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http://www.comciencia.br/reportagens/2005/06/05.shtml

Autor: Rodrigo Cunha
Data depublicação: 10/06/2005

Genômica e proteômica são apostas para vacinas

Apesar de o conhecimento científico sobre algumas doenças tropicais ser quase secular, as pesquisas para se chegar a vacinas contra elas ainda não deram resultados positivos. Enquanto os estudos continuam, o combate a essas doenças envolve a tentativa de interrupção do ciclo de transmissão. Por um lado, é feito o controle dos hospedeiros – como os caramujos de água doce, que abrigam o verme causador da esquitossomose; ou os mamíferos silvestres, onde se hospedam os parasitas que provocam a leishmaniose. Por outro, faz-se a eliminação dos insetos transmissores – como o barbeiro, que expele nas fezes o protozoário causador da doença de Chagas; ou mosquito Aedes aegypti, que transmite o vírus da dengue. Com os recentes avanços da biotecnologia, contudo, os pesquisadores também passaram a apostar no estudo do genoma dos causadores dessas doenças e das proteínas associadas a eles para tentar chegar a vacinas como a que já existe contra a febre amarela.

A Rede Genoma de Minas Gerais, da qual participam sete instituições mineiras de pesquisa, fez o seqüenciamento do genoma de todas as fases de desenvolvimento do Schitosoma mansoni, parasita responsável pela esquitossomose. Esse foi o ponto de partida para um estudo realizado pela doutoranda Fernanda Caldas Cardoso, no Laboratório de Imunologia de Doenças Infecciosas (Lidi) da UFMG, sobre a viabilidade de uma nova forma de diagnóstico e da produção de uma vacina contra a doença. De acordo com o coordenador do Lidi e orientador da pesquisa, Sérgio Costa Oliveira, o desenvolvimento de vacina contra a esquitossomose sempre foi uma tarefa difícil devido, principalmente, ao ciclo de vida do parasita, que é muito complexo e expressa, em seus diversos estágios, diferentes antígenos (substâncias que provocam a reação do sistema imune). Oliveira acrescenta que, para escapar a essa reação, o parasita produz moléculas que suprimem a resposta do organismo que hospeda o Schitosoma.

Fernanda Cardoso selecionou proteínas de membranas localizadas na superfície do parasita, das quais destacou uma, denominada Sm-29, presente em algumas fases do desenvolvimento do verme. O reconhecimento dessa proteína pelo sistema imune e a produção de anticorpos contra ela podem acelerar o diagnóstico da doença. Atualmente, a esquitossomose só é descoberta em sua fase mais avançada, pela presença de ovos do parasita nas fezes do doente. “Nosso objetivo principal é fazer o diagnóstico de pacientes na fase inicial da xistose [nome popular da esquitossomose], antes da postura dos ovos pelos parasitas. Desta forma, podemos tratar os pacientes antes do agravamento da doença e também evitamos o desenvolvimento da fase mais patológica da esquitossomose, a fase crônica”, explica a pesquisadora da UFMG. No Brasil, o número estimado de pessoas com risco de contrair a doença é entre seis e sete milhões, dos quais um milhão vive em Minas Gerais que, ao lado do Nordeste, é considerada a principal região endêmica da esquitossomose, ou seja, onde a presença da doença é constante.

De acordo com Cardoso, ao contrário de muitas proteínas cuja produção em laboratório é inviável, a Sm-29 pôde ser sintetizada em larga escala, para ser testada tanto no diagnóstico da esquitossomose quanto na imunização de camundongos à doença. Os resultados dos testes de imunização, que poderão contribuir para se chegar a uma vacina para o ser humano, serão divulgados no segundo semestre deste ano. “Para produzir uma vacina que gere uma proteção satisfatória nos indivíduos vacinados será necessário um coquetel com algumas proteínas, e a Sm-29 é uma proteína com grande potencial para compor esse coquetel”, afirma Cardoso. Segundo ela, outras proteínas também estão sendo testadas no Lidi com a mesma finalidade. “Para uma vacina viável, além de uma boa proteção dos indivíduos vacinados, ela também tem que ser composta de proteínas estáveis e ter custo baixo para produção em grande escala”, ressalta.

Além do estudo das proteínas e do genoma dos causadores de doenças tropicais, alguns pesquisadores também investigam as relações entre eles e os insetos que os transmitem para o ser humano. Para tentar chegar a uma vacina contra a leishmaniose, o brasileiro José Ribeiro conduziu, no Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, uma pesquisa sobre o Phlebotomus patasi, conhecido como mosca da areia, um dos gêneros de insetos da família dos flebotomíneos, responsáveis pela transmissão do protozoário causador da doença na região do Oriente Médio. Os resultados desse estudo, publicados no Journal of Experimental Medicine, mostram que uma proteína presente na saliva de insetos que não tinham a Leishmania apresentou resultados positivos na imunização de cobaias picadas posteriormente por moscas portadoras do parasita. A exemplo da investigação relacionada à esquitossomose, os pesquisadores acreditam que essa proteína também poderá fazer parte de um coquetel para a imunização de seres humanos contra a leishmaniose.

