito à representatividade da população infantil: em diversos países africanos ou do Oriente Médio, esse índice é superior a 40%, e em Niger e na Uganda (ambos, na África), chega a ser de metade da população. Além do elevado percentual dos que têm entre 0 e 14 anos, Niger também figura ao lado de outros países africanos e asiáticos que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta como os lugares onde as crianças têm maior chance de morrer antes de completar 5 anos. De acordo com o Unicef, a expectativa de vida de uma criança ao nascer em Zâmbia era de 33 anos em 2003, e a atual taxa de mortalidade infantil em Burundi – a mais alta do mundo – é de 157 mortes para cada mil crianças vivas, o que representa mais que o triplo da taxa de natalidade daquele país.
Segundo estimativas do Unicef baseadas no censo de 2000 do IBGE, no Brasil, os estados mais jovens estão nas regiões Norte e Centro-Oeste: em oito deles, a população entre 0 e 14 anos supera os 40%, e no Amapá, em Rondônia e em Roraima, as crianças representam mais da metade da população. Porém, as regiões brasileiras mais populosas, a Sudeste e a Nordeste, concentram a maior população infantil, em termos absolutos: juntas, somam mais de 36 milhões de crianças. A região Nordeste também é a que apresenta os piores índices de mortalidade infantil do país, com 66,8 mortes entre crianças até cinco anos para cada mil crianças vivas, segundo o Unicef. E de acordo com a Estimativa da Mortalidade Infantil por Microrregiões e Municípios e os Indicadores e Dados Básicos de 2000, do Sistema Único de Saúde (SUS), em Alagoas essa taxa chega a 68,2/mil. Esse e outros estados nordestinos apresentam problemas semelhantes aos de países que têm uma taxa superior à média mundial de 50,3 mortes/mil, muitas das quais poderiam ser evitadas: o relatório The State of the World’s Children 2005, do Unicef, aponta que 1,4 milhões de crianças morrem anualmente no mundo por falta de acesso a água tratada e condições sanitárias adequadas.
“Em Alagoas, 70% da população tem água canalizada no domicílio ou no quintal, mas apenas 24% tem esgoto sanitário e 26% joga os seus dejetos na vala ou no rio. Em condições tão precárias de saneamento, as doenças infecciosas se constituem em causas importantes de morte na infância”, afirma Maria do Carmo Leal, uma das líderes do grupo de pesquisa em Epidemiologia e Avaliação de Programas sobre a Saúde Materno Infantil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). De acordo com o Ministério da Saúde, uma em cada quatro mortes de crianças entre um e quatro anos no Norte e no Nordeste, em 1996, foi decorrente de doenças infecciosas e parasitárias. Segundo Leal, para reverter o quadro, além do investimento em saneamento básico é preciso, entre outras coisas, distribuir soro reidratante oral, que previne óbitos por diarréia infecciosa se oferecido em fase inicial da doença. “Programas como o Saúde da Família [do governo federal], se bem expandidos pelos municípios, principalmente em áreas onde residem populações carentes, que são as mais vulneráveis a morrer dessas causas, farão um grande impacto”, avalia.
Taxa
de mortalidade infantil em menores de um ano de idade. Fonte: Unicef,
a partir de dados do censo de 2000 do IBGE |
A mortalidade de crianças com menos de um ano de idade, que tem diminuído no Brasil graças, entre outras coisas, aos programas de incentivo à amamentação, ainda é elevada em Alagoas (62,5/mil) e em outros cinco estados nordestinos. “É relevante continuar o estímulo ao aleitamento materno, ampliando ao máximo a sua prática, pois ele é um importante fator de proteção contra doenças diarréicas e respiratórias dessa faixa etária. Além disso, alguns estudos demonstram que ele também tem efeito protetor nas doenças crônicas do adulto, como obesidade e colesterol elevado”, defende Deisi Maria Vargas, que lidera o “Grupo de estudo de doenças crônicas preveníveis na infância”, na Fundação Universidade Regional de Blumenau (Furb). “Através do leite materno, as crianças podem adquirir anticorpos maternos e a quantidade adequada de nutrientes. A importância da amamentação é grande para todas as crianças, mas é relativamente mais importante quanto mais pobre for a família na qual a criança está inserida”, acrescenta Carla Jorge Machado, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), ligado ao Departamento de Demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Machado explica que a relação da mortalidade entre 0 e 1 ano de idade com a expectativa de vida da população é grande, pois muitas mortes consideradas “pouco evitáveis”, devido a problemas no parto ou anomalias do bebê, ocorrem nesse período, e as crianças tendem a viver em média de 1 a 2 meses. “Já a mortalidade entre 1 e 4 anos é mais afetada pelos fatores relacionados à renda. A criança já não recebe os anticorpos da mãe (ou os recebe em menor quantidade), brinca mais, ‘se suja mais’, adquire mais infecções. Há, ainda, o mecanismo da ‘competição entre irmãos’, muito mais importante em famílias pobres, onde se disputa o mesmo alimento e atenção dos familiares”, afirma. “As doenças da pobreza, o abandono, começam a emergir nesse período com mais intensidade”, completa. De acordo com o IBGE, uma em cada três crianças brasileiras mora em domicílio com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio.