As pesquisas para se chegar a vacinas contra essas doenças seguem paralelas aos estudos sobre as condições favoráveis à sua disseminação. Na Amazônia, a transmissão da leishmaniose é tida como uma das conseqüências do desmatamento e ocupação para atividades agropecuárias em antigas áreas florestais. Além dos hospedeiros tradicionais – os mamíferos típicos de floresta, como bicho preguiça, tamanduá e tatu –, vem crescendo o número de registros da doença em animais domésticos como cães, que vivem em assentamentos rurais da região. “O aumento desses casos, muito bem caracterizados em áreas desmatadas do Brasil, tornam a transmissão doméstica um grande meio disseminador de Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) na América Latina”, diz Antonia Maria Ramos Franco, do Departamento de Ciências da Saúde do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

A LTA é um dos tipos de leishmaniose, e pode causar lesões e úlceras na mucosa do nariz, da boca e da garganta. Outra variação da doença é a Leishmaniose Visceral (LV), que provoca febre prolongada, anemia e problemas respiratórios e, em casos mais graves, leva ao sangramento da boca e do intestino. “Os cães são os principais reservatórios de LV nas Américas, e seu papel como reservatório de LTA vem sendo discutido e investigado nos últimos anos”, completa a pesquisadora do Inpa. A recomendação dos órgãos responsáveis pelo controle da doença é que os cães com sintomas como queda de pelos, vômitos e fezes com sangue – que caracterizam a leishmaniose nesses animais – sejam sacrificados, pois além do risco de transmitir a doença para os seres humanos, não existe tratamento eficaz para os cães infectados. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, em todo o mundo, estima-se que 350 milhões de pessoas vivam em regiões endêmicas e corram o risco de contrair uma das variedades da leishmaniose.

Mesmo com esses estudos sobre a disseminação de doenças tropicais, o controle dos hospedeiros e a eliminação dos transmissores ainda tem tido um sucesso limitado. Após uma campanha de erradicação da dengue na década de 50, através da eliminação do mosquito Aedes aegypti, transmissor do vírus que causa a doença, ela reapareceu em 1967 no Pará, em 1976 em Salvador e, em 1977, no Rio de Janeiro. Em 1986, já havia epidemia de dengue em vários estados brasileiros e, em 1994, a Fundação Nacional de Saúde registrou mais de 50 mil casos da doença em 20 unidades da federação. Nos cinco primeiros meses de 2005, cidades como Campinas, no interior de São Paulo, já registraram mais casos de dengue do que em todo o ano de 2004, deixando as autoridades sanitárias alertas para uma possível epidemia da doença no próximo verão, quando a estação de chuvas aumenta a possibilidade de proliferação do mosquito.

Já a principal espécie do inseto responsável pela propagação da doença de Chagas, o Triatoma infestans, popularmente conhecido como barbeiro, está atualmente eliminado no estado de São Paulo, segundo a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen). Entretanto, esse inseto foi descoberto em moagens de cana do Sul após as recentes notícias alarmantes sobre um surto da doença no litoral de Santa Catarina, e sua presença ainda persiste em diversas regiões do país. A fase mais grave da doença de Chagas (a crônica), que de acordo como Ministério da Saúde atinge cerca 30% dos infectados pelo parasita Trypanossoma crusi transmitido pelo barbeiro, pode provocar a dilatação do coração e a perda de bombeamento do sangue. “A doença crônica não é reversível com os recursos atuais, pois se trata de seqüelas nos órgãos afetados”, diz o infectologista Roberto Martinez, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.

Mas biotecnologia, que traz perspectivas na busca de vacinas, e segundo Martinez, pode levar à eliminação do Trypanossoma cruzi em pessoas já infectadas, também é vista como uma alternativa no tratamento de distúrbios cardíacos de pacientes com a doença de Chagas, transmitida pelas fezes que o barbeiro deposita ao picar uma pessoa para sugar seu sangue. Uma rede envolvendo quinze centros de pesquisas de oito estados brasileiros irá estudar o uso de células-tronco no tratamento de doentes chagásicos, como parte do Estudo Multicêntrico de Terapia Celular em Cardiologia, que abrange um total de 350 especialistas de 50 instituições e tem um financiamento governamental de R$ 13 milhões. A previsão é de que os resultados desses estudos sejam conhecidos em aproximadamente três anos.

(RC)

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Atualizado em 10/06/2005

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