Outro problema apontado no relatório do Unicef em relação à infância é o Baixo Peso ao Nascer (BPN) – menos de 2,5 quilos –, que afetou 10% das crianças brasileiras nascidas entre 1998 e 2003 e atinge 30% das que nascem na Índia, em Bangladesh e no Sudão. “A principal causa do BPN no Brasil e em todo o mundo é a prematuridade. E as causas da prematuridade são múltiplas, algumas ainda desconhecidas”, diz Leal, da Fiocruz. O baixo peso do bebê prematuro está relacionado à sua idade de gestação (seis, sete meses) e não significa desnutrição, mas um aumento de risco em relação a algumas doenças. Segundo Leal, os nascimentos prematuros podem estar relacionados à hipertensão arterial ou a doenças cardíacas da mãe, a infecções durante a gestação e a idades maternas de risco (gestantes idosas ou adolescentes) e, por isso, é importante a assistência pré-natal bem feita e a qualidade de atendimento na hora do parto. “Nos últimos anos, a assistência à gravidez de alto risco melhorou muito e, consequentemente, mais crianças prematuras têm nascido e sobrevivido”, observa Vargas, da Furb.
Estrutura etária e políticas públicas
Para Machado, da UFMG, os adultos e os idosos tendem a ter uma relevância maior nas políticas públicas do que a infância e a adolescência. “As crianças e os adolescentes não têm peso como ator político, dependendo de seus pais ou outros atores mais organizados para lutar por eles”, diz. Ela cita como exemplo os Estados Unidos, onde atualmente há uma crise na educação básica, mas os atores políticos mais idosos lutam por medicamentos gratuitos para a população, cuja parcela mais velha tem chance maior de necessitar do uso de medicamentos para tratamento de doenças crônicas. Se existem problemas nas políticas públicas para infância em países desenvolvidos, cuja população envelheceu nas últimas décadas, ele é ainda mais grave nos países onde as crianças são maioria. “No caso dos países muito jovens, são normalmente muito pobres, e não há uma organização política que priorize os mais jovens. Esses países tendem a ser muito dependentes das intervenções dos países mais ricos em suas políticas”, conclui.
Em artigo sobre a estrutura demográfica no Brasil, o diretor do Cedeplar/UFMG, José Alberto Magno de Carvalho, explica que o principal indicador que define a estrutura etária de um país é sua taxa de fecundidade (número médio de filhos por mãe). Segundo ele, a tendência de envelhecimento da população brasileira começou nas décadas posteriores a 1970, quando o censo registrou uma fertilidade média de 5,8 (na Amazônia, essa taxa chegou a 8,1). A taxa de fecundidade no Brasil caiu para 2,27 filhos por mãe em 2000, abaixo da média mundial, de 2,82. De acordo com a Divisão de População da ONU, esse índice em Gana e no Quênia, ambos na África, é de 4,6, e chega a 4,9 no Sudão. Na Ásia, as maiores taxas de fecundidade estão no Timor Leste (4,35), na Jordânia (4,69) e no Nepal (4,83). Já entre os países desenvolvidos, uma das maiores taxas de fecundidade, a dos Estados Unidos (2,1), está abaixo da brasileira. Além do envelhecimento, a baixa taxa de fecundidade também pode levar à diminuição da população, como ocorre no Japão e se espera que aconteça na Itália, que tem o índice mais baixo entre os países da Europa Ocidental (1,2 filhos por mãe).